Desvalorização de 30% dos títulos de incentivo ao Itaquerão "é mico do portador", diz secretário

Roberto Pereira de Souza

Do UOL, em São Paulo

  • Coutinho Diegues Cordeiro / DDG

    Maquete do Itaquerão, em obras na Zona Leste de São Paulo

    Maquete do Itaquerão, em obras na Zona Leste de São Paulo

O secretário de Desenvolvimento Econômico do prefeito Gilberto Kassab, Marcos Cintra, disse em entrevista ao UOL Esporte que a Prefeitura "não corre risco com a desvalorização dos CIDs", títulos municipais que, vendidos, deveriam ajudar o Itaquerão em R$ 420 milhões. A emissão dos papéis ainda não foi aprovada, mas pode começar em julho. Junto com os papéis, virá uma má notícia:  a desvalorização no mercado pode passar dos 30 %, em dois anos:  "o mico ficará com o portador, o cofre público não sofrerá com eventuais desvalorizações", disse Cintra.

Com essa desvalorização, segundo informou um analista na condição de anonimato, os papéis valeriam no máximo R$ 294  milhões, em 2014.

Perguntado sobre como ficará a composição dos recursos para finalização do Itaquerão, caso os CIDs sejam desvalorizados em até 30%, o secretário Marcos Cintra apresentou uma solução possível para o pior cenário:

"Os títulos públicos sofrem risco natural no mercado. No pior cenário, é possível que o Arena Fundo Imobiliário (que receberá os papéis) nem venda os CIDs e mantenha o pacote em carteira (estocado, esperando melhorar a cotação). Nesse caso, a Odebrecht, que tem bom lastro, pode financiar a obra com empréstimos particulares até completar os R$ 420 milhões que viriam dos CIDs. Quando sair a parcela do BNDES, a conta se fecha."

Quem comprar os papéis poderá trocá-los no guichê da Prefeitura para pagamento de imposto sobre serviços e IPTU da Zona Leste.

A frase do secretário do prefeito sobre quem ficará "com o mico dos CIDs" soou como um grito aos ouvidos do promotor Marcelo Milani. O promotor move ação contra  Gilberto Kassab por improbidade administrativa e pede multa no valor de R$ 1,74 bi, exatamente pela "concessão abusiva" de incentivos fiscais ao estádio, que deve abrir a Copa 2014. Os outros denunciados são Corinthians, a construtora Odebrecht, o Arena Fundo Imobiliário e o BRL Trust.

"Mas, se os CIDs custam R$ 420 milhões e serão vendidos por um valor menor, fica claro que a Prefeitura sofrerá prejuízo na operação. Esse título será trocado para pagar IPTU e ISS de quem investir na Zona Leste. A Prefeitura receberá um papel de R$ 50   que vale R$ 35 e isso não é prejuízo ao erário público? Vamos pagar essa conta. Se a Prefeitura quer deixar legado para a cidade, sugiro que ela assuma o estádio como municipal e depois licite a interessados, com o foi feito com o Engenhão".

 Milani questiona também a isenção de ISS concedida por Kassab à construtora Odebrecht, no valor de R$ 42 milhões (ou 5% do custo da obra, que tem valor fechado em R$820 milhões).

As obras do Itaquerão
As obras do Itaquerão

A captação dos R$ 820 milhões para pagar o estádio foi dividida da seguinte forma: R$ 420 milhões viriam com a venda dos CIDs e R$ 400 milhões serão emprestados pelo BNDES.

A Odebrecht não quis comentar a possibilidade de os CIDs sofrerem deságio de 30% até 2014, quando poderiam ser usados para pagamento de IPTU e ISS, nos guichê da Prefeitura. Se a emissão ocorrer em julho, a troca comercial com o município só poderá ser feita após a Copa.

A corretora BRL Trust responsável pela gestão do Arena Fundo Imobiliário  avisou que não comentará o tema, nem como pretende comercializar os títulos públicos: "não vamos falar sobre o assunto", disse, por telefone uma funcionária de nome Juliana.

Na busca por manter a obra em dia, com os operários funcionando em três turnos, a construtora Odebrecht já obteve dois empréstimos no varejo, no total de R$ 250 milhões. O empréstimo do BNDES (R$ 400 milhões) ainda não foi aprovado.

Em sua ação civil, o promotor Milani afirma que os CIDs foram  "licitados depois que todos já sabiam que a Odebrecht e Corinthians seriam beneficiados", o que contraria a Lei de Licitações (Lei Federal 8.666) e dá base à ação por improbidade contra todos os envolvidos na gestão da obra: "Em maio, a construtora assinou com o clube um contrato de terraplenagem. A lei foi aprovada em junho, o que caracteriza o direcionamento do benefício a duas pessoas jurídicas," disse Milani.

O secretário Cintra discorda, em parte: " a Fifa só oficializou o Itaquerão como sede de abertura da Copa em setembro de 2011. Antes disso, oficialmente, nada havia. Nós sabíamos,  mas a escolha foi feita no final do ano e a lei de incentivo foi votada em junho. Não foi dirigida. E não houve licitação, foi quase um chamamento a quem quisesse investir na Zona Leste."

A ação por improbidade administrativa tramita na 2ª. Vara da Fazenda Pública. Na terça-feira (29) a juíza Laís Lang Amaral negou liminar ao MP, que pedia a cobrança imediata de R$ 42  milhões, supostamente devidos pela construtora Odebrecht.

O promotor Marcelo Milani recebeu a decisão da juíza, nesta quinta-feira, e terá dez dias para entrar com recurso, exigindo o pagamento do imposto devido.

"Vamos ao Tribunal. Não desisto dessa cobrança. A ação corre normalmente, não foi arquivada como noticiaram por aí", disse o promotor do Patrimônio Público.

Veja também



Shopping UOL

UOL Cursos Online

Todos os cursos