Olhar estrangeiro: Bélgica tem jogador que já foi odiado por todo o país

Kristof Terreur

Do Het Laatste Nieuws (Bélgica)*

  • Christof Koepsel/Getty Images

    Axel Witsel provocou grave lesão em Marcin Wasilewksi em jogo em 2009

    Axel Witsel provocou grave lesão em Marcin Wasilewksi em jogo em 2009

Um vilão. Um bruto. Um criminoso. Inimigo do Estado, ou ao menos daqueles com o coração púrpura do Anderlecht.  A data, 30 de agosto de 2009, mudaria para sempre a vida de Axel Witsel. Foi o dia em que um elegante volante com o mundo aos seus pés e já coroado com o troféu de melhor jogador do Campeonato Belga se transformou na fera.

Naquela noite de domingo, em um jogo acirrado entre os rivais ao título, o Anderlecht e o time dele, o Standard Liège, no estádio Constant Vanden Stock, em Bruxelas, Witsel se envolveu em uma forte dividida com Marcin Wasilewksi, um zagueiro robusto que não liga para uma cotovelada ou chute ocasional. Seus olhos estavam fechados, sua perna estendida. Apesar do zagueiro do Anderlecht ter chegado primeiro na bola, Witsel chegou atrasado e plantou seus cravos a toda velocidade na perna de Wasilewski. Uma dividida horrorosa, uma cena de horror.

Wasilewski gritava de dor, com seu pé pendurado. Os jogadores do Anderlecht ficaram com lágrimas nos olhos diante do sofrimento de seu companheiro. O cordeiro quebrou a perna do açougueiro. Witsel recebeu o cartão vermelho, mas o pior ainda estava por vir. O público e a imprensa o puseram ao pelourinho. Por dias ele figurou na primeira página. No Anderlecht eles o desprezavam. Ele recebia ameaças de morte e cartas de ódio.

A federação o suspendeu por oito jogos, mas a dividida perseguiria ele e sua família por meses. "As pessoas o insultam, algumas até mesmo atiram pedras em nossas janelas", lembrou seu pai em uma entrevista. "O incidente mudou Axel. Há o Axel de antes da dividida e o Alex de depois. Ele se tornou mais fechado. É possível ver no rosto dele que foi afetado pela tempestade ao seu redor. Aquilo durou alguns dias e então ele se transferiu."

"Nós nunca o pressionamos a sair. Nós nunca o aconselhamos a deixar a Bélgica na época, para escapar da atenção da mídia. Ele ficou mais inatingível, mentalmente mais forte e equilibrado. Ninguém mais consegue tirá-lo do sério." Assim como Diego Maradona será sempre lembrado pela mão de Deus, como Zinedine Zidane será sempre lembrado por sua cabeçada, Witsel sempre carregará a dividida consigo. Ele aprendeu a deixar para lá.

O tempo cura tudo. Os torcedores belgas voltaram a aceitá-lo, apesar de alguns torcedores do Anderlecht ainda não suportá-lo. A fera é novamente a bela. Um volante elegante com técnica excelente. O jogador que sempre foi, com exceção de um dia infeliz. Até 2009, florescia a carreira do filho de um pai com raízes em Martinica e mãe belga. Ele foi criado como jogador ao lado de seu melhor amigo, Nacer Chadli, em uma praça em Vottem, um subúrbio de Liège, depois educado no Visé e, posteriormente, no maior clube da cidade, o Standard Liège.

Em 2007, ele chegou ao time principal do futuro campeão belga, poucos meses depois de Marouane Fellaini, outro símbolo do clube. Ele foi um dos jogadores fundamentais da equipe campeã de 2008, o primeiro título do Standard em 25 anos. "Eu nunca senti tamanha explosão de emoções", disse Witsel na época.

Foi uma festa que ele nunca esquecerá. A conquista do título acelerou sua carreira. Ele recebeu sua primeira convocação para a seleção com apenas 19 anos. Grandes clubes foram ao Stade de Sclessin para assistir ao adolescente talentoso. Havia rumores sobre Real Madrid, Arsenal, o time dos seus sonhos, mas ele resistiu. Ele conquistou outro título pelo Standard, mas depois do incidente com Wasilewski, ele se despediu com a Copa da Bélgica e foi para o Benfica, não para a Premier League.

A liga portuguesa revelou ser uma boa opção. Apesar de inicialmente ter sido um ponta na Bélgica, depois um meia atacante, o técnico do Benfica, Jorge Jesus, decidiu usá-lo como volante, um camisa 6. Um papel sob medida para ele. Ele passou a ditar o ritmo de jogo e, após uma boa campanha na Liga dos Campeões, ele provou estar pronto para um passo acima na carreira.

Sir Alex Ferguson estava de olho nele, mas para surpresa de todos –inclusive para si mesmo– ele assinou com o Zenit de São Petersburgo, Rússia, que pagou 40 milhões de euros por ele. Os jogadores russos não gostaram dos salários altos que os novos estrangeiros recebiam –o Zenit também pagou caro por Hulk (Porto)– e começaram a se revoltar. Vladimir Putin, o presidente da Rússia, entrou no debate e defendeu a transferência de Witsel e companhia. Os críticos foram silenciados acima de tudo pelas apresentações de Witsel, assim que o volante se transformou em um dos motores do clube. Como na seleção belga.

Aos 25 anos, Witsel agora é um líder respeitado na seleção nacional. Uma força silenciosa, inspiradora, disciplinada e que dá duro. O tenente do técnico Marc Wilmots, ele é um dos cinco intocáveis dos 11 titulares. Ele tem todas as qualidades que um meia moderno precisa: carisma, força, técnica, visão, um passe excelente e dificilmente perde a bola. Wilmots diz: "Ele é o meu representante dentro de campo. Nós nos entendemos com apenas um olhar". Witsel admira Maradona e Zidane, seus grandes ídolos. Como eles, ele gostaria de brilhar em uma Copa do Mundo.

Ele sabe que precisa. O Zenit não quer vendê-lo por uma pechincha: eles querem no mínimo seu investimento de volta. Um valor que apenas grandes clubes estão dispostos a pagar. Até que um grande clube o liberte, Witsel permanece como um pássaro em uma gaiola dourada na Rússia, sonhando com a Premier League.

Como joga a Bélgica

A lesão de Christian Benteke foi um duro golpe para o técnico Marc Wilmots. O atacante do Aston Villa era sua primeira opção, porque ele é melhor na ligação com Eden Hazard e Kevin De Bruyne. Romelu Lukaku não consegue exercer o mesmo papel aos olhos de Wilmots. Ele não está convencido de que o atacante do Chelsea consiga prender a bola da mesma forma que Benteke, para permitir a penetração dos meias.

Em uma entrevista reveladora ao " Het Laatste Nieuws" em 30 de abril, o técnico disse que Lukaku não era nem mesmo a escolha automática para preencher a lacuna deixada por Benteke. "Dependerá do adversário", disse Wilmots. Lukaku fez uma excelente partida pelas eliminatórias contra a Croácia, na qual fez dois gols, mas a Bélgica jogou no contra-ataque em Zagreb.

Lukaku, que não gosta de jogar como pivô, funciona melhor quando pode correr contra o adversário, explorando sua velocidade e força. Ele é o atacante mais preciso na área. Kevin Mirallas, que jogou como falso camisa 9 no País de Gales, também é uma opção como atacante. Hazard e mesmo Adnan Januzaj poderiam ser usados nesse mesmo papel. Divock Origi, o atacante de 19 anos do Lille que está sendo sondado pelo Liverpool, foi a grande surpresa na equipe. Ele é jovem, ainda cru e suas características são as que mais se aproximam de Benteke, mas ele irá para o Brasil para ganhar experiência.

Wilmots tem cinco jogadores indispensáveis na equipe. Thibaut Courtois, um goleiro experiente, o zagueiro Vincent Kompany, seu representante dentro de campo, Axel Witsel, e os meia-atacantes Eden Hazard e Kevin De Bruyne. Quando estão em condições, eles sempre jogam. Wilmots também assegurou a Thomas Vermaelen seu lugar, ao lado de Kompany, no miolo da zaga. Ele teve uma temporada difícil no Arsenal, tendo ficado no banco grande parte do tempo, mas nunca decepcionou na seleção nacional. O preparador físico está trabalhando em um rotina específica para deixá-lo em forma para a Copa do Mundo.

Com Daniel Van Buyten, reserva no Bayern de Munique, e Nicolas Lombaerts, uma rocha no Zenit, Wilmots conta com uma dupla mais que decente de zagueiros reservas. Ele não empregará Jan Vertonghen, do Tottenham, ou Toby Alderweireld, do Atlético de Madri, no miolo da zaga, já que são necessários nas laterais, apesar de preferirem jogar no meio. Este é um dos pontos mais fracos da seleção. Contra as melhores seleções do mundo, a zaga pode ter dificuldades, já que carece de velocidade e agilidade.

Para as duas posições vagas no meio de campo, Wilmots conta com abundância de opções. Moussa Dembélé ou Marouane Fellaini são os principais candidatos para meias defensivos, com a potência do United como sua primeira opção. Além disso, Steven Defour, um pitbull com boa visão para passes, é altamente cotado.

Para a camisa 10, o técnico da seleção é um grande fã de Nacer Chadli, que teve uma primeira temporada difícil pelo Spurs, mas é disciplinado e taticamente inteligente. De Bruyne começará jogando na meia-direita, onde demonstrou excelência nas eliminatórias –ele foi o jogador mais influente, com quatro gols e quatro assistências. Hazard será o homem principal na esquerda. Mirallas e Dries Mertens, que tiveram uma excelente primeira temporada no Napoli, são seus reservas. Wilmots também tem Januzaj em grande estima, e o astro do United lhe dará muitas opções no ataque.

As expectativas são altas, a badalação em torno da equipe belga é grande. Mas apesar de muitos jogadores terem feito uma boa temporada em 2012-2013, eles foram menos convincentes neste ano. Pode ser uma seleção forte, mas apenas Daniel Van Buyten, que não é nem mesmo titular, já jogou uma Copa do Mundo. Esta seleção jovem carece de experiência em uma competição de grande peso.

Jogo Rápido - Bélgica
  • Quem será o jogador que surpreenderá a todos na Copa?
    Axel Witsel é um jogador fundamental para a seleção. De forma positiva, ele ainda pode crescer como volante, mas já conta com muitas qualidades: boa visão, passe excelente, técnica. Ele raramente comete um erro e, mais que um volante, também faz incursões no ataque, com capacidade de jogar de uma área à outra. Aos 25 anos, está pronto para mostrar ao mundo por que o Zenit pagou 40 milhões de euros
  • Qual é o jogador com maior probabilidade de decepcionar?
    Nenhum, mas se as coisas derem errado, todo mundo olhará para Eden Hazard. Ele brilhou nesta temporada pelo Chelsea e é esperado que ele repita suas atuações pelo clube na seleção. Até agora, ele raramente fez uma apresentação dessas pela Bélgica. Hazard sabe que precisa melhorar e ser mais decisivo. Ele só marcou cinco gols em 42 jogos pela seleção, três deles de pênalti.
  • Qual é a meta realista de sua seleção na Copa do Mundo e por quê?
    Quartas de final. Em um grupo fácil, a Bélgica será a favorita, mas provavelmente enfrentará Portugal ou Alemanha nas oitavas. Esse será o verdadeiro teste para a seleção, já que faz tempo que ela não enfrenta equipes desse nível. Ele terá que provar que está à altura da badalação.

Curiosidades - Bélgica
  • Best Photo Agency & C / Pier Gia
    Toby Alderweireld
    O zagueiro tem uma tatuagem da Catedral de Nossa Senhora, na Antuérpia, no seu braço direito, porque se orgulha da cidade onde cresceu. "Sempre amei minha cidade, o motivo para querer algo de Antuérpia perto de mim. A catedral domina a silhueta da cidade e é algo de se orgulhar. É um dos lugares mais bonitos de Antuérpia. A tatuagem exigiu três sessões de três horas. Foi doloroso, mas estou feliz" Foto: Best Photo Agency & C / Pier Gia
  • Best Photo Agency & C / Pier Gia
    Vincent Kompany
    O zagueiro combina sua carreira como jogador de futebol com sua vida de estudante, ao se matricular para um MBA na Escola de Administração e Negócios de Manchester. Ele é cofundador do Bonka Circus, uma produtora de música e televisão, que fez o "Iedereen Duivel", uma novela-documentário sobre a seleção, e tem seu próprio bar de esportes em Bruxelas e na Antuérpia, chamado Good Kompany. Foto: Best Photo Agency & C / Pier Gia
  • Best Photo Agency & C / Pier Gia
    Daniel van Buyten
    O único belga que jogou na Copa de 2002. Seu pai, Franz, foi um famoso lutador de luta-livre entre 1960 e 1980 e sempre foi seu ídolo. Van Buyten sempre foi criticado na Bélgica, mas nunca desistiu. Ele é um dos poucos belgas que já venceram a Liga dos Campeões, pelo Bayern em 2013. Depois da final, ele abriu uma faixa com um coração e as palavras "mamãe e papai", em homenagem aos seus pais. Foto: Best Photo Agency & C / Pier Gia
  • Best Photo Agency & C / Pier Gia
    Simon Mignolet e Nicolas Lombaerts
    Apesar da maioria dos jogadores não conseguir combinar estudos com futebol, dois jogadores têm diploma universitário. O goleiro Simon Mignolet, titular no Liverpool, mas no banco pela seleção, é formado em ciências sociais e ciência política. Nicolas Lombaerts (foto), um zagueiro reserva e um dos principais jogadores do Zenit, é formado em direito. Foto: Best Photo Agency & C / Pier Gia

* Este artigo é parte da série "Olhar Estrangeiro", produzida por 32 veículos de mídia dos países que disputam a Copa do Mundo, como UOL, Guardian (Inglaterra) e France Football (França).
 

Tradutor: George El Khouri Andolfato

Veja também



Shopping UOL

UOL Cursos Online

Todos os cursos