Olhar estrangeiro: Huntelaar passa as folgas tentando sobreviver na selva
Bart Vliestra e Valentin Driessen
De Telegraaf (Holanda)*
O atacante Klaas-Jan Huntelaar, da seleção da Holanda e do Schalke 04, tem um programa bem diferente dos outros jogadores quando não está em campo. Ele gosta de passar suas folgas com seus dois irmãos nas florestas da Escandinávia, tentando sobreviver como Bear Grylls (aventureiro britânico que mostra técnicas de sobrevivência em programas de TV como o À Prova de Tudo).
Quando a Holanda visitou a Austrália para um amistoso, Huntelaar foi o único que escalou a Ponte da Baía de Sydney, o que levou mais de três horas. Ele também gosta de literatura holandesa e tem sua própria fundação, que pressiona clubes amadores a cuidarem da natureza. Seu pai, Dirk-Jan –seu motorista e também a força motriz por trás de sua fundação– certa vez enganou uma equipe de televisão holandesa que procurava pela família do jogador famoso, confirmando para ele que ele conhecia "Klaas-Jan e seus pais, que moravam perto dali" e também que Klaas-Jan "costumava jogar com seus filhos com frequência".
Perfil: Bruno Martins Indi
Até mesmo técnicos sisudos como Ronald Koeman e Louis van Gaal não conseguem deixar de rir quando veem Bruno Martins Indi entrar no campo de treinamento. O zagueiro grande e vigoroso, com seu olhar intenso durante as partidas, corre imediatamente para seu ex-treinador quando era garoto, Cor Adriaanse, como um menininho, gritando "Tio Corrie, tio Corrie, me deixa te dar um abraço!"
Martins Indi, nascido à sombra do Estádio da Luz do Benfica, filho de mãe portuguesa e pai guineano, e que então se mudou ainda pequeno para Roterdã, foi até mesmo "abençoado" com um raro "Eu te amo, Bruno". Raro por ter vindo da boca crítica de ninguém menos que Van Gaal.
"Eu acho que me dou muito bem com Van Gaal. Mas faço isso sem ficar bajulando ele, sério!" diz Bruno em uma entrevista que mais parece ser com um animado menino de 10 anos, não com um jogador profissional de 22 anos.
O salto nos braços do "mister Van Gaal" depois de um importante gol na partida que classificou a Holanda foi "puramente espontâneo", apesar de aparentemente ter assustado um pouco o técnico, por ter acabado de sair de uma operação no quadril. "Eu acho que o deixei deslizar para fora de mim muito bem", o treinador disse posteriormente, fazendo uma rara brincadeira para a imprensa.
"BMI" é certamente um sujeito alegre. Quando há um torneio de golfe promocional e todos os jogadores parecem querer partir assim que puderem, ele grita que todos devem sorrir para as câmeras e manter o rosto feliz por todo o dia, "porque somos abençoados de estar aqui".
Ele adora entreter. Quando Mario Balotelli fez seu famoso ato "como saio da minha camisa", no dia seguinte Martins Indi fez uma imitação perfeita no campo de treinamento do Feyenoord o dia todo.
A vida nem sempre foi tão divertida para o jogador canhoto robusto, que prefere jogar como zagueiro. Na Holanda, seus pais praticamente o deixaram se virar sozinho em Slinge, o bairro em Roterdã com taxa mais alta de criminalidade. As coisas não foram fáceis para ele lá, mas ele não gosta de falar a respeito, afastando o assunto com um sorriso e dizendo: "Talvez eu lhe conte sobre isso algum dia, amigo. Eu posso escrever um livro a respeito. E não seria um muito feliz. Mas agora eu tenho que manter meu foco".
Uma vida como baderneiro não era impensável, ao ver amigos tomando o caminho errado, e tendo que pedir esmolas várias vezes quando era um jogador jovem no Feyenoord, por estar quebrado.
Sua vida jovem precisava desesperadamente de estrutura. O Feyenoord o ajudou com isso, preenchendo formulários, conseguindo para ele um teto decente e requisitando para ele um passaporte holandês a tempo para que pudesse estrear pelas categorias de base holandesas. Logo o jovem que jogava como atacante em seu clube amador, o Spartaan 20, começou a se transformar no zagueiro destemido.
Ele fazia vários treinamentos extras com Adriaanse enquanto seus companheiros de equipe há muito já tinham voltado para casa e tentou organizar sua vida, traçando os planos para o dia seguinte em um caderno. Posteriormente, ele passou a também escrever seus pensamentos e começou a reunir provérbios e ditados. Seu favorito é: "Que o melhor de hoje seja o pior de amanhã". Isso diz muito sobre sua ambição.
Com apenas 19 anos ele se tornou pai, abandonando a vida noturna e as ruas e realizando seu sonho: ser "uma pessoa comum, com um terraço e uma garagem".
Mas tem sido difícil para Martins Indi conseguir uma sequência decente de jogos. Jogando pela Oranje ele conta com toda a confiança que poderia pedir de Van Gaal, com o técnico o escalando em quase todos os jogos como zagueiro.
Mas no Feyenoord, ele passa da lateral-esquerda para o miolo da zaga e para o banco, apesar de vários clubes, incluindo o Milan e o Everton, terem demonstrado sério interesse no defensor versátil.
Sua melhor apresentação foi provavelmente contra o Dínamo de Kiev na Liga dos Campeões há dois anos. Depois daquela partida, Van Gaal, que nunca o tinha visto antes daquele jogo, imediatamente o convocou para sua primeira partida à caminho do Rio.
Nas reuniões da seleção, o jovem jogador não hesita em conversar com o lendário técnico holandês. "Eu realmente gostaria de melhorar" ele disse de forma totalmente séria. Eu gostaria de lhe perguntar muita coisa, mister Van Gaal."
"Eu já amo você, Bruno", foi a resposta. E o treinador aparentemente manterá o romance até o jogo de estreia no Brasil, uma revanche da final de 2010 contra a campeã Espanha.
Como joga a Holanda
A Holanda jogará em um esquema 5-3 2 no Brasil. Louis van Gaal, um admirador do grande técnico holandês Rinus Michels, se sente compelido a fazer experiências táticas e se inclina fortemente para um novo sistema. Isso significaria que a Holanda não jogaria no esquema habitual 4-3-3 com um ou dois meias ofensivos. Muito menos a versão ofensiva do esquema clássico holandês 3-4-3, com o qual a seleção chegou duas vezes à final da Copa do Mundo, em 1974 e 1978.
Até o momento, Louis van Gaal sempre optou pelo 4-3-3 nas eliminatórias da Copa do Mundo e amistosos. Mas desde a derrota no amistoso contra a França, ele perdeu o meia Kevin Strootman. Esse jogador da Roma era responsável pelo equilíbrio do meio campo holandês com três homens, devido às suas qualidades defensivas e ofensivas. Sem ele e sem –nas palavras de Van Gaal– um substituto adequado, o treinador quase certamente optará pelo esquema 5-3-2, que pode se transformar facilmente em um 3-5-2, uma variação ofensiva e, portanto, mais adequada ao estilo holandês.
O esquema já foi usado, por exemplo, pelo Feyenoord nos últimos oito jogos do Campeonato Holandês, com o treinador e ex-jogador da seleção holandesa Ronald Koeman. A equipe venceu sete partidas consecutivas, marcando 20 gols e tomando apenas dois, obtendo uma das vagas para a Liga dos Campeões.
A Juventus também usa o 5-3-2, mas enquanto os italianos optam por um jogador (Andrea Pirlo) em frente da defesa, a Holanda optará por dois volantes (Nigel de Jong e Jordy Clasie) com um armador (Wesley Sneijder) à frente deles.
A seleção holandesa conta com jogadores muito adequados para o esquema 5-3-2. Quando jogam quatro na defesa, toda a defesa –o lateral-direito Daryl Janmaat, a dupla de zagueiros composta por Ron Vlaar, Stefan de Vrij, Joel Veltman, Bruno Martins Indi ou Terence Kongolo, e o lateral-esquerda Daley Blind– parece vulnerável.
Com três zagueiros –com De Vrij ou Joel Veltman à direita, Vlaar no meio, e Martins Indi ou Kongolo à esquerda– os espaços entre eles ficam menores e eles contam com a cobertura adicional do laterais Janmaat e Blind.
Eles são os dois velocistas no novo sistema e também contam com responsabilidade significativa de atacar. O ímpeto de ataque do esquema 5-3-2 é mais surpreendente e contém muito mais variáveis.
À frente dos cinco jogadores da defesa se encontra um bloco com dois volantes, Nigel de Jong e Jordy Clasie, cujo objetivo principal é manter o equilíbrio, apoiar a defesa e permitir o avanço dos laterais. E apoiar o meia atacante, que será Wesley Sneijder. Eles serão os armadores, o ponto focal da posse de bola e principal fonte de abastecimento para os dois atacantes, Robin van Persie e Arjen Robben.
O capitão (Van Persie) e vice-capitão se beneficiarão com o novo sistema, porque conseguirão todo o espaço e liberdade que desejarem. O restante da equipe jogará para abastecer a dupla, que já provou com frequência fazer a diferença em partidas de alto nível. Em um esquema 4-3-3, eles costumam contar com espaço limitado, nas agora todos os corredores estão abertos para os dois superastros holandeses.
Mas toda desvantagem tem sua vantagem, diria Johan Cruyff. A perda de Strootman dá a Van Gaal liberdade sem muito debate para mudança da tática, do esquema original holandês 4-3-3, para um esquema mais italiano e sul-americano 5-3-2, que dá aos dois melhores jogadores de Van Gaal mais espaço para serem decisivos. É um sistema defensivo previsível, mas um ofensivo imprevisível. A Holanda espera fazê-lo funcionar, à medida que todo o talento individual deles será necessário contra oponentes do calibre da Espanha e Chile na fase de grupos.
Se o esquema 5-3-2 não funcionar, Van Gaal pode retornar ao 4 3-3, o que significaria que jogadores como Sneijder não teria muita chance de jogar no Brasil. A opinião de Van Gaal é de que Sneijder não contribui muito defensivamente quando não estão com a bola, o que deixa as laterais vulneráveis. Com um esquema 5-3-2 ele pode prevenir o problema e ganha a qualidade dos dois como armas extras no ataque.
Este artigo é parte da série "Olhar Estrangeiro", produzida por 32 veículos de mídia dos países que disputam a Copa do Mundo, como UOL, Guardian (Inglaterra) e France Football (França).
Tradutor: George El Khouri Andolfato