Olhar estrangeiro: russo elogiado por Vagner Love tem polêmica na família

Anton Matveev, Artur Petrosyan e Dmitry Girin

Do Sport-Express (Rússia)

  • Paul Gilham/Getty Images

    11.out.2013 - Yuri Zhirkov, da Rússia, observa seus companheiros durante a partida contra Luxemburgo pelas eliminatórias da Copa do Mundo-2014

    11.out.2013 - Yuri Zhirkov, da Rússia, observa seus companheiros durante a partida contra Luxemburgo pelas eliminatórias da Copa do Mundo-2014

"Zhirkoooooov!" –gritaram todos os narradores de futebol na noite de 19 de outubro de 2010. Um gol maluco contra o Spartak de Moscou, a equipe que o tinha rejeitado em 2003, foi seu primeiro e único pelo Chelsea. O interessante foi como os narradores conseguiram pronunciar seu sobrenome corretamente, levando em conta como soa para as pessoas de língua inglesa.

Zhirkov esperou um ano para marcar seu primeiro gol pelo clube de Londres. Ficou até parecendo que ele esperou para fazê-lo contra uma equipe russa, particularmente aquela que significou tanto para ele.

É forte a crença de que há apenas um "gigante adormecido" no futebol russo, Roman Pavlyuchenko. Mas está errada. Sim, Guus Hiddink chamou o ex-atacante do Tottenham disso, mas nosso país deu à luz a esse tipo de monstro permanentemente, os produzindo nos laboratórios secretos da Sibéria a Tambov. Foi em Tambov, onde nasceu Zhirkov, nosso raramente desperto (especialmente após sua transferência para a Inglaterra), apenas mostrando sua verdadeira habilidade na Rússia, no estádio onde sempre reinou.

Ele cresceu em uma cidade pequena, em uma família que passava fome, jogando futebol não porque gostava, mas para não voltar para casa. Ele jogava por comida em torneios juvenis, impedindo seus pais e irmão mais novo de morrerem de fome. Enquanto jogava pelo Spartak de Tombov, Yuri chamou a atenção de vários clubes russos importantes. Mas um dos técnicos gurus da Rússia, Oleg Romantsev, barrou a transferência de  Zhirkov para o Spartak de Moscou. Romantsev não gostava do menino que era muito magro e fraco. Aquele que jogaria na liga mais exigente fisicamente do mundo seis anos depois...

Como resultado, Zhirkov foi recrutado pelo CSKA de Moscou, onde rapidamente se transformou em astro e os torcedores do Spartak ficaram se remoendo de inveja. Imagine: os torcedores do Liverpool descobrindo repentinamente que sua diretoria rejeitou comprar Rooney na adolescência, os do Real Madri não tendo visto nada especial em Messi, ou o Tottenham não tendo visto nenhum potencial em Henry. Não é a melhor sensação do mundo, não é?

Por vários anos, Zhirkov demonstrou habilidades fenomenais no campo de futebol: cruzamentos, passes precisos, defesa sólida –ele contava com tudo em seu arsenal. Desde cedo estava claro que ele estava destinado a se transferir para um clube estrangeiro. Especialmente após as aulas internacionais magistrais de Yuri: o gol da vitória na final da Copa da Uefa de 2005, as apresentações brilhantes na Liga dos Campeões e na Eurocopa 2008.

O Chelsea o pegou, apesar de Yuri ter recebido uma ótima oferta do Bayern de Munique que esteve perto de aceitar. "O futebol alemão e o próprio país são mais adequados para mim", ele alegou. Todavia, dois empresários russos, Evgenyi Giner e Roman Abramovich, decidiram tudo por ele e o enviaram para Londres.

Zhirkov sempre trabalhou com afinco. Sua característica distinta sempre foi trabalhar não apenas para si mesmo, mas também pela equipe. Parecia que seu currículo era perfeito para a Inglaterra: jovem workaholic com experiência europeia espetacular e técnica brasileira. O melhor jogador sul-americano na história do futebol russo, o ex-atacante do CSKA, Vagner Love, o descreveu assim: "Eu tenho sérias dúvidas se Zhirkov realmente nasceu na Rússia. Eu acho que ele passou toda sua infância nas praias de Copacabana. Só isso pode explicar o que ele pode fazer com a bola". André Villas-Boas, quanto técnico do Chelsea, disse coisas semelhantes quando Zhirkov foi vendido ao clube.

Com certeza Zhirkov teve seus momentos de glória na Inglaterra. Lampejos de grandeza. Partidas que podem ser mostradas com orgulho para os netos. Mas um sujeito tímido de Tambov não estava preparado para a disputa interna na equipe, pela atenção excessiva e pressão de todos, dos torcedores aos jornalistas, e, como resultado, ficava apenas procurando por desculpas, pensando sinceramente que não tinha recebido uma única chance em campo.

Desta vez Yuri decidiu tudo por conta própria. Era hora de voltar para a Rússia. Zhirkov não foi para um clube europeu diferente para provar que estava certo, mas simplesmente pegou a rota mais fácil possível, indo para o muito ambicioso clube daguestão Anzhi Makhachkala, de onde o dinheiro para os jogadores gotejava de cada riacho na montanha. Por escolher uma equipe impopular entre os torcedores russos ele foi vaiado enquanto jogava pela seleção. Mas isso logo foi esquecido, apesar de alguns ainda o chamarem de Magomed, um primeiro nome típico no Daguestão.

Hoje Zhirkov tem outro contrato opulento, desta vez com o Dínamo de Moscou, o mais recente novo-rico russo. Em sua terra natal, Yuri está feliz de novo: a esposa, uma ex-miss, que em um programa para TV chocou todas as pessoas com QI acima de 10 (ela não conseguiu responder nenhuma das perguntas simples em um programa de televisão, incluindo "Quem escreveu as peças de Shakespeare?"); filhos, que fumam narguilé aos 10 e 7 anos, e um emprego em um estádio quase vazio fora de Moscou, onde um punhado de torcedores assiste a 11 milionários jogarem um futebol defensivo primitivo.

Mas nem tudo é sombrio. Zhirkov fez recentemente duas partidas decentes, depois que o Dínamo substituiu seu técnico. Zhirkov irá para a Copa do Mundo no Brasil, dado o quanto Fabio Capello gosta de jogadores versáteis. E Yuri ainda é capaz de jogar em quatro posições: lateral-esquerdo, meia-esquerda, volante e meia-atacante.

Para Zhirkov, que coleciona artefatos da Segunda Guerra Mundial, a Copa do Mundo no Brasil será seu último combate sério. Com 30 anos, sua única chance de visitar a Eurocopa 2016 será como turista. Mas por ora ele precisa ser um verdadeiro soldado. E ele já provou, acima de tudo, que pode lutar por seu país.

Como joga a Rússia

O esquema 4-3-3 tem sido a principal formação empregada por Fabio Capello na seleção russa. Há três coisas básicas que o italiano quer ver em sua seleção –disciplina, velocidade e movimentação coletiva. Capello ensinou nossa equipe a resistir, ensinou nossa equipe a defender. Os volantes Igor Denisov e Denis Glushakov, e os meias Roman Shirokov e Viktor Fayzulin, têm um papel crucial nesse estilo de jogo. Eles proporcionam um jogo de pressão, para que a equipe possa retomar a posse de bola rapidamente. Além disso, Shirokov é um especialista em arrancar na direção do gol –essa é a principal opção de ataque da Rússia.

Esse estilo de jogo funciona muito bem contra grandes equipes como Portugal, com a vitória por 1 a 0 em Moscou sendo o melhor exemplo. Mas é muito exigente fisicamente, e muito difícil jogá-lo corretamente sem uma boa preparação. A Rússia teve dificuldades contra equipes como o Azerbaijão e a Irlanda do Norte, que gostam de ficar plantadas em sua própria área. No Brasil, ela deve ter cuidado com a Argélia.

Capello tem poucos jogadores "intocáveis" na seleção. O goleiro Igor Akinfeev, a dupla de zagueiros Sergey Ignashevich e Vasiliy Berezutski, o armador Shirokov, o meia-direita Aleksandr Samedov e o atacante Aleksandr Kokorin.

Denisov foi o principal volante na primeira metade da campanha das eliminatórias, mas não jogou nas últimas partidas: Glushakov se tornou a primeira opção de Capello na posição. Mas agora o homem do Spartak de Moscou está em má forma, assim como seu companheiro de equipe, Dmitry Kombarov, que foi o principal lateral-esquerdo nas eliminatórias. Logo, Denisov tem uma boa chance de retornar à escalação inicial no Brasil.

Kokorin jogou grande parte das eliminatórias como meia-esquerda, e Aleksandr Kerzhakov como centroavante. Mas o atacante do Zenit não esteve tão bem na segunda metade da temporada (apenas nove partidas e dois gols após a pausa de inverno). Então é provável que Kokorin comece jogando à frente na Copa do Mundo, com Kerzhakov no banco. Nesse caso, Yuri Zhirkov, Aleksei Ionov e Oleg Shatov disputariam a posição de meia-esquerda (todos integram a convocação provisória de 30 homens).

A fraqueza da equipe russa está no miolo da zaga. Ignashevich e Vasiliy Berezutski são bons jogadores. Sim, eles são experientes e se entendem muito bem. Mas Capello não tem outras opções na posição. Alexey Berezutski não jogou muito nesta temporada, enquanto Vladimir Granat não tem experiência internacional.

Se Ignashevich e Vasiliy Berezutski se machucarem ou forem suspensos, será um problema muito sério para nossa equipe. 

Jogo Rápido - Rússia
  • Quem será o jogador que surpreenderá a todos na Copa?
    Aleksandr Samedov. O meia de 29 anos se empenhou muito nos últimos anos e conseguiu um grande progresso. Ele fez uma temporada muito boa pelo Lokomotiv: marcou nove gols e fez nove assistências no Campeonato Russo. Ele não fazia parte dos titulares no início das eliminatórias, mas agora Samedov é um dos poucos titulares certos na seleção. Ele é um jogador rápido e inteligente, com espírito de luta
  • Qual é o jogador com maior probabilidade de decepcionar?
    Roman Shirokov. Ele é provavelmente o jogador mais forte na Rússia no momento, excluindo Akinfeev. Ele teve ótimas apresentações durante as eliminatórias e é o capitão, mas teve um ano difícil. Ele teve uma grande briga com o ex-técnico do Zenit, Luciano Spalletti, e acabou emprestado ao Krasnodar. E Shirokov enfrentou algumas lesões nos últimos meses.
  • Qual é a meta realista de sua seleção na Copa do Mundo e por quê?
    Apenas passar da fase de grupos. A expectativa dos torcedores é muito alta, porque acham que a Rússia está em um grupo fácil. Sim, nós podemos derrotar a Coreia do Sul e a Argélia, e podemos pontuar contra a Bélgica, mas nossa equipe precisa estar em sua melhor forma para isso. Nós jogaremos em outro continente, em um fuso horário diferente, em um clima muito quente ?e isso pode ser um problema.

Curiosidades - Rússia
  • Francois Nel/Getty Images
    Igor Akinfeev
    O goleiro da Rússia e do CSKA é conhecido por sua música terrível. O ex-jogador do Liverpool, Manchester United e Bayern de Munique nunca hesitou em admitir que é um grande fã de uma banda chamada Ruki Vverkh (mãos ao alto), que é a mais popular entre as meninas colegiais. Certa vez ele até mesmo pediu ao vocalista que cantasse uma canção com ele. Foto: Francois Nel/Getty Images
  • Best Photo Agency & C / Pier Gia
    Dmitri Kombarov
    Ele entrou para a academia do Spartak aos 4 anos, juntamente com seu irmão gêmeo Kirill, mas depois de alguns conflitos com os técnicos seus pais os levaram para a academia rival do Dínamo. Eles passaram nove anos jogando pelas categorias de base e profissional do Dínamo, mas em 2010 foram contratados pelo rival do Dínamo... o Spartak, por US$ 10 milhões. Foto: Best Photo Agency & C / Pier Gia
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    Aleksander Kerzhakov
    O único atacante russo que já jogou em uma liga importante europeia ?pelo Sevilha na Espanha? ele inspirou um novo verbo, "kerzhakovear", que nasceu durante a Eurocopa 2012. Ele passou 1.527 sem marcar durante a temporada 2012-2013. Isso equivale a um 1 dia e 87 minutos. Foto: Best Photo Agency & C / Pier Gia
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    Fabio Capello
    O italiano sempre foi um grande amante do teatro. Mesmo quando foi técnico da Inglaterra, ele sempre encontrava tempo para visitar Moscou para o Bolshoi. Não é de se estranhar que agora que está morando em Moscou, ele o faça regularmente. Também vale a pena notar que seu único amigo russo é um famoso maestro, Valery Gergiev. Foto: Best Photo Agency & C / Pier Gia

* Este artigo é parte da série "Olhar Estrangeiro", produzida por 32 veículos de mídia dos países que disputam a Copa do Mundo, como UOL, Guardian (Inglaterra) e France Football (França).

Tradutor: George El Khouri Andolfato

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