Mano Menezes vê hipocrisia em críticas por convocação de jogadores do seu empresário
Paulo Passos e Renan Prates
Do UOL, em São Paulo
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Danilo Verpa/Folhapress
Técnico da seleção brasileira, Mano Menezes concedeu entrevista exclusiva ao UOL Esporte
Entre as críticas que recebe no comando da seleção brasileira, uma incomoda particularmente Mano Menezes. A de que suas convocações têm o dedo do agente Carlos Leite, que além de cuidar da carreira do técnico também é o responsável por alguns jogadores da equipe, como o goleiro Cássio, por exemplo.
"Me incomoda a maneira como esse tema é abordado. Esses assuntos são abordados porque no futebol existem vários interesses, e a gente sabe exatamente quais eles são. O fato de eu ter tornado público e isso ter virado um problema, eu acredito que é uma grande hipocrisia, porque, na minha opinião, deveria ser o que todos devessem fazer, que é tratar as coisas claramente", disse Mano em entrevista exclusiva ao UOL Esporte.
A conversa com Mano aconteceu na noite desta segunda-feira, no CT do Corinthians, onde a seleção se prepara para o Superclássico das Américas contra a Argentina nesta quarta. Além da sua relação com Carlos Leite, o treinador avaliou seu trabalho na seleção como bom, negou mágoas com as vaias ouvidas nos jogos contra a África do Sul, em São Paulo, e com a Argentina, em Goiânia, e defendeu o craque Neymar das críticas de que ele seria "pipoqueiro" e "cai-cai".
TÉCNICO NÃO DESCARTA PROCESSAR ROMÁRIO
Atacado por Romário, Mano Menezes prefere evitar um bate-boca público com o ex-jogador e deputado federal. Sem apresentar provas, o "Baixinho" disse que há um "cartel nas convocações e que muitos estão enriquecendo ilicitamente". Questionado pela reportagem do UOL Esporte, o técnico não descartou processor o parlamentar. "Quando tiver tempo para lidar com isso, talvez lide de uma maneira diferente. Agora estou muito ocupado com a seleção brasileira, e acho que devo me ater a isso neste momento. Tenho bastante trabalho para fazer", afirmou.
Confira a entrevista exclusiva do técnico da seleção brasileira:
UOL Esporte: Qual é o balanço que você faz desses três jogos da seleção no Brasil?
Mano Menezes: Acho que o resultado foi importante, vencemos três vezes. O relacionamento com o torcedor está dentro dos padrões. Em alguns períodos mais confiantes, outras vezes nem tanto. A reação de São Paulo foi um pouquinho mais crítica também pelas rivalidades dos clubes. Mas precisamos de situações como essa para ir amadurecendo o time e para o torcedor também ir se acostumando com a seleção. Não teremos facilidades numa Copa do Mundo.
UOL Esporte: Você conversou com os jogadores após o jogo do Morumbi, onde o time foi mais vaiado?
Mano Menezes: A minha visão sobre qual o tipo de sentimento predominante que deve ter uma seleção brasileira é muito clara. Não acho que uma seleção tem que ser formada com ódio, ressentimento, coisas negativas ou dirigir respostas para esse ou aquele seguimento específico. Muito pelo contrário. Temos capacidade de ter dentro de nós um sentimento muito grandioso para estar na seleção brasileira. Não podemos ficar pensando pequeno. À medida que você dirige para outros, respostas que você dever tem que dar na seleção, você mostra que não está preparado para estar na seleção brasileira. Em determinados momentos de forma pontual você pode dar uma resposta mais forte. Ninguém é obrigado a virar o outro lado do rosto. Mas a resposta geral tem que ser dada com futebol.
Mano Menezes
UOL Esporte: Você limitou o número de jogadores de cada time para tentar diminuir a reclamação dos clubes de que são prejudicados pela seleção. Tem alguma solução efetiva para isso?
Mano Menezes: Não ouvi nem li uma manchete reclamando do Sabella da Argentina,, do técnico do Uruguai, nem do Sergio Markarián (Peru), e eles também levam os jogadores que atuam aqui para as eliminatórias nas mesmas datas que nos levamos os jogadores brasileiros para os amistosos que servem para formar uma seleção. O problema não são os técnicos, nem os jogos. O problema que temos que resolver é um problema que já se arrasta durante um tempo, e talvez nós somos o único país da América Latina que temos um calendário diferente dos demais. Enquanto persistimos com esse problema, não resolvermos a essência dele, os técnicos que dirigirão a seleção brasileira não podem pagar essa conta, porque não cabe a eles pagar. Eles têm uma responsabilidade de construir uma seleção brasileira. Daqui a menos de um ano, nós estaremos jogando a Copa das Confederações e só teremos cinco, seis jogos para jogar até lá. Se não reunir a seleção principal nesse tempo, como teremos uma seleção pronta para jogar a Copa das Confederações?
UOL Esporte: Mas você não tenta mudar isso estando na CBF?
Mano Menezes: A gente precisa separar as coisas. Uma coisa é a instituição CBF, outra é a seleção brasileira. Existe uma diferença. Acho que misturar isso prejudica muito o entendimento que o torcedor deve ter dessa situação. Você sabe exatamente que existe uma diferença entre as duas coisas e a gente tem que mostrar isso para o torcedor brasileiro. A confederação é gestora do calendário e inclusive incluindo os clubes que devem todos estar reunidos com as federações em determinados momentos, porque é lá que se discute isso, para aí tomar as decisões sobre o futebol brasileiro de forma separada da seleção. A seleção é um time que precisa ser treinado, se reunir nas datas e que estaria do mesmo jeito trabalhando se tivesse jogando as eliminatórias. Essa confusão que se estabelece, ela coloca a seleção brasileira contra o torcedor e o clube, e acho que isso não é um bom caminho pra gente entender como deve funcionar.
UOL Esporte: A seleção é criticada também por jogar contra adversários fracos. Qual seu grau de interferência em relação à decisão de quem enfrentar nos amistosos?
Mano Menezes: A seleção está se preparando para jogar contra qualquer adversário. Nós jogamos contra todos os adversários hoje, de qualquer nível, e fizemos jogos muito parecidos tecnicamente, na minha opinião. Com exceção de um jogo só em que nós fomos envolvidos tática e tecnicamente, que foi contra a Alemanha. Não é possível mesmo por questão de mercado, por preferencia das outras seleções, por planejamento estratégico que elas possuem. É muito complexo fazer um jogo hoje. A gente vem jogando contra seleções de todos os continentes. Quase foi possível enfrentar o Uruguai em novembro, mas não foi na ultima hora. A seleção brasileira não tem problema de enfrentar qualquer tipo de adversário.
UOL Esporte: Mas você queria enfrentar seleções mais fortes?
Mano Menezes: Todos na CBF sabem exatamente disso. Várias vezes nós quase estivemos para enfrentar a Espanha, e depois não conseguimos ajustar todos os detalhes. A gente está preparado como seleção para enfrentar qualquer tipo de adversário
MANO DEFENDE NEYMAR
Eu não acho que ele seja "cai-cai". Não acho que ele seja pipoqueiro, como a gente ouviu nos estádios brasileiros. O Neymar sabe cair, foge das jogadas mais fortes. Ele sabe se proteger. Ele tem mérito nisso.
UOL Esporte: O que mudou com a chegada do Marin na seleção em relação ao Ricardo Teixeira?
Mano Menezes: São maneiras diferentes de comandar a confederação. E a gente se adequa a maneira como a CBF é comandada. Não temos nenhum problema de relacionamento, muito pelo contrário com o Marin. Eu sou um sujeito extremamente transparente. Sou um homem que respeita a hierarquia, porque penso que ela é fundamental para qualquer instituição. Nós temos um diretor de seleções, me reporto a ele como diretor de seleções. Quando temos que tratar um assunto com o presidente, eu faço primeiro o pedido ao diretor, depois encaminho para o presidente.
UOL Esporte: Em algum momento na seleção você temeu perder o emprego ou se sentiu ameaçado de alguma forma nessa transição?
Mano Menezes: Não! Tenho uma carreira com poucas demissões. O fato de os trabalhos serem mais longos deve ser por mérito. Você conseguir se manter por um período longo em clubes como Corinthians, Grêmio mostra a capacidade que o profissional tem de gerenciar todas essas questões difíceis que o futebol contempla. Na seleção ainda é proporcionalmente mais complexo, porque envolve muito mais coisas. Os jogadores hoje tem um estafe muito mais complexo, muita gente decidindo por eles, falando por eles. É Twitter pra cá, rede social para lá, gerenciar tudo isso obviamente está mais difícil.
UOL Esporte: Qual a análise que você faz do seu trabalho? Está no estágio que você gostaria?
Mano Menezes: Se eu tivesse assumido uma seleção mais pronta, que tivesse uma continuidade mais natural, os resultados deveriam ser já com conquistas. Embora percentualmente em termos de resultados e jogos, a gente vem mantendo uma média boa de 75% de aproveitamento, que é de campeão em qualquer campeonato que se jogue. A gente vai vendo uma confirmação muito grande dos nomes propostos na seleção, quase que uma concordância geral com os nomes escolhidos para representar a seleção. Você vê poucas discordâncias. Então considerando isso e as dificuldades que é formar uma seleção nova, eu diria que o trabalho é bom, e que está chegando no ponto certo para apresentar os resultados que precisamos.
UOL Esporte: Incomoda o fato de algumas convocações suas serem questionadas pelo fato dos jogadores terem o mesmo agente que você?
Mano Menezes: Me incomoda a maneira como esse tema é abordado. Esses assuntos são abordados porque no futebol existem vários interesses, e a gente sabe exatamente quais eles são. O fato de eu ter tornado público e isso ter virado um problema, eu acredito que é uma grande hipocrisia, porque, na minha opinião, deveria ser o que todos devessem fazer, que é tratar as coisas claramente. Porque se você não tem nada para esconder, você perfeitamente pode tratar as coisas claramente porque você não tem temor algum. Outros técnicos tem agentes e não há problema. A maioria trabalha com agentes.
UOL Esporte: Mas o que faz um agente de um técnico empregado?
Mano Menezes: Ele agencia os meus contratos, porque o técnico deve se envolver apenas nas questões inerentes da sua profissão. Eu não sei fazer contrato. Não conheço cláusulas com detalhes para isso ou para aquilo. Para isso que você escolhe uma pessoa para te agenciar, para ela te representar nesses momentos em que as coisas que você acorda e depois precisa cumprir, sejam bem feitas. É por isso que os meus contratos de publicidade sempre são feitos na presença do meu agente e da empresa que tenho. Exatamente como em qualquer outro ramo do esporte, é feito para isso.
UOL Esporte: Felipão, Parreira e Dunga tiveram jogadores que estavam no auge na Europa e foram eleitos melhores do mundo. Jogadores que poderiam ter esse papel de chamar a responsabilidade, os brasileiros mais veteranos, não estão no auge, como Ronaldinho, Adriano e próprio Kaká. Você se sente prejudicado ou com azar de pegar uma geração que não consegue ocupar esse papel?
Mano Menezes: Futebol é cíclico. Talvez a gente tenha sido beneficiado por ciclos virtuosos. Sempre contamos com os principais atacantes do mundo fazendo parte da nossa seleção. Sempre tivemos isso. Nos últimos anos, a gente não tem tendo essa condição. Então, isso interferiu diretamente na seleção. Acredito que já tenha interferido na seleção anterior e culminou com a chegada dessa nova etapa. Não acho que a gente tenha que ficar olhando muito para o que não tem. Temos que olhar para o que temos. De jogadores que estão crescendo. Temos dois anos para amadurecer esses jogadores. O que não podemos deixar de fazer é deixar de prepara-los. Já temos jogadores num ciclo de amadurecimento. A consequência é que teremos uma seleção em condições de disputara uma Copa do Mundo.
UOL Esporte: Por que o Neymar rende mais no Santos do que na seleção?
Mano Menezes: Vejo isso com absoluta naturalidade. É um caminho que precisa percorrer para isso se tornar igual. Mas vejo que isso está muito próximo. O Neymar é o jogador que recebeu sempre os maiores elogios e o torcedor acredita muito nele, mas até por isso a cobrança também recai muito sobre ele.
UOL Esporte: E as vaias que ele recebe na Inglaterra por supostamente simular faltas e as acusações de que ele é "cai-cai"?
Mano Menezes: Eu não acho que ele seja "cai-cai". Não acho que ele seja pipoqueiro, como a gente ouviu nos estádios brasileiros. Muito pelo contrário. Ele sempre na dificuldade do jogo ele está presente mais vezes para receber a bola e resolver o jogo. Pipoqueiro é quem se esconde do jogo. O Neymar dribla em velocidade. Um jogador que dribla em velocidade, qualquer contato produz a queda. Ele não tem que ficar tentando se defender para tentar se machucar. Ele sabe cair, foge das jogadas mais fortes, no sentido de saber se proteger. Ele tem mérito nisso. Não vejo que essa coisa de "cai-cai" vai vingar. Ele vai saber driblar isso.
UOL Esporte: E a expulsão dele no último domingo (no jogo contra o Grêmio) você achou injusta?
Mano Menezes: A gente não sabe o diálogo que ele teve com o árbitro. Pode ter trazido um acúmulo de uma relação mais atritada. Neymar saiu e não contestou. Não conversamos sobre o lance porque também não acho que seja um lance que mereça uma conversa especial. Acho que a gente tem que encarar as coisas com naturalidade do jogo de futebol. Foi apenas um cartão vermelho e nada mais do que isso.