Olhar estrangeiro: Copa é a chance de Messi provar se é melhor que Maradona

Dan Edwards

Do Infobae.com (Argentina)*

À primeira vista, Lionel Messi pode não parecer o jogador profissional típico. Quando entra em campo, La Pulga (como é conhecido na Argentina) é uma figura atarracada, se arrastando entre as linhas, diminuto ao lado de muitos de seus companheiros e com um ligeiro indício de barriga sob a camisa. Fora de campo ele é quase dolorosamente tímido, e prefere se sentar para comer um bife à milanesa ou um farto churrasco do que um prato de peixe ou massa.

Em outras palavras, o astro do Barcelona e da Argentina é um herói não convencional do futebol. Mas o último camisa 10 alviceleste a conquistar o coração do público também era, um certo Diego Armando Maradona. A comparação entre os dois é difícil de evitar.

Ainda mais quando Messi está em ação. Seu baixo centro de gravidade e pés quase impossivelmente rápidos fazem com que tirar a bola do gênio diminuto seja uma tarefa além da capacidade para a maioria dos defensores; às vezes é preciso marcar Messi com três homens para ter a esperança de retomar a posse de bola. Mas a essa altura ele já pode ter deixado você esparramado no chão, enquanto segue para adicionar mais um gol à sua vasta coleção.

Essa habilidades, aliadas a um pé esquerdo mágico que ele controla como um marionete, estabeleceram o jogador de 26 anos como o melhor do planeta. Vamos dar uma rápida olhada pelos destaques: seis títulos espanhóis, três títulos da Liga dos Campeões, três Chuteiras de Ouro europeias, e nada menos que quatro Bolas de Ouro, conquistadas uma após a outra nos quatro anos de domínio magistral com o Barcelona. Os observadores se rendem no reconhecimento de seu brilhantismo, chamando-o de um dos maiores jogadores de futebol de todos os tempos.

Mas, fazendo uso do vernáculo argentino por um instante, há um espinho irritante que Messi até o momento não conseguiu retirar. As incessantes comparações com El Pibe de Oro –Maradona– estão fadadas a continuar até que ele encontre a glória com a camisa da seleção; e, diferente de outros desafios em sua vida, esse obstáculo até o momento pareceu intransponível.

Esse é o motivo, até as recentes eliminatórias para a Copa do Mundo, quando marcou 10 gols e terminou como coartilheiro, complementados pelos três gols marcados em um amistoso contra o Brasil em 2012, para antes ser aceitável questionar se Messi merecia um lugar em La Selección. Não há escassez de torcedores que, em uma escolha direta entre Messi ou Carlos Tévez para liderar o ataque, não hesitariam em escolher o carismático Carlitos em vez do mais recatado Messi.

Até hoje, o mago está longe de receber o crédito que merece. Em uma postagem esclarecedora em um blog, o fã do futebol argentino Rob Brown descreve uma visita que fez neste ano a Rosário, a cidade natal de Messi. Mesmo no bairro onde ainda mora a mãe e parentes do jogador, no estádio decrépito onde deu seus primeiros passos no futebol, não há nenhum mural entre os dezenas que cobrem cada cidade no país (incluindo um elegante dedicado aos Rolling Stones) com a imagem do jogador.

Nisso, Brown está de acordo com o escritor americano Wright Thompson, um visitante anterior à cidade de General Las Heras, vizinha de Rosário, onde o astro foi criado: "A maioria dos rosarinos abordados preferiu se concentrar no fato de Messi ter deixado a Argentina ainda jovem. Aos olhos deles, ele parece ter abdicado do direito de estar filiado à sua cidade. Ele tem tanta relação com eles quanto Cristiano Ronaldo ou Neymar".

A Copa do Mundo é tudo para a nação argentina. A vida normal praticamente parará em quase todos os sentidos; a política e economia notoriamente instáveis do país parecerão repentinamente secundárias em comparação a quantos gols Gonzalo Higuaín fará contra a Nigéria, ou se o goleiro Sergio Romero poderá deixará para trás as críticas daqueles que duvidam dele. Cada jogador, por seu país e glória pessoal, não terá nada mais em mente do que levar para casa a Copa do Mundo do quintal do Brasil. Mas ninguém mais precisa tanto do triunfo quanto Messi.

Sua experiência no torneio até o momento é ambígua. Em 2006, La Pulga tinha apenas 18 anos quando foi convocado para se juntar à seleção de José Pekerman, um reserva em uma das equipe mais atraentes, de puro ataque, a disputar a Copa desde o Brasil de Sócrates em 1982. Ele precisou de apenas 14 minutos para deixar sua marca no torneio, marcando o último gol na vitória arrasadora por 6 a 0 sobre a Sérvia e Montenegro, após substituir Esteban Cambiasso. Mas de lá para cá, a competição proporcionou apenas frustração para Messi.

Pekerman o escalou como titular na partida seguinte, um jogo contra a Holanda no qual a alviceleste já estava garantida nas oitavas de final. Nas quartas de final, ele foi forçado a assistir do banco de reservas, impotente, à Argentina ser eliminada pela Alemanha nos pênaltis. Quatro anos depois, esperava-se que o camisa 10 já famoso fizesse uma parceria dos sonhos com seu técnico e ídolo, na marcha da nação para a glória da Copa do Mundo. Mas não era para ser. Messi jogou todos os minutos daquela Copa do Mundo de 2010, mas foi forçado a recuar demais em seu próprio campo para compensar as falhas táticas do homem à beira do campo. As assistências foram feitas, mas os gols não saíram, e uma derrota humilhante para a Alemanha na mesma fase que 2006 deixou sua posição mais questionada que nunca.

Portanto, Messi segue para sua terceira Copa do Mundo tendo balançado as redes apenas uma vez na competição. Mas em 2014, ele chega já maduro. A decisão de Alejandro Sabella de lhe dar a braçadeira de capitão, como seu primeiro ato ao assumir em 2011, deu maior confiança ao homem do Barcelona, mas também maior responsabilidade, e ele reagiu à pressão com maturidade admirável.

A verdade será descoberta neste mês no Brasil. O lugar de Messi no panteão dos grandes do futebol já está assegurado, com feitos que vão além dos sonhos mais insanos da maioria. Mas agora é hora de remover aquele espinho. A Argentina estará de olho, e Messi deve atingir pontos altos ainda maiores para finalmente eliminar o fardo de 1986 e de Diego Maradona, pondo um fim a um debate cansativo sobre quem realmente é o maior.

Como joga a Argentina

O técnico da Argentina, Alejandro Sabella, buscou um meio-termo entre duas escolas opostas de filosofia argentina de treinamento, os menottistas, que são favoráveis a sempre atacar, e os mais pragmáticos e defensivos bilardistas. É fácil presumir que, pela alviceleste contar com os talentos de Lionel Messi no ataque, seu jogo mais ou menos refletirá o dos empregadores do gênio do Barcelona nascido em Rosário. Isso já foi tentado por técnicos anteriores na seleção, como Sergio Batista, mas sem sucesso.

Sabella foi sábio em perceber, ao assumir depois da Copa América de 2011, que apesar do talento ofensivo excepcional da Argentina entre as seleções, o mesmo não pode ser dito daqueles que atuam atrás de Messi. Não há nenhum Xavi, nenhum Andrés Iniesta orquestrando, um componente crucial para os catalães. Logo, o que o técnico fez foi injetar ritmo à estrutura tática da equipe.

Uma equipe argentina típica adotará um esquema 4-3-3, com Messi fazendo o mesmo papel de falso camisa 9 que em Camp Nou. Gonzalo Higuaín e Sergio Agüero estarão flanqueando La Pulga, criando uma força potente à frente. Mas a maior influência na mentalidade da equipe está situada ligeiramente atrás do temível ataque. Ángel Di María joga como meia-esquerda, mas quando a Argentina avança, o jogador do Real Madrid atua quase como um quarto atacante.

A seleção é mais perigosa não quando articula lentamente a partir do circulo central para frente, mas quando o adversário está mais estendido e buracos começam a surgir para o contra-ataque. Neste aspecto, se alguém estiver disposto a fazer comparações, então a formação do Real Madrid de Carlo Ancelotti é possivelmente um referencial mais fiel para esta equipe. Quando ela ataca, ela o faz rapidamente, em grande número, e usando toda a extensão do campo. Aqui as bolas diagonais de Fernando Gago, passadas a Higuaín na direita ou para Di María na esquerda, servem como primeiro passo para expandir o campo e para abrir a defesa adversária.

Enquanto isso, Messi assume um papel mais recuado do que no Barcelona, visto com mais frequência no meio de campo do que na marca do pênalti. O camisa 10 é o motor por trás do avanço da Argentina, cobrindo mais espaço do que costumam lhe dar crédito.

Lá atrás, Javier Mascherano tem um papel vital de desarmar as incursões adversárias antes que tenham a chance de perturbar a dupla defensiva ainda em grande parte não testada, formada por Ezequiel Garay e Federico Fernández. No meio de campo, a alviceleste pode se segurar; a verdadeira fraqueza está nas laterais de campo, onde tanto o Peru quanto o Equador lhe deram recentemente dor de cabeça, ao concentrarem seus esforços nos corredores em ambos os lados do campo.

Jogo Rápido - Argentina
  • Quem será o jogador que surpreenderá a todos na Copa?
    Gago se tornou crucial para o plano de jogo de Sabella. O jogador assume o papel de volante armador recuado, recebendo a bola no campo de jogo argentino e lançando o contra-ataque. Com Mascherano atrás dele e Di María como constante opção para passes mais longos, Gago tem tempo para pensar com a bola e mostrar seu verdadeiro talento, geralmente com efeito devastador.
  • Qual é o jogador com maior probabilidade de decepcionar?
    Como em 2010, a defesa estará sob forte pressão. Isso não deverá representar um problema em um grupo fraco, mas das oitavas em diante, e especialmente nas quartas, a defesa terá que estar em sua melhor forma. Apesar de muitos comentaristas estarem se concentrando no jovem lateral-esquerdo Marcos Rojo como sendo o elo fraco, Federico Fernández também é uma deficiência potencial entre os titulares.
  • Qual é a meta realista de sua seleção na Copa do Mundo e por quê?
    Nada menos que uma presença na final ou, no mínimo, na semi deve ser esperada de uma das seleções mais talentosas no torneio. A Argentina nunca careceu de talento no ataque. O que Sabella fez desde que assumiu foi passar esse entusiasmo por gols para um sistema coletivo, algo que os antecessores não conseguiram. A alviceleste de 2014 avança e recua em equipe, algo que pode pesar muito a seu favor.

Curiosidades - Argentina
  • Giuseppe Cacace/AFP Photo
    Rodrigo Palacio
    O detestado corte de cabelo rabo de rato pegou mais na Argentina do que no restante do mundo. Mas com o passar do tempo, o rabo de cavalo minúsculo começou a sair de moda, com os jovens de hoje preferindo o cabelo cortado rente, tipo Run DMC, com a nuca e laterais raspadas. Mas Rodrigo Palacio sempre fez as coisas diferente das massas, mantendo o seu rabo de rato com orgulho. Foto: Giuseppe Cacace/AFP Photo
  • Best Photo Agency & C / Pier Gia
    Sergio Agüero
    Agüero tem o hábito de fazer as coisas de modo um pouco diferente das outras pessoas. "El Kun" veio do subúrbio pobre de Buenos Aires de Quilmes, e apenas um mês depois do seu 15º aniversário fez sua estreia pelo Independiente. O jogador do Manchester City namorou a filha de Diego Maradona, Giannina, dando à lenda de 1986 um neto que certamente, algum dia, reinará no mundo do futebol. Foto: Best Photo Agency & C / Pier Gia
  • Best Photo Agency & C / Pier Gia
    Sergio Romero
    Com 1,90 metro, o goleiro Sergio Romero não é exatamente uma figura diminuta entre as traves. Mas isso não o impediu de receber o apelido de "Chiquito" (pequenino) por toda sua carreira. Romero é o menor de 4 irmãos que jogam basquete: Oscar (1,93 m), Marcos (1,95 m) e Diego (2,08 m) olhavam para baixo para o mais jovem, lhe dando o apelido pouco lisonjeiro enquanto ele iniciava no futebol. Foto: Best Photo Agency & C / Pier Gia
  • PETER FOLEY/EFE
    Alejandro Sabella
    O Sheffield foi um dos primeiros clubes ingleses a trazer estrangeiros, levando o atual técnico Alejandro Sabella em 1978. O meia serviu pelo clube por dois anos antes de ser vendido ao Leeds, mas a história poderia ter sido muito diferente. Diz a lenda que o técnico do The Blades estava originalmente de olho em Diego Maradona, mas acabou optando por Sabella devido ao preço alto de El Pibe de Oro. Foto: PETER FOLEY/EFE
  • Best Photo Agency & C / Pier Gia
    Gonzalo Higuaín
    Uma olhada nos passaportes de La Selección mostram a origem previsível da maioria dos jogadores: Rosário, Córdoba, grande Buenos Aires. Mas Gonzalo Higuaín foi criado em climas mais exóticos: a cidade francesa de Brest. "Pipita" nasceu enquanto seu pai, o ex-zagueiro Jorge, jogava na Europa, e pôde escolher entre representar Les Bleus ou a Argentina antes de finalmente optar pela alviceleste. Foto: Best Photo Agency & C / Pier Gia

* Este artigo é parte da série "Olhar Estrangeiro", produzida por 32 veículos de mídia dos países que disputam a Copa do Mundo, como UOL, Guardian (Inglaterra) e France Football (França).

Tradutor: George El Khouri Andolfato

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