Olhar estrangeiro: principal jogador da Austrália quase atuou por Samoa
Joe Gorman e Kate Cohen
Guardian Australia
Tim Cahill, o jogador mais famoso da Austrália no Brasil, quase não jogou pelos Socceroos. Aos 14 anos, ele foi convocado para a seleção nacional de Samoa com seu irmão, Chris. Um homem de família, Cahill explicou posteriormente que era uma boa chance de fazer uma visita com todas as despesas pagas à sua avó em Samoa.
Enquanto Chris Cahill se tornou capitão de Samoa, Tim levou a Fifa à Justiça para jogar pela Austrália. Ele perdeu a chance de ganhar experiência pelas categorias de base australianas, mas quando a Fifa mudou suas regras em 2003, Tim teoricamente podia escolher representar cinco seleções nacionais diferentes. Felizmente para a Austrália, ele optou por seu país de nascimento.
Falando sobre o desenvolvimento de jovens, cada um dos clubes juvenis de Cahill agora disputa seu legado. O Sydney United, o clube com apoio croata nos subúrbios a oeste de Sydney, briga pelo Twitter com o Sydney Olympic, uma equipe com apoio grego um pouco mais ao sul, enquanto o Belmore Hercules também se mete de vez em quando. Millwall, o primeiro clube de Cahill na Inglaterra, deve achar graça de tudo isso.
Curiosidade: a via expressa Cahill em Sydney, cujo nome é uma homenagem ao ex-primeiro-ministro de Nova Gales do Sul, Joseph Cahill, foi brevemente rebatizada de via expressa Tim Cahill em junho de 2013.
Perfil: Matthew Spiranovic
Por meses, a especulação sobre o futuro de Lucas Neill dominou a discussão sobre o Socceroos. Apesar de ser o capitão da seleção e peça principal da defesa nas duas últimas Copas do Mundo, Ange Postecoglou não levará Neill ao Brasil. Com a missão de renovar a seleção nacional, há muitas posições que Postecoglou tem que preencher, e o substituto mais provável de Neill no miolo da zaga é Matthew Spiranovic.
Isso já era esperado. Spiranovic deixou cedo a Austrália, mas seus anos de formação no Victoria lhe serviram bem. "O apoio do meu pai sempre foi constante", diz Spiranovic, e como a maioria dos pais do futebol, Michael sempre foi o primeiro ponto de apoio para Matthew ao longo de sua carreira.
"Eu venho de uma formação croata, de modo que sempre estive cercado de futebol desde cedo", explica Spiranovic. "A área de onde venho, Geelong, produziu alguns bons jogadores de futebol e alguns jogadores da seleção."
Enquanto crescia, Spiranovic idolatrava os croatas de North Geelong, Josip Skoko, Steve Horvat e Joey Didulica. "Eu acho que por estar cercado por esses jogadores, ciente de que chegaram lá vindo do mesmo lugar, me deu muita esperança e crença", ele diz. "Eu queria seguir os passos deles."
Como júnior, Spiranovic se destacou no futebol, conquistando títulos, com o St Joseph em Geelong e a Medalha Weinstein da Federação de Futebol de Victoria como jogador júnior do ano de 2005. Ange Postecoglou foi seu primeiro técnico em seleção, convocando-o para o Mundial Sub-17 em 2005 e para o Campeonato Juvenil da AFC em 2006. É um relacionamento que poderá ser novamente frutífero para a seleção no Brasil.
Spiranovic é um jogador que precisa de um técnico compreensivo. Fora de campo, ele tem fala mansa, é quieto e educado. Em campo, sua postura se apoia mais no toque de bola do que na força bruta. Alguns temem que ele não tenha a agressividade necessária, em uma cultura que tradicionalmente valoriza a força acima de toque na defesa. De muitas formas, Spiranovic quebra o molde.
Hans Meyer lhe proporcionou sua estreia como titular pelo Nuremberg contra o Bayern de Munique na Bundesliga em 2007, mas quando Meyer foi demitido, Spiranovic teve dificuldade em jogar de forma regular. "Ele (Meyer) demonstrou muita fé em mim, ele não teve medo em me colocar para jogar, mesmo eu tendo apenas 18 anos", diz Spiranovic sobre sua passagem pela Bundesliga. "Isso é o mais importante para mim: se você é jovem, você precisa de um técnico que acredite em você e que lhe dê oportunidades."
Outro técnico alemão, Volker Finke, o levou para o time japonês Urawa Red Diamonds em 2010, mas depois que Finke foi demitido, ele novamente foi sacado do time. "O novo técnico chegou e novamente deixei de jogar tanto quanto gostaria", explica Spiranovic. "Era importante jogar regularmente para jogar na seleção"
Uma transferência de sonho para o Swansea na Premier League inglesa não deu certo quando Brendan Rodgers foi para o Liverpool, e o zagueiro se viu jogando pelo Al Arabi nos Emirados Árabes Unidos. Spiranovic foi criticado por alguns pela transferência, mas ele argumenta que foi a melhor oportunidade para jogar regularmente.
Mas após vários anos no exterior, foi em casa onde Spiranovic, atualmente com 25 anos, encontrou estabilidade. Ele tem sido o sustentáculo da defesa do Western Sydney Wanderers tanto na A-League (Campeonato Australiano) quanto na Liga dos Campeões Asiática nesta temporada. Sob Tony Popovic, Spiranovic manteve seu antigo companheiro do Nuremberg, Michael Beauchamp, no banco, e começou vários jogos na função de volante.
"Tem sido fantástico com 'Popa'", diz Spiranovic. "Eu acho que é importante quando você está em um clube em que o técnico te entende, e sabe o que vai receber. Popa obviamente me observou e acho que isso tem tudo para ser uma parceria bem-sucedida."
Quando a A-League foi criada em 2005, uma das metas era proporcionar uma espaço viável para carreira em casa para os australianos que jogavam no exterior. A repatriação de Spiranovic é um exemplo. Ele jogou toda semana na última temporada e o ambiente familiar o ajudou, em vez de atrapalhar, em um ano de Copa do Mundo.
O técnico da Austrália na África do Sul, quatro anos atrás, Pim Verbeek, certa vez disse que Spiranovic "pode ser um pouco tímido", mas o mantra de Postecoglou é que ele escolhe boas pessoas, não apenas bons jogadores. Quase uma década desde que jogou pela primeira vez sob comando de Postecoglou, Spiranovic está claramente apreciando estar de volta ao território familiar. "Ele me conhece muito bem como jogador. Eu sei o que ele espera. Eu acho que isso sempre lhe dá uma vantagem."
A Austrália tem um grupo extremamente difícil no Brasil, um técnico que nunca esteve em uma Copa do Mundo e muitos jogadores inexperientes. Autoconfiança, confiança dentro do grupo e entre este e a comissão técnica serão cruciais "As pessoas nos veem como zebras, mas para nós isso não é um problema", diz Spiranovic. "Nós iremos para lá com a crença e confiança de que podemos mostrar que aqueles que duvidam estão errados."
Como joga a Austrália
A Austrália está em um período de transição, com um novo técnico e muitos da "geração dourada" aposentados ou não convocados. O novo técnico, Ange Postecoglou, impôs sua própria marca e estilo de jogo na seleção. Apesar do tempo limitado –a Austrália só fez dois jogos desde que Postecoglou assumiu– seu principal desafio tem sido incorporar sangue novo no núcleo cansado da equipe deixada pelo técnico anterior, Holger Osieck.
Postecoglou, como Osieck antes dele, escolheu o esquema 4-2-3-1 para fornecer a melhor base para sua equipe, mas em estilo e convocação há mudanças distintas. Uma das maiores críticas durante o período de Osieck era um estilo visto como negativo. Osieck conseguiu seu principal objetivo, que era se classificar para a Copa do Mundo, mas ele escalou uma seleção composta por um núcleo de jogadores velhos e experientes, buscando explorar os pontos fortes de Tim Cahill e/ou Josh Kennedy à frente –com forte ênfase nos cruzamentos e bola parada.
Apesar de Cahill e Kennedy permanecerem duas opções no ataque, Postecoglou armou três meias atacantes atrás do centroavante, com ênfase em jogadores rápidos para explorar os espaços abertos deixados pelas defesas adversárias. Ele já mostrou que gosta de jogadores como Tom Rogic, um camisa 10 talentoso e driblador, como opção criativa no centro. Rogic aparentemente será flanqueado por dois pontas rápidos que venham por trás e cruzem para o centroavante.
A lesão de Robbie Kruse deixou a vaga na meia-direita disponível, com Mathew Leckie ou Ben Halloran (ambos atacantes velozes) disputando a posição, enquanto Tommy Oar, outro ponta rápido, ficará na esquerda.
É mais para trás que as grandes mudanças de escalação ocorreram. Postecoglou tem um histórico de descartar jogadores que não se enquadram em seu estilo de jogo pró-ativo, de posse de bola, e isso ficou demonstrado de novo em sua convocação para a Copa do Mundo. Mark Schwarzer, 41 anos, e Brett Holman, 30, anunciaram sua despedida da seleção após a nomeação de Postecoglou, enquanto o ex-capitão Lucas Neill, 36, e o zagueiro Sasa Ognenovski, 35, não foram convocados. Todos os quatro eram presença certa sob Osieck.
Em Schwarzer, Neill e Ognenovski, a Austrália perdeu 227 partidas de experiência e o núcleo dos cinco jogadores de defesa usados por Osieck nas eliminatórias. Isso torna as opções defensivas de Postecoglou ainda mais intrigantes. Ivan Franjic, 26 anos, que jogou como um lateral que avançava ao ataque sob Postecoglou no Brisbane Roar, despontou como candidato a jogar como lateral-direito e Postecoglou também escolheu zagueiros que jogam regularmente e ficam à vontade partindo de trás com bola dominada, como Matthew Spiranovic, Curtis Good e Ryan McGowan.
Quando a Copa do Mundo estiver em andamento, não será realista esperar que o estilo de jogo preferido de Postecoglou seja plenamente empregado –a Austrália enfrentará Chile, Holanda e Espanha, três seleções que provavelmente comandarão o jogo, deixando à Austrália a opção de jogar no contra-ataque.
Mas espere uma defesa com maior movimentação, corrigindo os problemas que ficaram abundantemente claros nas duas derrotas consecutivas por 6 a 0 para Brasil e França, e por atacantes que preocuparão as defesas adversárias sempre que tiverem oportunidade.
Este artigo é parte da série "Olhar Estrangeiro", produzida por 32 veículos de mídia dos países que disputam a Copa do Mundo, como UOL, Guardian (Inglaterra) e France Football (França).