Olhar estrangeiro: craque do México ficou forte com tortilhas e pimenta
Daniel Blumrosen Juárez
El Universal (México)*
Este artigo é parte da série "Olhar Estrangeiro", produzida por 32 veículos de mídia dos países que disputam a Copa do Mundo, como UOL, Guardian (Inglaterra) e France Football (França).
As pessoas começaram a procurar pelas saídas do Estádio Corona. Não sem motivo. Restando apenas cinco minutos, o Santos Laguna precisava de dois gols contra o Tigres. Mas Miguel Ángel Peralta e Julieta Morones não perderam a fé... e foram responsáveis por espalhá-la para aqueles que os acompanhavam em uma cabine no estádio. Eles tinham bons motivos para isso: o filho deles, Oribe, estava em campo. Ele não decepcionou.
"O Escova", como chamam o atacante, por causa de seu corte de cabelo distinto, marcou duas vezes em três minutos. Naquela noite, em 13 de maio de 2012, Los Guerreros se classificaram para a final do Clausura mexicano, que foi vencido uma semana depois contra o Monterrey, com outro gol decisivo de Peralta.
Sim, ele tinha conseguido de novo. Como tem sido o caso desde que tinha 13 anos, quando aprendeu a se familiarizar com a adversidade. Membro de uma família pobre em La Partida, uma cidade próxima de Torreón, o jogador do Santos Laguna reconhece que "cresceu com carência de muita coisa, mas meus pais sempre trabalharam para me ajudar a realizar meus sonhos".
A meta sempre foi ser um jogador de futebol profissional, apesar de só ter ingressado em sua primeira equipe organizada na adolescência. Seu pai trabalhava em uma fábrica de barras de metal. O que ele ganhava mal dava para sustentar sua família, sendo Oribe o mais velho de quatro irmãos.
Apesar de Miguel ser um bom saxofonista, sua verdadeira paixão era o futebol. Ele também queria ser um jogador profissional, mas não foi além da terceira divisão do futebol mexicano. Assim, ele sempre apoiou os sonhos de um menino que aprendeu a consertar bolas furadas e jogava em estacionamentos vazios de La Partida. Eles foram seus primeiros campos, nos quais aprendeu que nenhum obstáculo é grande o bastante para derrubá-lo. Certa noite, ele prometeu a seu pai que o levaria a uma Copa do Mundo. E que seria no Brasil.
Suas qualidades, descobertas tardiamente, lhe permitiram entrar no Centro de Sinergia Futebolista (CESIFUT), localizado em Lerdo, Durango. Seu pai tinha certeza de que ele chegaria à primeira divisão, mas sua mãe não queria que ele abandonasse seus estudos. Ele concluiu o ensino primário e, no ensino médio, encantou a comissão técnica da seleção nacional sub-17. Peralta marcou dois gols em um amistoso contra o CESIFUT.
Àquela altura, ele tinha se recuperado de uma fratura na tíbia e fíbula que o deixou afastado dos campos por um ano. "Foi um momento muito difícil, em que achei que nunca voltaria a jogar", disse o menino que comia quatro tortilhas e batatas com pimenta para manter sua força, seu prato favorito. Esse foi o primeiro grande desafio de sua vida.
Ele se recuperou e voltou renovado, pronto para ir para onde queria, mesmo sem saber quão longa ainda seria sua estrada para o sucesso. Em várias ocasiões, ele disse ao seu pai que encontraria um emprego para ajudar nas despesas de casa. Mas ele recebia um sonoro "Não". Miguel conseguiu trabalhar para ter dinheiro suficiente para sustentar sua esposa e filhos, e permitir que seu filhos continuasse a seguir seu sonho. Oribe também ganhou dinheiro. Seu talento impressionou em La Comarca Lagunera, onde alguns jogadores ganhavam por gol marcado. Os bônus de Oribe iam direto para sua mãe.
Mas persistia seu sonho de chegar à primeira divisão. Desde a infância ele era torcedor do Santos Laguna e passou por várias peneiras, mas nunca foi aceito. Ele não desistiu e encontrou uma oportunidade em Durango, na primeira divisão. "O Escova" encantou os olheiros de Guadalajara e Morelia. No final, o Monarcas Morelia o convenceu a tentar sua sorte sob as ordens de seu treinador argentino, Rubén Omar Romano.
Ele jogou apenas dois meses antes de ser contratado pelo León e, depois de um ano, se transferir para o Monterrey. Foi então que Ricardo La Volpe lhe proporcionou a estreia na seleção mexicana em março de 2005, contra a Argentina, e disse que ele seria o "Ronaldo mexicano". Mas ele passou os cinco anos seguintes sem concretizar essa profecia. Ele realmente estourou em 2010, aos 26 anos. Após retornar ao Santos Laguna em 2006, a equipe que ele amava e que o ignorou por várias vezes na juventude e que até mesmo o emprestou para o Jaguares de Chiapas em 2008, Peralta finalmente encontrou seu momento e logo se tornou um grande astro do clube e da seleção.
Na noite de 13 de maio de 2012, Peralta falou com sua esposa, Mónica Quintana, e lhe contou que foi escolhido para ser um dos três jogadores mais velhos a integrar a seleção mexicana sub-23 que participaria dos Jogos Olímpicos de 2012 em Londres. "Abra espaço na sala onde guardo as premiações, porque vou trazer a medalha de ouro", ele disse. Isso se concretizou em 11 de agosto, no gramado consagrado do Estádio de Wembley. Ele marcou os dois gols na vitória histórica do México por 2 a 1 na final contra o Brasil.
Alguns dizem que o jogador está em seu auge aos 26 anos, mas para Oribe Peralta, nunca é tarde demais para deixar sua marca. E agora a Copa do Mundo, com o Brasil novamente à espera no Grupo A, é o próximo passo de sua jornada.
Como joga o México
Profundamente marcado pela influência do técnico argentino Ricardo La Volpe, Miguel Herrera usa uma formação 5-3-2, na qual o papel dos meias e laterais no ataque é essencial. É difícil vê-lo promovendo grandes mudanças, mas se for preciso, o técnico mexicano pode jogar no 4-4-2 ou modificar o miolo do meio-campo.
A necessidade de vitória nas eliminatórias contra a Nova Zelândia (como conseguiu, 9 a 3, no agregado), forçou "El Piojo" (o piolho) a usar jogadores que atuam em clubes mexicanos, e ele persistiu com eles para o Brasil. Alguns deles podem se ver em novos clubes, e novos países, ao final da Copa do Mundo.
Apesar de ter buscado um maior equilíbrio com o passar dos anos, Herrera é um técnico de mentalidade ofensiva. Ele gosta que sua equipe tenha controle da bola e ataque constantemente. A produção de seus volantes é crucial, para obtenção da posse de bola e colocar os meias e laterais em ação.
O único jogo na primeira fase em que Herrera pode modificar essa formação, mas não a escalação, é contra o Brasil. Ele sabe que os brasileiros atacam desde o primeiro minuto, de modo que poderia inverter o triângulo no meio-campo. Carlos Peña será fundamental, já que seu trabalho seria mais defensivo, ao lado de um volante natural, como Héctor Herrera. Luis Montes permanece em um papel mais ofensivo.
Contra Camarões no primeiro jogo, em 13 de junho, e no jogo final da fase de grupos contra a Croácia, em 23 de junho, Herrera manterá o 5-3-2 natural, onde Rafael Márquez é outra peça insubstituível. Rafa está prestes a jogar sua quarta Copa do Mundo e, apesar de não tão veloz quanto já foi (ele está com 35 anos), o ex-jogador do Barcelona será a última linha de defesa. Diego Reyes e Héctor Moreno ficarão encarregados de marcar os atacantes adversários.
Para goleiro, José de Jesús Corona está em vantagem. Ele ajudou o México a conquistar a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Londres em 2012, mas Guillermo Ochoa joga na França e muitos o veem como o jogador mais valioso do Ajaccio. Essa é uma decisão que Herrera ainda tomará.
O miolo da zaga será composto por Márquez, Moreno e Reyes. A única forma de usar Francisco Javier Rodríguez será por suspensões ou alguma lesão. Paul Aguilar ficará na direita. A surpresa poderia vir na esquerda, mas o veterano Carlos Salcido tem vantagem sobre Miguel Layún e Andrés Guardado, por causa de sua experiência. Esta será a terceira Copa do Mundo de Salcido, um ex-jogador do PSV Eindhoven e do Fulham.
Héctor Herrera, que foi titular no Porto na última temporada, parece que começará jogando como volante titular. Peña e Montes (ambos jogadores do León) jogam no meio-campo.
O ataque é onde o técnico tem mais dúvidas. Oribe Peralta parecer ser o único com lugar assegurado. Javier Hernández e Giovani dos Santos disputarão a outra vaga de titular. El Chicharito tem mais presença na área, mas se Dos Santos for escolhido, Peralta será a referência no ataque e o atacante do Villarreal terá que criar as jogadas com sua habilidade, inteligência e poder de finalização.
Atualmente, poucas equipes no mundo jogam com cinco defensores, mas Herrera se identifica completamente com esse esquema. E dificilmente o muda. A única forma de usar quatro defensores é a necessidade desesperada de marcar gols.
Tradutor: George El Khouri Andolfato