Olhar estrangeiro: esquema tático da Inglaterra na Copa ainda é um mistério

Andy Hunter e Dominic Fifield

Do The Guardian (Inglaterra)

Se havia algum tipo de empolgação criada pela escolha arrojada de jogadores feita por Roy Hodgson, uma equipe recheada de jovens talentos que mais que justificaram sua presença por seu desempenho na Premier League, agora resta a discussão sobre o modo como o técnico da Inglaterra pretende utilizar aqueles que foram convocados.


O clamor é favorável a um plano de jogo mais expansivo do que o demonstrado por Hodgson na Eurocopa 2012, principalmente por necessidade, já que ele caiu de paraquedas logo depois que Fabio Capello partiu. A realidade é que a Inglaterra provavelmente permitirá maior posse de bola aos seus adversários, mas deverá aumentar sua habilidade de ser mais bem-sucedida nos contra-ataques.

Hodgson normalmente se desvia dos questionamentos sobre suas táticas nas aparições públicas. Ao ser perguntado durante o anúncio da convocação se ele já havia estabelecido o esquema tático para o jogo de abertura contra a Itália, ele respondeu: "Não, não. Ainda não. Eu ainda não preciso fazer isso".

Ele é um técnico pragmático que irá escolher a sua formação e suas abordagens conforme a necessidade apresentada por seus adversários, mas é seguro assumir que ele tentará empregar uma variedade do 4-3-3 ou um 4-2-3-1, a formação da moda, com Steven Gerrard ancorando o seu meio de campo. Existem algumas dicas a serem consideradas sobre sua possível abordagem, já que passou muito tempo observando jogadores do Liverpool e do Southampton (os dois times cederam oito jogadores dos 23) que jogaram pressionando os adversários, abafando as jogadas na origem e que foram tão bem-sucedidos na última temporada da Premier League.

Ainda que transportar essas táticas para um confronto com a Esquadra Azurra no calor tropical da Amazônia possa ser um tanto ambicioso. "Existem muitos jogadores bastante ágeis, atléticos e rápidos no time", ele disse. "Eu não quero ser citado como tendo declarado que 'nós iremos fazer um jogo de alta pressão', porque isso automaticamente assume que toda vez que o goleiro deles rolar a bola para alguém ao seu lado, a mais de 100 metros do nosso gol, nós iremos avançar nossa linha de defesa até o meio do campo. Nós podemos achar que essa não é a melhor maneira. Haverá bastante pressão quando eles levarem a bola até a linha do meio de campo. Isso eu posso garantir. Mas eu não direi que iremos abafar o goleiro deles ou perseguir o lateral esquerdo até a bandeira de escanteio para pressioná-lo. Nós podemos ficar satisfeitos em deixar ele com a bola lá. Podemos escolher começar nossa pressão depois."

O que ainda precisa ser determinado com segurança são as combinações que ele poderá empregar em sua escalação inicial. Se ele pretende utilizar Daniel Sturridge pelo centro, onde ele rende mais, Wayne Rooney recuará para a função do camisa 10? E, se esse for o caso, a seleção teria que jogar em um 4-2-3-1 com, possivelmente, Adam Lallana em um lado e Raheem Sterling no outro? A alternativa, um 4-3-3 com Rooney pelo meio, iria recuar Sturridge ou Danny Welbeck no lado esquerdo, abrindo caminho para que o técnico seja criticado por não escalar seus melhores jogadores em suas posições favoritas.

Mas, se o 4-2-3-1 for a formação escolhida, como ficará o meio de campo? Gerrard, como capitão, irá apoiar o meio de campo como apoiou maravilhosamente na recente campanha do Liverpool, mas ele compartilhará o meio com seu companheiro de time, Lordan Henderson, que só jogou pela seleção oito vezes? E como poderá Jack Wilshere ser melhor integrado ao sistema? O meia do Arsenal pareceu se sentir confortável no lado da seleção quando escalado em um trio, com Gerrard e Frank Lampard em um posicionamento mais recuado. Mas usar ele nessa posição afeta toda a estrutura do time. Esses são os dilemas que o técnico deve enfrentar.

A esperança é que o técnico utilize seus jogadores onde o seu desempenho chamou a sua atenção em seus times. Sturridge deve ficar no meio. Sterling, com 19 anos, deve receber a liberdade para perambular. Ross Barkley, se sair do banco de reservas, deve receber a função de camisa 10, alimentando Rooney logo à frente ou na posição do jogador mais experiente. Os jogadores mais jovens estão sendo muito exigidos, já que esta seleção só possui cinco atletas que disputaram uma Copa do Mundo. É claro que o melhor modo para extrair o máximo desses jogadores é colocá-los nas funções em que se sentem mais confortáveis.

Perfil: Raheem Sterling

Agora parece impensável, se levar em consideração o seu papel de destaque no Liverpool em sua melhor temporada dos últimos 24 anos, mas, apenas nove meses atrás, Raheem Sterling corria o risco de se transformar em outro talento desperdiçado na Inglaterra.

A reputação do adolescente crescia mais rapidamente fora de campo do que dentro das quatro linhas, e não era nada boa, sua forma física caía de modo preocupante, o que significou que os primeiros quatro meses da temporada foram de frustração no banco de reservas. Uma conversa franca com Brendan Rodgers mudou tudo.

"Ele precisa estabilizar sua vida, compreender a incrível oportunidade que está recebendo em um dos maiores clubes do mundo e concentrar todos os seus esforços em sua carreira", avisou o técnico do Liverpool. Rodgers raramente critica os jogadores em público. Como um antigo técnico das categorias de base, ele não gosta de ambientes negativos ao redor de jogadores jovens.

Mas sua paciência estava sendo testada por Sterling. O ponta tinha sido liberado da acusação de agressão à sua antiga namorada um dia antes do aviso de Rodgers. Ele também enfrentou outra acusação de agressão no começo de 2013. Esta acusação não foi a julgamento, mas após dois processos judiciais em um período de 12 meses, o técnico do Liverpool foi forçado a oferecer alguns aconselhamentos severos. Sterling ouviu, assim como felizmente ouviu a algumas figuras importantes durante sua vida, e sua carreira, seu time e seu país se beneficiaram.

O garoto de 19 anos de idade reagiu se mudando para longe dos holofotes de Liverpool, para a cidade costeira de Southport, um caminho trilhado por muitos jogadores de futebol da região de Merseyside, como Kenny Dalglish e Steven Gerrard. Na experiência do atacante foi um passo pequeno, mas significativo. Sua família emigrou de Kingston, Jamaica, quando Sterling tinha seis anos de idade e se estabeleceu no bairro St. Raphael, em Neasden, noroeste de Londres, onde o jovem talentoso jogou à sombra de Wembley e chamou a atenção dos olheiros do clube Queens Park Rangers.

Sterling foi retirado do ambiente escolar normal por causa de problemas comportamentais e passou três anos na Vernon House Special School (Escola Especial), onde seu professor, Chris Beschi, uma vez disse a ele: "Se você continuar pelo caminho que está seguindo, quando estiver com 17 anos, estará na prisão ou jogando pela Inglaterra". Beschi descreveu Sterling como "o garoto da escola que possuía um temperamento gentil e inocente" e, apesar de algumas manchetes indesejáveis, muitas pessoas no Liverpool endossariam essa afirmação. Na verdade, o clube do Anfield lucrou com o esforço para manter Sterling longe dos problemas e focado apenas no futebol.

Sua mãe, Nadine, sempre foi a principal influenciadora da carreira de Sterling. Preocupada que seu filho pudesse ser atraído para uma gangue em St. Raphael, ela resolveu sair de Londres quando o seu sucesso no Queens Park Rangers inevitavelmente atraiu o interesse dos principais times da Premier League. Chelsea, Arsenal e Fulham estavam interessados, assim como o Manchester City, mas o Liverpool trabalhou mais rápido por meio de seu antigo diretor, Frank McParland, e fechou o contrato.

O dinheiro ajudou, naturalmente, o Liverpool ofereceu um aumento de 450 mil libras, para 2 milhões libras, mas a geografia também teve um papel importante. A primeira aparição de Sterling com a camisa vermelha aconteceu contra o time sub-18 do Everton em Finch Farm, o campo de treinamento dos rivais do Liverpool de Merseyside. Logo nos primeiros minutos ele foi derrubado por uma forte dividida, típica dos clássicos, com o lateral-esquerdo do Everton. A delegação do Liverpool, incluindo o embaixador do time, Kenny Dalglish, se entreolhou nervosamente. Como se comportaria esse jovem de 15 anos diante das necessidades do Liverpool e, em última análise, da Premier League? Sterling se levantou depois de perder a bola, sorriu e derrubou o seu adversário na primeira chance que teve. Eles obtiveram sua resposta.

Alguns meses depois, ainda com quinze anos, Sterling entrou em campo como substituto no Liverpool dirigido por Roy Hodgson, em uma partida amistosa na pré-temporada contra o Borussia Monchengladbach. Dalglish, que logo se tornou técnico do Liverpool pela segunda vez, utilizou Sterling como substituto em três partidas da Premier League, com 17 anos, antes que Rodgers assumisse e imediatamente demonstrasse sua confiança em Sterling, ao escalar o jovem garoto como titular contra o Manchester City, em agosto de 2012, sua estreia na Premier League no estádio Anfield, como técnico do Liverpool.

Um contrato de cinco anos foi assinado em dezembro de 2012 e, apesar da queda de desempenho que todo jogador jovem precisa enfrentar, a confiança de Rodgers no atacante nunca se abalou. "Eu fico muito agradecido pela confiança que o técnico deposita em mim", disse Sterling. "Isso é tudo o que um jovem jogador deseja". Mas não foram somente o conselho de sua mãe, seu técnico ou a mudança para Southport que permitiram que Sterling atingisse o seu incrível potencial na última temporada do Liverpool. Ele merece o reconhecimento. O atacante desenvolveu a parte superior do seu corpo através de um intensivo programa de treinamento, como Yones Kaboul pôde testemunhar quando Sterling disputou a bola com o ombro com o poderoso defensor do Tottenham, na partida vencida pelo Liverpool por 4 a 0 no estádio Anfield, em março.

Suas finalizações melhoraram dramaticamente, resultando em 10 gols na última temporada, sua versatilidade e compreensão do jogo aumentaram bastante, o que permitiu que Rodgers o colocasse em várias posições no campo com um efeito visível e seu prestígio cresceu bastante durante a pressão da caminhada, sem sucesso, rumo ao primeiro título inglês desde 1990. Como resultado, seu técnico não tem dúvidas sobre a possibilidade de Sterling se destacar na Copa do Mundo, desde que seja escalado adequadamente.

"Se ele receber a oportunidade de jogar como ele sabe, eu acho que ele poderá se tornar uma das estrelas da Copa do Mundo", disse Rodgers. "Não vamos nos esquecer de que ele é um garoto de 19 anos de idade que foi um dos melhores jogadores em uma das competições mais disputadas do mundo. Ele já demonstrou que pode jogar em uma competição que não é simplesmente a liga inglesa, mas um campeonato cheio de estrelas mundiais, jogadores internacionais. Seus melhores jogos foram contra os melhores times (Arsenal, Manchester United e Manchester City) e por isso ele é mais do que capaz. Se ele permanecer com essa confiança e jogar sem medo, realmente poderá ser um jogador de destaque se for escalado para jogar assim. Isso é fundamental."

Jogo Rápido - Inglaterra
  • Quem será o jogador que surpreenderá a todos na Copa?
    Será difícil para um jogador que foi destaque em uma competição mundialmente popular como a Premier League ?surpreender? agora, mas Raheem Sterling pode colocar sua reputação em outro nível. O adolescente só jogou pela seleção duas vezes, mas em sua jornada incrível com o Liverpool, brilhou com regularidade, correndo das pontas para o meio.
  • Qual é o jogador com maior probabilidade de decepcionar?
    Sempre existe a enorme expectativa sobre o desempenho de Rooney, um jogador que só se destacou realmente em um dos grandes torneios (e isso uma década atrás), mas a apreensão é muito grande com o desempenho dos mais jovens. Sturridge, por exemplo, ainda precisa florescer na seleção. Isso, em grande medida, se deve a sua escalação pelos lados, onde ele ficou tão frustrado quando defendia o Chelsea.
  • Qual é a meta realista de sua seleção na Copa do Mundo e por quê?
    O grupo é difícil, mas não é impossível, principalmente se a Inglaterra sair de Manaus com algum bom resultado do seu jogo de estreia contra a Itália. Um lugar na fase de mata-mata é esperado. Um lugar nas quartas de final terá sabor de triunfo. Qualquer resultado além dessa etapa provavelmente excederá as expectativas.

Curiosidades - Inglaterra
  • Best Photo Agency & C / Pier Gia
    Ben Foster
    O goleiro é um chef qualificado, que passou algum tempo trabalhando na cozinha do Café Rouge no Leamington Spa, em Warwickshire, depois de abandonar os estudos. Depois de se juntar à equipe do West Brom, Foster anunciou que planeja construir sua cabana para churrascos ao lado de sua casa, que provavelmente servirá como um santuário em que ele poderá relaxar e preparar suas carnes. Foto: Best Photo Agency & C / Pier Gia
  • Clive Brunskill/Getty Images
    Adam Lallana
    Quando tinha 18 anos, o meia enfrentou um período aterrorizante, quando os médicos do Southampton descobriram que ele tinha batimento cardíaco irregular. Ele foi forçado a fazer uma cirurgia, que poderia ter terminado sua carreira. ?Foi um período sombrio da minha vida. Eu tinha uma operação que iria determinar o futuro da minha carreira. Felizmente eu estou aqui hoje, em boa forma e saudável.? Foto: Clive Brunskill/Getty Images
  • Mike Hewitt/Getty Images
    Rickie Lambert
    Liberado pelo Blackpool em novembro de 2000 e treinando no Macclesfield Town, que ainda não havia oferecido a ele um contrato, o artilheiro do Southampton começou a trabalhar em uma indústria de beterrabas em Merseyside, onde ele foi encarregado da importante tarefa de colocar as tampas nos frascos e recebia 20 libras por dia pelo incômodo. Foto: Mike Hewitt/Getty Images
  • Best Photo Agency & C / Pier Gia
    Frank Lampard
    O meia do Chelsea teve o privilégio de receber uma educação particular na Brentwood School, em Essex, onde ele se destacou na sala de aula e ocupou um lugar nos times de futebol e de críquete. ?Meus pais sempre souberam que eu queria ser um jogador de futebol, mas ficaram muito orgulhosos por eu ter conseguido o meu GCSE (Certificado Geral de Educação Secundária)?, disse Lampard. Foto: Best Photo Agency & C / Pier Gia
  • Best Photo Agency & C / Pier Gia
    Leighton Baines
    Apesar de ter perdido o amistoso de pré-temporada do Everton contra o Blackburn por causa de contusão, Baines viajou sozinho para assistir ao jogo e parou no caminho para dar carona a alguns torcedores até o estádio. Uma gentileza da qual ele deve ter se arrependido. Os seus companheiros de viagem se mostraram uma companhia bem barulhenta, como um vídeo na internet prova claramente. Foto: Best Photo Agency & C / Pier Gia

Este artigo é parte da série "Olhar Estrangeiro", produzida por 32 veículos de mídia dos países que disputam a Copa do Mundo, como UOL, Guardian (Inglaterra) e France Football (França).

Tradutor: George El Khouri Andolfato

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