De olho no cofre

Juiz que liberou VLT de Cuiabá é irmão de assessor da Secopa; MP quer anular decisão

Vinicius Konchinski e Vinícius Segalla

Do UOL, no Rio de Janeiro e em São Paulo

  • Reprodução

    O juiz Julier Sebastião da Silva chamou a imprensa para informar sua decisão de liberar a obra do VLT

    O juiz Julier Sebastião da Silva chamou a imprensa para informar sua decisão de liberar a obra do VLT

O juiz federal que liberou as obras do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) de Cuiabá no último dia 16 é irmão de um assessor especial do órgão estadual que licitou a empreitada. Julier Sebastião da Silva, da primeira Vara Federal de Mato Grosso, é parente direto de Joel Divino da Silva, funcionário comissionado da Secopa-MT (Secretaria Extraordinária da Copa do Estado de Mato Grosso), encarregada de preparar a capital mato-grossense para o Mundial de 2014.

Vencedor de licitação do VLT de Cuiabá era conhecido um mês antes do resultado

  • Arte UOL

    A licitação para definir o consórcio construtor do VLT de Cuiabá, atualmente orçado em R$ 1,47 bilhão, tinha o seu vencedor conhecido pelo menos um mês antes da entrega das propostas dos consórcios concorrentes e da abertura dos envelopes. No dia 18 de abril deste ano, uma mensagem cifrada publicada no jornal Diário de Cuiabá revelou que o Consórcio VLT Cuiabá sairia vencedor do certame. LEIA MAIS

Não é a primeira vez que Julier julga um caso em que seu irmão Joel está envolvido. O Tribunal Regional Federal da região de Mato Grosso já anulou pelo menos sete julgamentos do juiz porque Joel também tinha alguma ligação com a causa.

Foi a Secopa-MT quem contratou o consórcio VLT Cuiabá para a construção da linha de trem urbano orçada em R$ 1,47 bilhão. Esse contrato foi questionado pelo MP-MT (Ministério Público de Mato Grosso) e pelo MPF (Ministério Público Federal), que pediram sua anulação.

No início deste mês, o juiz federal Marllon Sousa acatou o pedido, e determinou liminarmente a paralisação do VLT. Segundo o juiz, o investimento na obra é desproporcional às necessidades de Cuiabá e poderia agravar a situação fiscal do Estado de Mato Grosso. 

Dias depois, entretanto, o juiz Julier, irmão do assessor da Secopa, derrubou essa liminar. Julier assumiu o caso depois de Marllon sair de férias. Logo determinou a realização de uma audiência com secretários do governo de Mato Grosso. Depois, suspendeu a anulação do contrato proposta pelos promotores e procuradores, autorizando a retomada das obras do VLT.

Na última terça-feira, MP e MPF solicitaram formalmente que o juiz Julier seja afastado do caso. Eles protocolaram uma petição encaminhada ao próprio juiz, pedindo que ele se declare impedido de julgar processos sobre o assunto, já que seu parente trabalha em um órgão diretamente interessado na realização da obra em questão.

"Tal posição visa resguardar a correta e justa aplicação da lei, bem como evitar futuras nulidades dos atos presididos pelo excepto [o juiz Julier]", justificam os promotores e procuradores na ação entregue ao magistrado.

Se o juiz aceitar o pedido do MP e do MPF, a autorização para a obra do VLT dada por ele será cassada automaticamente. A decisão do juiz Marllon Sousa voltará a valer e, portanto, o contrato da obra será novamente anulado.

Caso Julier se negue a deixar o caso, o pedido do MP e do MPF será analisado pela segunda instância da Justiça Federal, o Tribunal Regional Federal. É lá que será decidido se o juiz pode mesmo julgar o processo do VLT, mesmo tendo um irmão trabalhando na Secopa.

As obras, conforme revelou o UOL Esporte, foram contratadas por meio de uma licitação suspeita. O ex-assessor especial do governo de Mato Grosso Rowles Magalhães Pereira da Silva disse que o consórcio VLT Cuiabá pagou R$ 80 milhões em propinas para garantir que venceria a concorrência pela obra. Por isso, o resultado da licitação já era conhecido um mês antes da abertura das propostas, segundo ele.

Depois das reportagens do UOL Esporte, a Polícia Civil de Mato Grosso e os ministérios públicos abriram novas investigações sobre o VLT. Rowles foi exonerado do cargo e desde então não proferiu publicamente nenhuma declaração.

Já o governador de Mato Grosso, Silval Barbosa (PMDB), embora afirme desejar uma apuração profunda do caso, ainda não informou quem indicou Rowles ao cargo, os motivos de sua contratação ou as funções que desempenhava. Pelo contrário, desde o dia 17 de agosto, o governador tem evitado a imprensa, e se recusado a responder perguntas sobre o assunto.

Histórico

Engenheiro agrônomo, Joel já foi designado por seu irmão como perito em algumas ações que tramitaram na Justiça. As análises de Joel ajudaram Julier a julgar os procedimentos. Depois que envolvidos nos processos souberam do parentesco entre juiz e perito, porém, recorreram das decisões e conseguiram anulá-las.

Uma orientação do TRF da região de Mato Grosso veda que juízes nomeiem como peritos parentes ou cônjuges. O Código do Processo Civil também diz que juízes não devem julgar casos em que parentes estejam interessados na causa.

O UOL Esporte procurou o juiz Julier para que ele comentasse o julgamento da obra do VLT e a relação do caso com seu irmão Joel. O juiz informou por meio de sua assessoria de imprensa que só vai se manifestar na resposta formal que dará ao pedido do MP e do MPF.

O irmão do juiz Julier, Joel, também foi procurado na Secopa. Ele chegou a atender à reportagem, mas disse que seu irmão e a própria Secopa são os únicos que devem se pronunciar sobre a questão.

Já a Secopa informou que Joel Divino dos Santos ocupa cargo comissionado no órgão deste outubro de 2011. Sua nomeação ocorreu em razão de sua experiência na área de licenciamento ambiental. "Ele [Joel] trabalha na Superintendência de Projetos e Licenciamentos Ambientais, onde atua diretamente com os licenciamentos ambientais das obras. Como agrônomo, ele tem atribuições técnicas para desempenhar a função", informou a secretaria.

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