Olhar estrangeiro: atacante sul-coreano é um gênio em irritar as pessoas
John Duerden
Do Footballist (Coreia do Sul)*
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Charlie Crowhurst/Getty Images
Park Chu-Young é o craque problema da Coreia do Sul na Copa do Mundo
Há não muito tempo, os países do Leste Asiático enviavam adolescentes com potencial ao Brasil para um pouco de osmose de samba. Kazu Miura foi para o Brasil aos 15 anos, em 1982 (e, incrivelmente, ainda está jogando na segunda divisão do Japão); Li Weifeng, que jogou uma vez (literalmente) pelo Everton, deixou a China rumo à América do Sul, enquanto Park Chu-Young fez o mesmo.
Apesar de ter sido bancado financeiramente pelo grande clube sul-coreano Pohang Steelers, Park voltou para casa e assinou um contrato profissional com o clube rival, o FC Seoul, irritando um bocado de gente. Isso deu o tom de sua carreira. O atacante do Arsenal que raramente joga, quase nunca fala e tem um QI próximo de 160, é um gênio em irritar as pessoas.
Voltar ao Brasil uma década depois dá ao jogador de 28 anos aquela que provavelmente será sua última chance de assegurar que sua reputação, ao menos na Coreia do Sul, seja vista de forma positiva. É sua chance de deixar para trás os problemas dos últimos três anos, de pontuar o pesadelo em andamento no Arsenal com o maior dos asteriscos para lembrar que, apesar de só ter jogado sete minutos de futebol na Premier League desde que assinou com o clube de Londres, em agosto de 2011, ele ajudou seu país a avançar para Copa do Mundo de 2014.
Ele já fez isso antes, apesar de que na ocasião estava jogando regularmente pelo Monaco na França. Na África do Sul, ele marcou em uma cobrança de falta, algo que não era fácil com a bola Jabulani, no emocionante último jogo do grupo contra a Nigéria. Aquele empate por 2 a 2 levou os Guerreiros Taeguk às oitavas de final pela primeira vez em solo estrangeiro, Posteriormente Park teve uma boa terceira temporada na França, apesar de seus 12 gols não terem impedido o rebaixamento do Monaco. De qualquer modo, ele queria disputar a Liga dos Campeões. O Lille, campeão francês, estava pronto para fazer uma oferta, mas um rápido telefonema de Arsène Wenger mudou tudo. Os torcedores em casa ficaram agradavelmente surpresos. Foi a última vez que o país se uniu em seu apoio.
A primeira vez foi no Campeonato Juvenil Asiático em 2004, quando ele ganhou a Bola de Ouro, o prêmio de jogador mais valioso e levou a equipe ao título. Ele foi rápido, tecnicamente excelente, forte nas bolas altas e fez a ligação com o ataque de modo inteligente. Então veio a participação sensacional no torneio no Qatar. Park foi eleito o melhor jogador jovem da Ásia do ano, confirmando seu status de jogador de maior potencial do continente. Em sua primeira temporada na K-League, onde quer que o FC Seoul jogasse, o público quadruplicava ou mais. No final, seu rosto estava na capa do game da Fifa daquele ano na Coreia e em todos os jornais, que lhe apelidaram de "gênio do futebol". Essa "síndrome de Park" durou apenas uma temporada, mas foi uma temporada insana.
Ian Porterfield, o ex-técnico do Chelsea e do Busan Icons na época, disse: "Ele tem talento, grande técnica e velocidade, o pacote completo. Ele só precisa trabalhar bastante e continuar melhorando, e seu futuro estará em um grande clube europeu". Pouco depois –talvez sem causar surpresa, dado o currículo de Porterfield, o Chelsea foi associado ao jogador com então 18 anos e, logo depois da contratação de Park Ji-Sung em julho de 2005, Alex Ferguson disse que o Manchester United estava de olho em outro "garoto coreano", que todo mundo na Coreia do Sul sabia de quem estava falando.
Àquela altura, o adolescente já era um jogador pleno da seleção, marcando em sua estreia o gol de empate no último minuto no Uzbequistão, em junho de 2005, que deu à Coreia o ponto vital para classificação para a Copa do Mundo. Um gol em seu segundo jogo, dias depois no Kuait, garantiu à equipe a classificação para a Copa de 2006 na Alemanha, onde o jogador de então 20 anos jogou apenas uma vez. Mesmo assim, um entre três jogos parece um banquete em comparação à fome no Arsenal.
Essa inatividade não significa que ele esteja fora das manchetes em Seul, longe disso. Perto do fim de sua primeira temporada em Londres, havia pedidos para Park ser expulso da seleção nacional. O serviço militar pairava sobre suas esperanças europeias. Um hiato de quase dois anos deveria começar no final de 2013, o que significava que o tempo estava se esgotando. No primeiro semestre de 2012, seus advogados encontraram uma brecha pouca conhecida, proporcionada por seus três anos no Monaco, permitindo ao atacante adiar o serviço militar em uma década.
Alguns países com serviço militar obrigatório permitem adiamento ou isenção a jogadores de futebol, especialmente quando jogam no exterior. A Coreia do Sul, ainda tecnicamente em guerra contra sua vizinha do norte e onde a seleção treina a um quilômetro e meio da fronteira mais fortificada do planeta, não. Por anos, os milhões que serviram se irritaram pelos filhos dos ricos e poderosos conseguirem se livrar. Ali estava um jogador de futebol percebido como usando seu status para fazer o mesmo. No final, ele teve que se desculpar.
"Eu entendo que houve uma enorme controvérsia desde que adiei meu serviço militar. Primeiro, quero me desculpar a todas as pessoas que sentiram que eu as decepcionei", disse Park em uma coletiva de imprensa, em junho de 2012. "Eu já prometi várias vezes que cumprirei meu serviço nacional, realmente vou. Eu quero pedir desculpas a todos os soldados que estão servindo à nação neste momento."
O então técnico da seleção, Choi Kang-Hee, cuja resistência inicial em assumir o cargo em dezembro de 2011 foi vencida pela persistência da federação e por algumas garrafas do potente destilado de arroz, soju, começou a afastar Park de cena. Muitos concordaram, afinal, ele mal estava jogando (apesar de um empréstimo para o Celta de Vigo em 2012-2013, que começou bem, mas depois murchou, e a transferência para Watford que nunca começou).
Mas a chegada de Hong Myong-Bo como novo técnico da seleção, em julho de 2013, foi um golpe de sorte para Park. O carismático capitão da Copa do Mundo de 2002 foi o chefe da equipe olímpica de 2012, para a qual chamou o atacante (que jogava em Londres) para uma das vagas de jogador acima da idade. Discretamente até a partida da disputa da medalha de bronze contra o Japão, ele fez a diferença quando importava. Pouco antes do intervalo, ele escapou da atenção de quatro jogadores adversários e marcou da beira da área. Não se tratava apenas de vencer seus principais rivais internacionais, não se tratava apenas da conquista de uma medalha, tratava-se de escapar do serviço militar, com a liberação dada a qualquer atleta coreano que consiga subir a um pódio olímpico.
Agora ele liderará o ataque no Brasil, e não porque, como alguns alegam, ele estudou na mesma Universidade da Coreia que o técnico Hong, mas porque não surgiram muitas opções desde que a carreira de Park estagnou. Um Park em forma faz uma grande diferença para as chances da Coreia de chegar às oitavas, então a pergunta é se ele estará em forma. Sua escolha para figurar entre os 23 inscritos, apesar de não ter sido uma surpresa, foi recebida com uma reação ambígua.
Ele não tem nenhum relacionamento com jornalistas individuais, o que reduz o apoio em momentos controversos, mas ao se apresentar para os trabalhos para a Copa do Mundo em maio, ele não conseguiu escapar da mídia exigindo opiniões sobre a controvérsia de sua convocação. "É uma reação natural", reconheceu o jogador. "Se o país não me quer, não há motivo para que eu jogue, mas se confiar em mim, eu darei o melhor de mim. Minha experiência é importante, mas dar tudo em campo é mais importante. Mais que liderar a equipe, eu quero ser o jogador veterano que conduz seus companheiros na direção certa."
Uma partida contra a Grécia, em março, mostrou por que Hong ainda tem fé. Apesar de um pouco enferrujado, Park venceu a linha de impedimento no início do jogo e marcou meio de voleio. Milhões comemorarão qualquer gol neste mês de junho, mas não se trata apenas da glória da Copa do Mundo, trata-se do lugar de Park Chu-young na história. Ele tem muito a provar.
Como joga a Coreia do Sul
Quando Hong Myung-Bo assumiu como técnico da Coreia do Sul em julho do ano passado, depois das dificuldades da equipe durante as eliminatórias sob o comando de Choi Kang-Hee, ele anunciou que era hora de sua equipe recuperar os valores centrais "coreanos": um esquema de contra-ataque jogado com velocidade, com jogadores rápidos entrando por trás das defesas e com muita pressão sobre o time adversário. Isso diferia da tática de bolas longas empregada por seu antecessor, que nunca pareceu adequada a uma equipe cheia de jogadores com técnica.
Para Hong, o esquema 4-2-3-1 foi crucial na vitória em um amistoso recente contra a Grécia, como tem sido por grande parte do seu reinado, apesar de ter sugerido alguma flexibilidade. Outras formações, como o 4-4-2, foram testadas, mas sem muito sucesso, especialmente na derrota por 4 a 0 para o México em janeiro (apesar da escalação muito experimental).
O carismático técnico de 45 anos, que liderou a equipe sub-20 às quartas de final no Mundial de 2009 e depois ganhou a medalha de bronze com a seleção sub-23 nos Jogos Olímpicos de 2012, há anos vem dando uma de holandês. Durante seus tempos de jogador e nas 136 partidas pela seleção sul-coreana, ele foi o capitão de Guus Hiddink no avanço impressionante às semifinais da Copa do Mundo em casa em 2002 (e assistente dele por seis meses no Anzhi Machachakala, em 2013), e provou pela primeira vez o sabor de ser técnico como parte da comissão técnica de Dick Advocaat para a Copa do Mundo de 2006, antes de se tornar assistente de Pim Verbeek na Copa da Ásia de 2007. Verbeek acredita que algum holandês baixou no ex-zagueiro..
"Quando vi a Coreia nos Jogos Olímpicos de 2012, eu vi alguns momentos da partida que pareciam muito com a forma como a Holanda gosta de jogar", disse Verbeek, que também levou a Austrália à Copa do Mundo de 2010, ao jornal "The Guardian". "Lá estava a articulação iniciada atrás, a pressão na perda da bola, a posse e a paciência. Isso, combinado como a capacidade física notável dos jogadores coreanos, torna a equipe de Hong difícil de ser derrotada."
O que Hong encontrou ao assumir a seleção em julho do ano passado foi que a Coreia era mais rica em alguns setores do que em outros. Os laterais são um problema. A posição é tradicionalmente forte em um país que produziu jogadores competentes, capazes de jogar em ambos os lados do campo, assim como na defesa e no ataque. Ainda há muitos laterais decentes, mas nenhum ainda excelente. Hong apresentou dois novos rostos, Kim Min-su na esquerda e Lee Yong na direita. Kim, especialmente, vai bem ao ataque, mas seu posicionamento gera pontos de interrogação. Isso pode deixar os zagueiros expostos, ainda mais considerando que um dos dois volantes à frente deles é Ki Sung-yeung, um jogador que nem sempre leva seus deveres defensivos a sério.
A defesa de modo geral é um problema e a Coreia tomou mais gols nas eliminatórias do que todas as seleções, com exceção de uma. Isso quase lhe custou a vaga no Brasil. Infelizmente, apesar dos dois zagueiros estarem melhorando e se entrosando, e tanto Hong Jeong-ho quanto Kim Young-kwon saberem sair jogando de trás, Kim (um potencial jogador do Manchester United segundo o técnico no Guangzhou Evergrande, Marcello Lippi) é um pouco propenso a erros. A posição de goleiro também é um problema. O nervosismo é palpável em relação à defesa há algum tempo e a falta de um líder e organizador não ajuda. Se alguém pode resolver o problema, certamente seria o homem que foi considerado o maior zagueiro já produzido pela Ásia, não é? É o que veremos.
Ki Sung-yeung joga mais recuado pela seleção do que em seu impressionante início e partes do meio de temporada pelo Sunderland. Apesar disso limitar sua capacidade ofensiva, isso significa que ele está sempre disponível como escape para a defesa e, como raramente perde a bola, a Coreia está começando a ficar mais à vontade com a posse de bola em seu campo. Quem ficará ao lado de Ki no meio como meia defensivo é outra questão ainda não totalmente respondida. Han Kook-young e Park Jung-woo terão que resolver isso entre eles, já que nenhum assegurou a posição.
Onde a Coreia está bem é no trio de ataque, que joga atrás do centroavante solitário. Lee Chung-Yong, o jogador mais habilidoso do país, cai pela direita e aparentemente Son Heung-Min, do Bayer Leverkusen, cairá pelo lado oposto. Ambos são rápidos e apesar de Lee ser mais um provedor e buscar ficar entrar por trás dos defensores, Lee gosta de vir de trás e chutar da entrada da área. Este pode ser um grande torneio para o jogador talentoso de 21 anos.
Quem jogará no centro é mais difícil de prever. Poderia ser o jogador asiático do ano de 2012, Lee Keun-Ho, ou Kim Bo-Kyoung do Cardiff City (ambos também podem jogar abertos), e também há opção de Ji Dong-Won, que também pode jogar em qualquer lugar no ataque. Mas Koo Ja-cheol é o favorito. O capitão combativo, mas hábil, da seleção medalhista de bronze de 2012 deve jogar, mas carece de um papel claro na equipe. Voltado demais ao ataque para poder jogar ao lado de Ki, o jogador do Mainz pode carecer da criatividade necessária para o papel de camisa 10.
O principal atacante será Park Chu-Young, mesmo que mal tenha jogado pelo Arsenal nos últimos três anos, apesar de um empréstimo para o Celta de Vigo na temporada 2012-2013. Não há muitas outras opções. Kim Shin-Wook é o rival mais próximo e o "Peter Crouch coreano" foi o principal artilheiro coreano na K-League nos últimos dois anos. Sua altura elevada costuma resultar em muitos passes longos, mas sua finalização, tanto com bola no chão como em bolas altas, vem melhorando.
* Este artigo é parte da série "Olhar Estrangeiro", produzida por 32 veículos de mídia dos países que disputam a Copa do Mundo, como UOL, Guardian (Inglaterra) e France Football (França).
Tradutor: George El Khouri Andolfato