Olhar estrangeiro: herói do Irã é galã e leva 100 mil torcedores ao estádio

Hossein Radka e John Duerden

Do Arman Daily (Irã)*

"Nek-ounam, Nek-ounam, Nek-ounam!!!" gritou o autor do gol, apontando para o número 15 no peito, enquanto corria em direção da lateral do campo para celebrar o gol que manteve viva a esperança da Copa do Mundo para o Irã. Nenhum dos mais de 100 mil torcedores que foram à loucura no Estádio Azadi, em Teerã, precisava de incitamento; eles gritavam a mesma coisa. O comentarista também, assim como, provavelmente, grande parte da população de 80 milhões do país. Se alguma equipe já teve um talismã, então Javad Nekounam é o do Irã.

No final, aquele gol contra a Coreia do Sul nas eliminatórias para a Copa do Mundo de 2010 foi respondido por Park Ji-Sung –os dois capitães desenvolveram uma respeitosa rivalidade na Ásia– quando novamente o público já seguia a comemoração do jogador antes de ser realizada, com o atleta do Manchester United levando seus dedos aos lábios e formando uma concha com sua mão ao redor de sua orelha. Por um momento, Nekounam havia aberto uma porta para à África do Sul, embora a Equipe Melli (que significa a "equipe nacional") não tenha conseguido passar por ela. Quatro anos depois, ele marcou no mesmo gol, no mesmo estádio, contra o mesmo time e, desta vez, o Irã estava a caminho da Copa do Mundo. O feito foi selado em junho de 2013, na partida de volta na Coreia.

Nas entranhas do Estádio Munsu de Ulsan, quando os gritos vindos do vestiário iraniano ecoavam pela arena da Copa do Mundo de 2002, o treinador do Irã, Carlos Queiroz, acenou na direção de seu capitão. "Ele é o capitão perfeito", disse encantado o ex-técnico do Real Madrid. "Ele é o tipo de jogador que todo time precisa, já que contribui de muitas formas diferentes. Quanto maior a ocasião, melhor ele joga."

Poucos meses depois e Nekounam sorri ao se lembrar. "Nós estamos muito felizes por irmos à Copa do Mundo" ele contou ao "The Guardian". "Não importa se você é famoso ou desconhecido, todo jogador sonha em jogar lá. É difícil explicar como me senti mas quando nos classificamos, foi um dos melhores momentos da minha vida. Nós temos que treinar muito, nos preparar bem e estarmos em nossa melhor forma. E então veremos o que acontecerá no Brasil."

Assim como alguns dos estádios icônicos do futebol parecem menores na vida real do que na televisão, o mesmo acontece com Nekounam, embora esteja longe de ser pequeno, tal é a sua presença em campo. Um tradutor em serviço após um amistoso internacional em 2010 confidenciou que tinha ficado nervoso por se sentar ao lado do jogador e ser responsável por transmitir as opiniões dele  para a mídia de massa. Em vez do guerreiro feroz que ele esperava, ele encontrou um cavalheiro educado, sério e tranquilo (e também atraente; certa vez o coordenador geral da seleção do Irã disse que todas as mulheres na Ásia "acham Javad bonito").

Dentro de campo, o jogador de 33 anos não tem a mesma forma de antes, mas define o ritmo a partir da própria intermediária e pode ser igualmente encontrado impedindo o ataque adversário quanto chegando tarde à beira da área, para disparar outro chute baixo dentro nas redes. Ele também é um excelente cobrador de faltas.

Diante da Nigéria, Argentina e Bósnia no Grupo F, poucos dizem que o Irã irá passar de fase, mas é um time para ser levado a sério. O que lhe falta em preparação é compensado por paixão e não há escassez de habilidade. A Equipe Melli ainda não conseguiu superar esse primeiro obstáculo em três participações em Copas e obteve apenas uma vitória, embora aquele triunfo sobre os Estados Unidos em Lyon, em 1998, ficará marcado por muito tempo na memória.

É hora de mudar tudo isso e Nekounam não pode esperar. Em junho será sua segunda e provavelmente última aparição na Copa do Mundo. De volta a 2006, ele era relativamente um membro novato, apesar de importante, em um time  que incluía ícones como Ali Daei e Ali Karimi. Esta dupla de Alis –ambos com experiências ambíguas no Bayern de Munique– era considerada os dois pilares do poder dentro de campo. A caminho da Alemanha, eram grandes as esperanças de que uma equipe talentosa e com bastante experiência internacional se sairia bem, mas brigas nos vestiários contribuíram para uma campanha decepcionante, que viu o Irã perder para México e Portugal, antes de empatar com Angola. À caminho do Brasil, Nekounam não vai relembrar velhos problemas, mas insiste que aprendeu muito na Alemanha oito anos atrás.

"A Copa do Mundo de 2006 foi uma experiência memorável. Embora não tivéssemos sucesso, eu guardo boas lembranças do torneio e percebi muitas coisas que me ajudaram a me tornar um jogador melhor, e cada vez que você joga, você ganha experiência com aquele jogo. Nós não conseguimos os resultados que queríamos, mas eu vi que até os jogadores mais famosos dão o melhor de si a cada momento, e isso justifica porque são os melhores."

Ele deve ter feito alguma coisa certa, porque assim que voltou para casa, a Europa o chamava. Nenhum iraniano havia jogado antes na Liga Espanhola (e muitos poucos da Ásia), e poucos teriam esperado que Nekounam permaneceria no Osasuña por seis temporadas. Com quase 150 partidas jogadas  –e teriam sido ainda mais se lesões não tivessem interferido– o homem com quase 140 partidas por sua seleção nacional se transformou em um favorito dos torcedores na Espanha. Sua determinação, paixão, habilidade técnica e gols, 26 ao todo, ajudaram o clube de Pamplona ficar no topo da tabela durante nesse período.

Nekounam finalmente partiu em 2012, com relatos de que o clube, sem dinheiro, queria que ele aceitasse uma redução salarial. Ele diz, contudo, que já era hora de voltar para casa, para jogar pelo Esteghlal. Um dos dois titãs de Teerã, os Azuis conseguem atrair cerca de 100 mil torcedores ao Estádio Azadi, o mesmo que a seleção nacional e, até certo ponto, Nekounam considera seu lar. "Foi uma decisão pessoal. O Esteghlal é um time muito grande, que ganhou muitos títulos na Ásia e no Irã", diz o jogador, embora uma recente transferência para o Al Kuwait talvez seja melhor para a conta bancária e a relativa falta de jogos o mantenha descansado para o Brasil.

Agora, entretanto, chegou a hora de dar aos milhões de torcedores do Irã um motivo para sorrir e para a mídia ocidental algo sobre o que falar, em vez das questões nucleares e da instabilidade regional. "O mundo viu em 2006 que o Irã ama sua seleção", diz o capitão. "Todo lugar que vamos, nós conseguimos encontrar nossos torcedores. Eles são coloridos e amam muito o esporte. Eles também estarão no Brasil. Nós estamos prontos. Todos do Irã estão prontos."

Como joga o Irã

Pela quarta vez, o Irã participará da Copa do Mundo e, nos livros de história, o Brasil-2014 estará listado ao lado de Argentina-1978, França-1998 e Alemanha-2006. Com um técnico de reputação internacional genuína, Carlos Queiroz, também há uma confiança de que o Irã poderá chegar à fase de mata-mata do torneio pela primeira vez.

Desde que o ex-técnico do Real Madrid e de Portugal assumiu o Irã em 2011, ele tem usado os esquemas táticos 4-3-3 ou 4-2-3-1 nas competições. Houve ocasiões, em amistosos, que o esquema tático 4-1-4-1 foi utilizado. Dado os jogadores no time, há a sensação no Irã de que a opção pelo esquema tático 4-3-3 não é sempre a melhor. Ele exerce uma pressão considerável sobre a defesa e deveria ser utilizado apenas se os zagueiros que estão jogando forem fortes o suficiente para levar a melhor sobre o ataque adversário.

É difícil dizer se este será o caso no Brasil contra a Argentina, Nigéria e Bósnia, mas é improvável. Se o Irã utilizar o 4-3-3 nestes jogos, então os atacantes perigosos que enfrentará, como Sergio Agüero, Lionel Messi e Edin Dzeko da Bósnia, seriam capazes de atravessar nossa defesa. Isso seria visto de forma dolorosa no Irã. Portanto,  é provável, e esperado, que o 4-2-3-1 seja a formação e isso expõe o melhor da time iraniana.

A vaga de goleiro está entre Rahman Ahmadi e Daniel Davari. Rahmadi impressionou no final das eliminatórias, mas Davari joga na Bundesliga (embora o Eintracht Braunschweig tenha sido rebaixado) e isso deve lhe dar uma vantagem. A vaga na lateral-direita está entre Khosro Heydari e o americano-iraniano Steven Beitashour, com Jalal Hosseni e Amir Hossein Sadeqi no miolo da zaga. O energético Mehrdad Pooladi é um dos favoritos de Queiroz e deve estar na lateral-esquerda, avançando sempre que possível.

Os dois volantes, Javad Nekounam e Andranik Teymourian, que jogaram no Bolton Wanderers, oferecem experiência e é importante que o ex-jogador da La Liga e o jogador da Premier League inglesa estejam em forma. Um pouco mais à frente, Ashkan Dejagah teve uma boa temporada na Premier League pelo Fulham, apesar do rebaixamento, e proporciona uma ameaça de gol pelo lado direito do meio-campo, tendo Mohammad Reza Khalatbari ou Alireza Jahanbakhsh pela esquerda –ambas opções oferecem velocidade. Masoud Shojaei é inconsistente, mas deve começar atrás do centroavante solitário, o veloz Reza Ghoochannejhad, atacante do Charlton Athletic, cujos gols levaram o time adiante nas eliminatórias.

Dito tudo isso, com o Irã nunca é fácil dizer quem irá jogar e como jogarão, visto que a preparação tem sido terrível. Problemas financeiros foram a principal razão que levou a seleção a realizar poucos amistosos preparatórios contra adversários relativamente fracos. Períodos de treinamento foram cancelados e quando foram mantidos, jogadores chave não compareceram devido a compromissos de seus clubes.

Os jogadores que atuam na Europa se juntaram aos treinos relativamente tarde e há certa intranquilidade em relação à normas que os jogadores iranianos têm que seguir em comparação aos outros (basta olhar para o problema em torno da camisa da seleção e como foi noticiado que os jogadores só terão uma no Brasil, e não devem trocá-las com ninguém, nem mesmo com o Messi).

Existem alguns jogadores importantes que ficaram de fora e que muitos acham que mereciam ir para o Brasil. O goleiro Mehdi Rahmati, o habilidoso meia Ali Karimi e Payam Sadeghian terão que achar algo pra fazer neste mês. Rahmati se desentendeu com Queiroz e está fora do time. Quando Rahmati expressou seu profundo arrependimento pelo ocorrido, o técnico o ignorou por completo. A maioria dos torcedores queria Ali Karimi, o "Mago de Teerã" e ex-astro do Bayern de Munique, na Copa do Mundo, porém, o técnico tinha outras ideias.

Jogo Rápido - Irã
  • Quem será o jogador que surpreenderá a todos na Copa?
    Após sua brilhante atuação nas eliminatórias, o Charlton o contratou em janeiro, e é esperado que ele impressione novamente no Brasil. Ele poderia ser um fenômeno na Copa do Mundo. Rápido e objetivo, com o Irã contra-atacando, ?Gucci? representa uma potente ameaça. Também no ataque, Ashkan Dejagah e Alireza Jahanbakhsh contam com o que é necessário para ajudar o Irã a avançar na competição.
  • Qual é o jogador com maior probabilidade de decepcionar?
    Masoud Shojaei. Ele joga há várias temporadas na Espanha, mas não atuou pela seleção nos últimos dois anos. Seu estilo simplesmente para não se encaixa com a estrutura rígida e disciplinada de Queiroz, embora ainda seja escalado para grandes jogos. Os torcedores costumam pegar no pé dele, devido às fracas atuações nas eliminatórias para a Copa do Mundo de 2010, que terminaram em fracasso.
  • Qual é a meta realista de sua seleção na Copa do Mundo e por quê?
    Em suas três participações anteriores em Copa, o Irã nunca conseguiu passar da 1ª fase, que é o que todos desejam. Queiroz prometeu melhorar o time, porém as eliminatórias não foram fáceis e nem a preparação para o Brasil. O 1º jogo contra a Nigéria é crucial e devemos ver todo o trabalho que Queiroz tem feito com a equipe. A sorte deve desempenhar um papel mais importante que a habilidade.

Curiosidades - Irã
  • Best Photo Agency & C / Pier Gia
    Andranik Teymourian
    Ele é um forte competitor e nunca demonstra clemência ou piedade. No entanto, tem um lado tranquilo, como demonstrou durante a Liga dos Campeões Asiática de 2013. O astro com rabo de cavalo salvou uma borboleta que estava em dificuldades no nordeste da Tailândia. O durão do futebol iraniano a achou presa no campo e a pegou gentilmente antes de libertá-la em segurança. Foto: Best Photo Agency & C / Pier Gia
  • AP Photo/Bogdan Maran
    Ashkan Dejagah
    Dejagah tem uma tatuagem de Berlim em um braço e de Teerã no outro, fora a frase ?Nunca esqueça de onde você é? em seu pescoço. Tatuagens são ilegais no Irã e parte da mídia tachou as tatuagens de Dejagah como vulgares. Frequentemente, mas nem sempre, mangas compridas cobrem toda sua arte corporal nos jogos da seleção, mas ainda permanece uma polêmica sempre que Dejagah tira a camiseta branca. Foto: AP Photo/Bogdan Maran
  • Amin M. Jamali/Getty Images
    Daniel Davari
    O jovem goleiro precisou de intervenção diplomática para fazer sua estreia pela seleção. O problema para a Fifa era que o nome do jogador constava de forma diferente em seus dois passaportes: Daniel, em seu passaporte alemão, e Mohammad, em seu documento persa. Diplomatas iranianos intervieram e posteriormente o problema foi resolvido. Foto: Amin M. Jamali/Getty Images
  • Amin M. Jamali/Getty Images
    Rahman Ahmadi
    O goleiro fez a diferença na hora da verdade nas rodadas finais das eliminatórias. Convocado para os três jogos finais, com as chances da uma vaga para Irã na Copa ameaçadas, Ahmadi não tomou nenhum gol nos 270 minutos que se seguiram, com lances às vezes frenéticos e de parar o coração. Sua oportunidade veio após seu antecessor, Mehdi Rahmati, se retirar da equipe. Foto: Amin M. Jamali/Getty Images

* Este artigo é parte da série "Olhar Estrangeiro", produzida por 32 veículos de mídia dos países que disputam a Copa do Mundo, como UOL, Guardian (Inglaterra) e France Football (França).

Tradutor: George El Khouri Andolfato

Veja também



Shopping UOL

UOL Cursos Online

Todos os cursos