Olhar estrangeiro: craque japonês traçou plano para carreira aos 12 anos

Ben Mabley

Da JSports (Japão)*

Alguns meses atrás, recebi uma oferta de trabalho para atuar no clube Vegalta Sendai, da J-League. Isso significaria dar adeus a uma história inebriante em Kansai, no oeste do Japão - lar da comédia manzai, da cidade com a melhor comida do mundo (Osaka), segundo Michael Booth do "Guardian", e o único lar que conheci neste país durante mais de uma década. Minha nova residência seria a mais de 800 quilômetros de distância, na remota região de Tohoku (nordeste), onde eu não conhecia absolutamente ninguém, as temperaturas eram 5 graus mais baixas e a umidade cerca de 10% mais alta, e onde - como se presenciou tragicamente em 11 de março de 2011 - a atividade tectônica é especialmente intensa, mesmo pelos padrões de um país formado na junção de quatro placas diferentes.

Para ser franco, não posso negar um certo alívio quando uma mudança de circunstâncias tirou a decisão das minhas mãos. Mas essa foi a decisão tomada pelo próprio Shinji Kagawa, totalmente por sua vontade, com apenas 12 anos.

Nascido em Kobe em 1989, quatro anos antes do lançamento oficial da J-League (o Campeonato Japonês), Kagawa fez parte da primeira geração de meninos japoneses para os quais era relativamente comum crescer sonhando em ser jogador de futebol. No entanto, não havia nada de infantil no nível de sua ambição. Como um garoto esguio de 10 anos, ele teve a oportunidade de passar as férias de verão na escola primária treinando em Sendai com o FC Miyagi Barcelona, um time juvenil não oficialmente afiliado ao azul-grená da Catalunha, mas famoso por incentivar a arte do drible. Lá, como narrou o diretor Noboru Kukasa à revista "Soccer Critique" no ano passado, Kagawa mostrou exatamente como pretendia chegar ao topo.

"Vou entrar no esquema de desenvolvimento de um clube da J-League, ser escolhido para times regionais selecionados e jogar em torneios nacionais. Se não puder fazer isso, jogarei em um clube local normal e farei o melhor para que possa entrar em um time juvenil da J-League ou um colégio famoso pelo futebol quando tiver 15 anos, e então vou trabalhar duro para me tornar profissional. Poderei levar dois anos para chegar ao time principal, mas serei paciente e quando conseguir um jogo quero ser escolhido para os times juvenis do Japão e finalmente a seleção nacional."

Kusaka ficou duplamente impressionado com o plano do jovem e sua execução em campo. "Já então", diz ele, "Shinji compreendia que não seria tudo fácil. Ele sabia exatamente quão bom ele era, onde estavam seus pontos positivos, em que áreas ele era deficiente e o que precisava fazer a respeito. Já naquela idade ele era capaz de uma autoavaliação construtiva e isso não mudou." Apenas 18 meses depois de seu período inicial no FC Miyagi Barcelona, Kagawa deixou a casa dos pais e mudou-se para o outro lado do país.

O novo ambiente lhe permitiu concentrar-se no desenvolvimento de sua técnica e lhe caiu tão bem que ele decidiu ficar no clube ao atingir a idade colegial. A decisão deu frutos, e em setembro de 2005 o rapaz de 16 anos foi chamado para a seleção sub-18 do Tohoku para jogar na Copa Sendai -- um famoso torneio jovem internacional cujos futuros participantes incluiriam Oscar, Yann M'Vila e Alexandre Pato.

Depois de derrotas para o Brasil de Lucas Leiva e a Croácia de Nikola Kalinic, o time local teve seu último jogo em grupo contra a seleção sub-18 do Japão. Destacado na base do meio-campo, de onde tinha bastante espaço para mostrar suas técnicas de drible, Kagawa repetidamente contornou uma defesa que continha seus atuais companheiros de seleção na Copa do Brasil Maya Yoshida e Atsuto Uchida e participou de três gols enquanto o Tohoku derrotava o resto do país por 5 a 2.

Agora o Kansai o chamava de volta. O futebol juvenil no Japão está estreitamente associado ao sistema educacional - com colégios e universidades famosos pelo esporte como na América do Norte - e até os que seguem o caminho de clube ou academia no estilo europeu raramente mudam de direção fora das idades de formatura escolar de 12, 15, 18 e 22. Mas com meia dúzia de clubes da J-League agora enxameando em torno do astro da seleção do Tohoku, o Cerezo Osaka precisava agir depressa.

Seu olheiro, Akio Kogiku, tinha cruzado com Kagawa mais de um ano antes quando visitou o Miyagi para ver o goleiro Kenta Tanno. Kogiku pediu que seus chefes fizessem a oferta, lembrando que ficou imediatamente impressionado pelo desejo de bola do meio-campo, seu senso de controle e a maneira clara como ele mergulhava no futebol mesmo longe do campo. Um contrato foi apresentado em dezembro de 2005, e Kagawa tornou-se o primeiro jogador a assinar em termos profissionais com um clube da J-League em pleno curso colegial, sem antes ter feito parte de seu grupo juvenil.

A primeira temporada de Kagawa no Cerezo foi difícil, mas uma importante experiência de aprendizado. Criticado pela falta de velocidade, ele deixou de entrar para o time principal, mas trabalhou duro no físico, na rapidez do toque e em seu cérebro futebolístico para retificar o problema. Segundo Kogiku, foi o verdadeiro amor de Kagawa pelo esporte que o levou a pensar mais em dieta, em ginástica e em analisar os movimentos dos adversários antes que os fizessem. Esse esforço foi o que o destacou.

O ano da virada foi 2007, quando o brasileiro Levir Culpi foi indicado treinador e imediatamente disse a Kagawa que ele seria um titular - embora em um papel desconhecido, de meia avançado, onde ele poderia se desenvolver como artilheiro. Então com 18 anos, o nº 26 do Cerezo prosperou com a liberdade e a fé nele depositadas. A partir do final de maio, participou de todos os jogos da J2 (segunda divisão) nos quais estava disponível e marcou cinco vezes. Essa conta aumentou para 16 no ano seguinte, e quando ele recebeu a famosa camisa nº 8 do clube em 2009, depois da aposentadoria do lendário Hiroaki Morishima, contribuiu com incríveis 27 gols e 13 assistências enquanto a metade rosa de Osaka selava seu retorno à J1. Sete gols em suas 11 primeiras participações na elite e o Borussia Dortmund da Bundesliga veio chamá-lo.

Kagawa ainda pode dar sinais de fragilidade mental. Culpi certa vez o comparou com Yoichiro Kakitani, hoje um colega na seleção, dizendo: "Shinji tem um grande senso de responsabilidade como profissional, mas isso significa que ele teme cometer erros. Por outro lado, Yoichiro é irresponsável, o que o torna capaz de grande coragem".

Mas por mais que ele possa ter sofrido na era de David Moyes no Manchester United, antes de sua primeira Copa, ele apenas precisa pensar em suas origens e em todos os treinadores de Kusaka a Jürgen Klopp que ele maravilhou, para se lembrar de que já é um dos jogadores mais especiais na história do futebol japonês.
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Como o Japão joga

O tema subjacente para Alberto Zaccheroni durante seu reinado de quatro anos no comando do Samurai Blue foi preparar um time capaz de envolver o cenário global em seus próprios termos. Depois que o treinador anterior, Takeshi Okada, conseguiu a classificação para a Copa do Mundo da África do Sul, em junho de 2009, ele descobriu que os adversários de padrão mais elevado que os enfrentados nas eliminatórias asiáticas tinham pouca dificuldade para explorar o vasto espaço que se abria entre o meio-campo criativo do Japão e seus zagueiros centrais, capazes mas lentos.

Tropeços embaraçosos em amistosos contra a Holanda, Sérvia e Coreia do Sul provocaram uma reformulação tática de emergência na véspera da Copa, com Yuki Abe trazido como volante adicional e Keisuke Honda empregado como um falso 9 sem centroavante de verdade. A medida foi um grande sucesso, e o Japão chegou às fases decisivas em solo estrangeiro pela primeira vez, mas a sensação foi de que o Paraguai poderia perder nas oitavas de final só se os homens de Okada tivessem abordado o jogo de modo mais positivo antes de chegar aos pênaltis.

Colocar um italiano como seu sucessor, porém, não foi um indício de que o Japão queria persistir em uma abordagem conservadora. Zaccheroni imediatamente dispensou vários da velha guarda, reinstalou a formação 4-2-3-1 e tentou moldar um novo time excitante em torno dos jovens meias atacantes e defensores que começavam a causar ondas no futebol europeu. A Argentina foi derrotada de modo sensacional em sua estreia no comando, enquanto sua primeira ação competitiva na Copa da Ásia 2011 viu o Japão crescer constantemente em proeza, enquanto o torneio avançava para selar uma vitória total. De modo animador, em uma perspectiva de longo prazo, "Zac Japão" sempre guardou seus desempenhos mais eficazes para adversários de alto nível, mesmo que às vezes lutem para vencer times continentais mais fracos.

O nº 24 em 2010, Shinji Kagawa imediatamente se tornou um jogador chave para Zaccheroni, assim como fizera para Jürgen Klopp, mas apesar de ganhar a camisa nº 10 de sua seleção o homem do Manchester United raramente é empregado no centro. O eixo principal, em vez disso, é Honda, cuja atitude exigente, compostura e coerência -- pelo menos em uma camisa do Japão -- fazem dele o orquestrador ideal por seu jogo rápido, de ataque fluido.

Cada vez mais nos últimos anos Honda adota uma posição inicial ligeiramente recuada para se ligar mais eficazmente com os dois volantes - os japoneses importaram a palavra do Brasil -, enquanto Kagawa e o terceiro meia atacante se movem para oferecer passes curtos triangulares. Isso permite que Yuto Nagatomo e Atsuto Uchida avancem de trás, com Honda chegando à área e fornecendo uma poderosa ameaça adicional de gol.

Talvez por ironia, a fraqueza óbvia do Japão hoje é a defesa, especialmente a zaga. Na Copa das Confederações do ano passado, os Samurai Blue dominaram a Itália em campo por 70 minutos, mas perderam por 4 a 3. Também sofreram derrotas tristes do Brasil e do México em jogos em que seus atacantes não brilharam.

Isto provocou gritos de ingenuidade na imprensa internacional, mas o fato é que o Japão contava com sua linha alta; eles funcionam melhor atacando e defendendo quando os jogadores da frente pressionam e os volantes ganham tempo com a bola ao redor ou além do meio de campo. É quando eles ficam recuados, ou permitem ser empurrados para trás, que começam a desmoronar. De modo ideal, Maya Yoshida teria gostado de mais tempo de jogo em Southampton nesta temporada, e um zagueiro jovem da J-League teria avançado rápido para tomar o lugar do utilitário Yasuyuki Konno -- que nem sequer é escolhido para a defesa de um notoriamente poroso Gamba Osaka. Mas não aconteceu, por isso é melhor o Japão correr atrás e jogar ao máximo de sua força.

A maior crítica a Zaccheroni foi sua relutância em experimentar novidades - a não ser uma experiência ineficaz com seu antigo 3-4-3 como Plano B - ou novo pessoal. No entanto, o Campeonato da Ásia Oriental em julho de 2013 exigiu que o ex-treinador do Milan e da Juventus escolhesse uma esquadra de jogadores domésticos, o que pareceu refrescar um pouco suas ideias. Não menos de seis em sua lista de 23 para o Brasil fizeram suas estreias internacionais nesse torneio, incluindo o defensor de 26 anos do FC Tokyo Masato Morishige, assim como os atacantes Yoichiro Kakitani e Yuya Osako. Kakitani marcou na vitória do Japão por 3 a 2 contra a Bélgica em novembro passado, mas foi Osako, hoje no Munique 1860, quem realmente chamou a atenção com um gol e uma assistência para Honda durante um impressionante empate de 2 a 2 com a Holanda quatro dias antes.

Dito isso, possivelmente a chegada mais significativa é o dínamo no meio-campo Hotaru Yamaguchi do Cerezo Osaka, membro da equipe sub-23 do Japão que terminou em quarto nos Jogos Olímpicos de Londres em 2012. Durante o tour de outono do time sênior na Europa, seu ritmo de trabalho e a capacidade de tomar a bola provocaram maior coesão e facilitaram muito a vida para seu capitão Makoto Hasebe ou o 141 convocado Yasuhito Endo a seu lado. Pode ser que os dois veteranos volantes do Japão estejam jogando agora por um lugar ao lado de Yamaguchi, que comemorou sua convocação para a Copa abandonando seu penteado marca-registrada descolorido e repintando-o de preto.

Hiroshi Kiyotake, do Nuremberg, foi muitas vezes preferido para a posição de meia-direita, mas Shinji Okazaki brilhou - embora em um papel mais avançado - desde que entrou para o Mainz no início desta temporada, e parece o favorito para jogar no Brasil. O goleiro Eiji Kawashima, do Standard Liège, tende ao momento de loucura bizarra, mas é provável que supere Shusaku Nishikawa do Urawa Reds.

Jogo Rápido - Japão
  • Quem será o jogador que surpreenderá a todos na Copa?
    O Japão talvez não tenha um artilheiro de ponta, mas não precisa necessariamente de um desde que o atacante facilite para os outros atletas. Como demonstrou contra a Holanda, Osako pode ser esse homem. O jovem de 23 anos às vezes decepcionou durante seus primeiros 4 anos no Kashima. Mas os 19 gols na J-League em 2013 lhe valeram outra chance, e ele combinou muito bem com Honda, Kagawa e Okazaki.
  • Qual é o jogador com maior probabilidade de decepcionar?
    A questão está na defesa, mas como a expectativa lá é tão baixas provavelmente não contaria como uma decepção se a linha traseira implodisse. Honda pode ser o jogador que uma lesão seria mais devastadora, mas como ele é um atleta tão consistente as chances do Japão podem de fato depender mais da forma de Kagawa. É vital para a fluência no ataque do time que o ex-astro do Borussia esteja confiante
  • Qual é a meta realista de sua seleção na Copa do Mundo e por quê?
    Chegar às quartas. Como mostraram nos últimos 12 meses eles são capazes de perturbar e vencer os melhores do mundo. No entanto, sua defesa pode capitular a quase qualquer um, por isso será vital dominar seu ritmo de ataque cedo nos jogos. Não há garantia de avançar em um grupo muito desafiador e homogêneo, mas fazê-lo daria muita confiança antes de um encontro com Inglaterra ou Itália nas oitavas.

Curiosidades - Japão
  • Best Photo Agency & C / AB
    Eiji Kawashima
    Kawashima sabia que se quisesse ser um astro teria de aprender inglês. Breves períodos de treino na Itália no início da carreira o levaram a estudar italiano. O intérprete português no Kawasaki Frontale diz que ele não teve problemas em conversar com colegas brasileiros, e depois de balbuciar em espanhol e holandês 4 anos jogando na Bélgica fizeram que hoje ele esteja à vontade falando em francês. Foto: Best Photo Agency & C / AB
  • REUTERS/Kim Kyung-Hoon
    Toshihiro Aoyama
    Sua disposição a passar tempo brincando com torcedores provocou uma série de piadas no Twitter, que ele adotou escrevendo a hashtag associada em seu peito nu e postando uma foto. Aoyama tornou-se uma pequena sensação no YouTube em 2012 com um incrível gol de 63 metros. Na comemoração, ele fez seus companheiros de time se alinharem como pinos de boliche aos quais ele atirou não uma, mas duas bolas. Foto: REUTERS/Kim Kyung-Hoon
  • Best Photo Agency & C / Pier Gia
    Hiroshi Kiyotake
    Para nós que assistimos na TV a primeira visita do Japão desde 89 foi como uma viagem na história. Para um jovem jogador, porém, foi tudo um pouco desanimador. Assustado pelos corredores escuros e os guardas de segurança silenciosos e sem expressão monitorando o hotel, Kiyotake decidiu abandonar sua cama e dividir um quarto de solteiro com o goleiro Nishikawa. Foto: Best Photo Agency & C / Pier Gia
  • Best Photo Agency & C / Pier Gia
    Masahiko Inoha
    Depois de estrear na J-League em 2006, Inoha rapidamente ficou famoso, nem tanto por sua habilidade no futebol quanto por sua obsessão por sorvete. Ele afirmou orgulhosamente que tomaria três por dia e estava sempre pronto para fazer comentários sobre os últimos gelados para colegas de time e dirigentes do clube. Foto: Best Photo Agency & C / Pier Gia

* Este artigo é parte da série "Olhar Estrangeiro", produzida por 32 veículos de mídia dos países que disputam a Copa do Mundo, como UOL, Guardian (Inglaterra) e France Football (França).

 

Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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