Olhar estrangeiro: Piqué tem QI de gênio e ritual para entrar em campo

Francisco Ávila, Roger Xuriach e César Sánchez

Do Panenka (Espanha)

Este artigo é parte da série "Olhar Estrangeiro", produzida por 32 veículos de mídia dos países que disputam a Copa do Mundo, como UOL, Guardian (Inglaterra) e France Football (França).

Ele sempre entra em campo com o pé direito, vestindo sua camisa de manga comprida. Ele dá três pulos e cumprimenta rivais e árbitros. Gerard Piqué nasceu com sorte, um jogador de futebol que observa a vida de seu 1,93 m e alega, sem ficar corado, que sempre consegue o que deseja.

Até mesmo aquilo em que nunca pensou. Piqué é um ser intuitivo, carregado de energia positiva e muito próximo de suas raízes, das de seu pai, que nasceu em Sant Guim de Freixenet –uma cidade de mil habitantes situada na pequena província de Lleida– e dotado de grande inteligência, talvez herdada de sua mãe, uma renomada neurocirurgiã.

Piqué é um sujeito multifacetado, um gênio do futebol com 140 de QI, uma pessoa que sempre fala o que pensa e isso, às vezes, incomoda os outros. Certo dia, ele se apaixonou por uma mulher que nasceu no mesmo dia que ele, mas 10 anos antes, e que era uma das cantoras mais influentes da música mundial. Shakira podia não saber quem ele era, mas agora sabe, e é mãe do filho dele.

Como jogador, Gerard, chamado "Geri" por seus amigos do colégio La Salle Bonanova em Barcelona, também é talentoso. Ele é um zagueiro com alma de atacante, um defensor com antecipação e técnica suficiente, um jogador de futebol que pode desmontar o astro do ataque do time adversário e, além disso, marcar gols, como um pelo Barcelona de Pep Guardiola, na vitória memorável por 6 a 2 contra o Real Madrid no Santiago Bernabéu.

Nós sabemos que Piqué é o rei Midas do futebol. Tudo o que ele toca vira ouro, o que chega a ser um tanto assustador. Ele pensou em ser jogador do Barcelona aos 10 anos e conseguiu, quando seu avô era conselheiro do clube. Em La Masía, a academia do Barça para jovens, ele fez parte da melhor equipe sub-16 da história do clube ao lado de Lionel Messi e Cesc Fàbregas. Eles se reencontraram anos depois na melhor formação do Barcelona de todos os tempos.

Quando foi para o Manchester aos 17 anos, sir Alex Ferguson foi o mentor de sua carreira. Ao retornar ao Barcelona ele conheceu Guardiola e não pararam de celebrar títulos, uma onda de vitórias que o levou à seleção espanhola e à conquista da Copa do Mundo de 2010 e da Eurocopa de 2012.

Piqué conheceu Messi quando eram jovens e o reencontrou como adulto. Ele conheceu Cristiano Ronaldo quando jogava pelo Manchester United. Ferguson, Guardiola, Messi e Ronaldo formam um círculo virtuoso que mostra tudo o que Piqué representa no futebol. Alguém pode se equiparar?

Mas Piqué não está interessado em olhar para trás, mas à frente. "Se você estiver feliz, tudo fica mais fácil", ele repete ao abrir seus grandes olhos azuis toda manhã, à procura de novas motivações.

Foi o que fez quando decidiu entrar no mundo do pôquer. Em Manchester, Piqué já tinha derrotado alguns veteranos em jogos amistosos, mas queria provar a si mesmo diante de jogadores sérios. Disfarçado com óculos escuros, boné e fones de ouvido gigantes, ele participou do torneio European Poker Tour e adicionou 40 mil libras à sua conta bancária. No ano passado, ele participou com sucesso do World Series (WSOP).

Ou quando lhe ofereceram para ser a imagem de uma famosa grife de moda internacional, ele subiu instantaneamente à passarela, se destacando entre profissionais. Ou quando pensou em investir em uma empresa de videogames e criou o goldenmanager.com, um simulador virtual bem-sucedido para administrar seu próprio clube de futebol.

Aos 27 anos, Piqué tem o mundo em suas mãos, ele é talento puro da cabeça aos pés. Ele é supostamente o zagueiro mais predominante na história moderna do Barcelona e, após uma temporada difícil, a Copa do Mundo é a próxima meta. Lá, ele se une a Sergio Ramos, que é seu parceiro perfeito na defesa, apesar de não terem nada em comum fora de campo. Há não muito tempo, ele trocou opiniões irônicas com Ramos e outros jogadores do Real Madrid pelo Twitter. Não esqueça que Piqué sempre fala o que pensa, sem se importar com quem ficará incomodado com aquilo.

Ele sente falta de José Mourinho no Campeonato Espanhol ("Ouvi-lo e assistir como age após as partidas é engraçado quando você não sofre com ele como rival", ele diz), reconhece que seu relacionamento com Guardiola ("o número um") foi turbulento e sente saudades de Tito Vilanova, o técnico falecido que o ensinou a lutar todo e cada minuto de sua vida.

Piqué sabe que pode se erguer acima da antipatia. Ele é um sujeito ambicioso e apesar de sua vida ainda estar cheia de futebol, ele tem um projeto em mente para o futuro, um sonho que tem desde que se tornou membro do Barcelona quando era menino: ser presidente do clube. Até agora, ele sempre conseguiu o que quis.

Como a Espanha joga

Após ser o artilheiro da Copa do Mundo do México em 1986, o inglês Gary Lineker chegou ao Barcelona precedido por sua reputação. Três anos depois, ainda com dificuldades para se adaptar plenamente à vida na Espanha, ele procurou por um jornalista catalão e, talvez como terapia, teve a ideia de escrever um livro intitulado: "Onde está o centroavante?"

Após a chegada de Johan Cruyff em Camp Nou in 1987, Lineker tentou sem sucesso encontrar os encantos daquele estilo de futebol desenhado sem um camisa 9 e, quando o holandês o posicionou ao lado do meia-direita, o atacante do Leicester percebeu que precisava voltar para casa.

Por sua vez, Cruyff, 25 anos depois, os torcedores ainda o homenageiam como pai (talvez avô, agora após a era Guardiola) de uma filosofia que resultou nos maiores sucessos na história do Barcelona e da seleção espanhola.

Vicente del Bosque e Cruyff não são semelhantes nem como pessoas e nem como técnicos. Enquanto Cruyff tinha a genialidade como sua principal virtude, Del Bosque tem sabedoria. Assim, se a grande equipe do Barça de Pep Guardiola foi forjada sem um centroavante real, com Lionel Messi atuando como um falso camisa 9, Del Bosque conseguiu implantar com sucesso essa variação do jogo para fazer com que a Espanha evoluísse e tivesse sucesso em suas três últimas participações em grandes torneios, conquistando primeiro a Eurocopa 2008, depois a Copa do Mundo de 2010 e então a Eurocopa de 2012.

Da dupla Fernando Torres-David Villa formada por Luís Aragones para jogar na Áustria e Suíça, Del Bosque optou por usar apenas Villa na África do Sul, dois anos depois, e então conquistou de novo a Eurocopa na Ucrânia e Polônia com Cesc Fàbregas como um falso nove, o homem que faz o papel exercido por Messi no Barcelona quando o argentino está ausente.

E no Brasil, apesar de contar com um conjunto brilhante de atacantes (Negredo, Costa, Llorente, Torres, etc.), a ideia é colocar Fábregas novamente no vértice da pirâmide espanhola.

O lado bom? Esse compromisso com o esquema 4-2-3-1, onde o "1" é um fantasma que, cada vez que aparece, veste uma camisa diferente, permite à Espanha manter o domínio da bola. Esse é o mantra do futebol espanhol e, apesar de seus meias talentosos não estarem em sua melhor forma, especialmente Xavi, isso ainda determina o ritmo das partidas.

Com esse monólogo, sem sentido e tedioso para muitos, a Espanha conseguiu nos últimos três grandes torneios passar 10 partidas consecutivas da fase de mata-mata sem tomar gol. Esses 990 minutos sem tomar nenhum gol é o principal segredo da equipe espanhola. E quando o talento do ataque não basta, Iker Casillas mostrou sua mágica nas cobranças de pênaltis.

O lado ruim? Os sintomas de que essa fórmula está começando a perder sua eficácia são cada vez mais evidentes. A equipe foi esmagada na final da Copa das Confederações contra o Brasil, há um ano. Sem a ameaça real no ataque, os defensores adversários colocaram pressão, reduziram os espaços e engessaram o futebol espanhol, fazendo Andrés Iniesta, David Silva, Santi Cazorla, Juan Mata, e etc. parecerem jogadores comuns. Além disso, se Fábregas será o finalizador espanhol, seu desempenho na parte final da temporada não é nada promissor.

À esta altura, todo mundo espera que a Espanha apareça na Copa do Mundo com uma única estratégia. Aí está o desafio de Del Bosque: ser capaz de introduzir as alternativas que ele vinha praticando nos últimos jogos, antes da Espanha se ver presa em sua própria teia.

E se ele escolher um lateral-direito como Juanfran ou Daniel Carvajal para abrir o lado direito, da mesma forma que Jordi Alba faz na esquerda? E se ele ousar separar a dupla de volantes, Xabi Alonso e Sergio Busquets, e deixar apenas um deles patrulhando em frente da zaga? E se ele optar pela velocidade de Jesús Navas e Pedro nas pontas, em vez de repetir os papéis de Silva, Iniesta e Xavi? E se ele encontrar em Diego Costa o atacante que não sabia que precisava?

Veremos se a Espanha e Del Bosque ousarão sair de sua zona de conforto. Isso certamente dependerá de quanto seus rivais exigirão da equipe, mas todo mundo pinta um cenário onde os atuais campeões devem ser mais flexíveis em sua filosofia caso queiram levantar o troféu da Copa do Mundo novamente. 

Jogo Rápido - Espanha
  • Quem será o jogador que surpreenderá a todos na Copa?
    Em suas últimas 21 partidas pela Espanha, Pedro marcou 12 gols, inclusive no jogo decisivo que permitiu à seleção se classificar diretamente para a Copa. O ponta apareceu quase de surpresa em 2010 e acabou como titular na final do Mundial. Desde então, ele é essencial para Del Bosque, e apesar da queda de sua forma no Barcelona, nunca perdeu sua fé em si mesmo na seleção.
  • Qual é o jogador com maior probabilidade de decepcionar?
    Escrever isto chega quase a doer, mas Xavi parece distante, cada vez mais e mais, de seus melhores tempos. A declaração soa quase como uma heresia, porque é do melhor jogador da história do futebol espanhol que estamos falando, o líder da melhor equipe na história, mas seu motor não funciona mais na mesma velocidade que sua mente.
  • Qual é a meta realista de sua seleção na Copa do Mundo e por quê?
    Conquistar de novo a Copa? É mais uma questão do que uma convicção, já que parece que a Espanha não chegará ao Brasil na sua melhor forma. Para começar, avançar ao mata-mata tendo Holanda e Chile no mesmo grupo não será fácil. Mas assim que chegar lá, ninguém vai querer enfrentar a Espanha. A intuição diz que há pouca chance de vencer de novo, mas ninguém deve subestimar o coração de um campeão.

Curiosidades - Espanha
  • Best Photo Agency & C / Pier Gia
    Xavi
    Xavi se casou há um ano e, desde então, reconhece que assiste "muito menos futebol do que antes". Mas ele ainda é viciado no aplicativo para smartphone Livescore, no qual é possível ver todos os resultados ao vivo. Sua obsessão em saber o desdobramento das partidas a cada momento já o levou a discutir com sua companheira mais de uma vez. Ele não esconde: "Sou fã de futebol". Foto: Best Photo Agency & C / Pier Gia
  • REUTERS/Sergio Perez
    Diego Costa
    Jogadores da seleção espanhola como Sergio Ramos, Jordi Alba e Xabi Alonso já tiveram atritos com Diego Costa em jogos de clubes nos últimos anos. ?Eu cresci achando que dar cotovelada em outros jogadores era normal?, ele disse à "BBC", enquanto jogava por empréstimo pelo Rayo Vallecano. Apesar de seu estilo de jogo, sempre no limite do campo, ele é tímido e muito reservado. Foto: REUTERS/Sergio Perez
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    Sergio Busquets
    Busquets nasceu em Badia del Valles, uma das cidades com maior índice de desemprego na Espanha. Após a conquista da Copa do Mundo de 2010 Busquets colocou um cachecol de sua primeira equipe, CD Badia, um gesto reconhecido com lágrimas em sua cidade natal. Depois disso, a Câmara Municipal decidiu que o estádio local onde seu clube humilde joga seria batizado de "Sergio Busquets Burgos". Foto: Best Photo Agency & C / Pier Gia
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    Jesus Navas
    Quando Navas está longe de sua casa e família, ele fica ansioso. Esses problemas o forçaram a abandonar várias viagens com seus clubes e também o fizeram desistir a Copa do Mundo sub-20 na Holanda, em 2005. Luís Aragones queria Navas na Copa do Mundo de 2006, mas acabou decidindo não convocar o jogador por causa desses problemas, que, com o tempo, ele aprendeu a administrar e superar. Foto: Best Photo Agency & C / Pier Gia
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    Sergio Ramos
    A conta do Twiiter de Sergio Ramos está cheia de gafes. Ele chamou o San Antonio Spurs de San Francisco e postou uma foto de Las Vegas dizendo que era Nova York. Também parabenizou a seleção de pólo aquático, 24 dias depois da vitória delas na final da Copa do Mundo. O motivo para o atraso em sua mensagem é que o jogo que ele assistiu era uma reprise, mas ele achou que era ao vivo. Foto: Best Photo Agency & C / Pier Gia

Tradutor: George El Khouri Andolfato

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