Por que os treinadores de futebol não fazem a vontade dos torcedores

Roberto Shinyashiki

Roberto Shinyashiki

  • Heuler Andrey / MOWA PRESS

    Paulinho recebe o colete para treinar entre os reservas. O volante pode perder a vaga para Fernandinho

    Paulinho recebe o colete para treinar entre os reservas. O volante pode perder a vaga para Fernandinho

"Por que o treinador não convocou fulano?" "Por que não escalou o outro?" "Por que ele não tira aquele que está jogando mal?"

Alguém já disse que o Brasil tem 200 milhões de técnicos da seleção, e nessa Copa não está sendo diferente. Muita gente tem me perguntado por que o Luiz Felipe Scolari não colocou o Fernandinho no lugar do Paulinho, logo no segundo jogo da Copa, contra o México.

Não posso dizer o que se passa na cabeça do Felipão, mas como psiquiatra que já acompanhou vários treinadores na concentração, posso explicar por que eles tomam decisões que parecem não ter lógica.

Até hoje, os brasileiros questionam as razões do Parreira para não convocar o Romário para a maioria dos jogos nas eliminatórias da Copa de 94. Da mesma forma, o episódio da convulsão do Ronaldo na final contra a França, em 98, ainda não foi completamente esclarecido.

Mistérios como esses existem porque todos os que trabalham no meio esportivo respeitam um código de ética. No futebol, mais do que em outros esportes, o que acontece na concentração fica na concentração.

Como médico que já esteve concentrado em vários jogos decisivos com atletas importantes, eu vi absurdos que o grande público não pode sequer imaginar: de atleta que tem diarreia e vômito quando convocado a jogador que tenta seduzir a esposa do colega.

Certa vez, um atleta olímpico não estava rendendo e ninguém entendia o porquê. Conversando com ele, descobrimos que a causa da baixa produtividade não era técnica, mas emocional. O jogador, que era pobre e negro, estava namorando uma menina rica e aristocrática, e o pai dela tinha mandado uns bandidos exigirem que ele se afastasse da moça.

Exemplos como esse explicam por que não podemos esperar que, em uma entrevista coletiva, um treinador fale que "o atleta X realmente está jogando mal, mas eu não vou trocá-lo porque senão os outros vão ficar inseguros, e um time sem autoconfianca não produz bem."

É visível a reação negativa da equipe quando um treinador lança um desabafo do tipo: "Vocês querem que eu faça milagres com um grupo de jogadores como esse? O que eu posso fazer se eu peço reforços e a diretoria não traz?". Se ele diz à imprensa algo como "não sou eu quem perde pênalti", a demissão vem no dia seguinte.

Em se tratando de convocação e escalação, uma coisa é certa: o treinador quer levar para a guerra os melhores, não apenas do ponto de vista técnico. O espírito de equipe, as reações dos atletas frente aos obstáculos, a influência do jogador sobre o elenco e, principalmente, a resposta à pressão são fatores que o treinador também leva em conta.

É possível que um jogador não tenha sido convocado porque, na vez anterior, ele se isolou no quarto o tempo todo, mostrando que estava sentindo o peso da camisa.

Por outro lado, o mesmo treinador pode apostar no poder de reação de um atleta e mantê-lo no jogo por mais tempo do que o público gostaria.

Ele toma essa decisão polêmica, geralmente, por dois motivos:

1- Respeito pela história do jogador. Os atletas que mostram ao treinador que são confiáveis em um momento de decisão merecem mais uma oportunidade e, por isso, o líder decide dar algum tempo para ele crescer no campeonato.

Se analisarmos a história dos campeões das Copas do Mundo, vamos ver que a maioria foi se ajustando ao longo da competição.

2- Cuidado com o emocional da equipe. É preciso que os jogadores saibam que um treinador só tira um jogador depois de dar a ele todas as oportunidades possíveis para acertar, como fez Parreira com o Raí.

Tirar um jogador ao primeiro erro gera insegurança no resto da equipe. Aí vem uma possível resposta para a pergunta do torcedor brasileiro: se o Felipão tivesse trocado o Paulinho no segundo jogo, ele correria o risco de intimidar o Hulk, o Daniel Alves e o Oscar.

Mais uma vez: o que acontece na concentração fica na concentração. Não espere que o técnico admita que o time jogou mal e que ele está preocupado. Como líder, ele tem o dever de cuidar do moral de todo o grupo.

Scolari já provou que é um treinador atento a esse aspecto. Você se lembra do Kleberson, meio-campista da seleção campeã de 2002, na Ásia? Quando trabalhamos juntos no Atlético-PR, ele me contou uma história que ilustra bem o cuidado do Felipão com a equipe.

Kleberson havia saído do time titular e estava preocupado, pensando ter perdido a chance de jogar na Copa. Um dia, enquanto jogava videogame no quarto, ele recebeu a visita do Murtosa, que disse: "Garoto, se prepara porque a nossa vitória contra a Inglaterra depende de você".

Naquele momento, Kleberson deixou o desânimo de lado porque se sentiu valorizado pelo Felipão. O resultado, o mundo todo viu: ele entrou no meio do jogo e participou do lance que definiu a vitória do Brasil.

Vamos acreditar que o treinador da seleção está cuidando muito bem da mente dos nossos atletas. Isso garante a vitória? Não! Afinal, do outro lado, tem uma equipe com a mesma meta e somente uma vai colocar as mãos na taça…

Que seja a nossa!

Roberto Shinyashiki

Roberto Shinyashiki é medico psiquiatra, psicoterapeuta , escritor ,doutor em Administração e Economia (Faculdade de Administração e Economia - USP) , foi coordenador da preparação mental do EC Pinheiros e já trabalhou com seleções nacionais de varias modalidades esportivas



Shopping UOL

UOL Cursos Online

Todos os cursos