Os bons moços

Quem são os pilares da seleção brasileira
Júlio Baptista

Vinícius Mesquita
Em Roma (ITA)

Ele estava despreocupado, pronto para desfrutar das férias após um bom trabalho pelo Arsenal, em 2007. Naquele instante, não ocorria a Júlio Baptista a ideia de que poderia defender a seleção brasileira. Mas Dunga o surpreendeu: “Fui convocado para a Copa América. Comecei como a terceira opção para o meio-de-campo. Mas tive uma chance na segunda partida da competição, fui bem e ganhei a posição. Terminei como titular”, explica.

JB em 24 horas

Para ver o que o Júlio Baptista faz no dia-a-dia, navegue utilizando as setas

Começava aí a dinastia de Júlio Baptista. Quando Kaká não estava à disposição, Dunga geralmente escolhia o viril meia da Roma para coordenar o meio-de-campo da seleção brasileira. E ai de quem ousasse a contestar a opção definida pelo treinador. Nem mesmo o coro de milhões de vozes pedindo a convocação do santista Paulo Henrique Ganso para a Copa do Mundo dobrou o obstinado técnico da seleção. Afinal, Júlio foi fiel a todos os mandamentos do treinador nos últimos três anos: demonstrou comprometimento, esteve sempre à disposição da seleção (inclusive nas férias), jamais torceu o nariz por ficar no banco de reservas e colaborou pela unidade do grupo durante a disputa de títulos importantes, como na Copa América de 2007.

“Quando fui chamado para a Copa América, sabia que estava aproveitando o espaço deixado pelo Zé Roberto. Ele tinha acabado de renunciar a seleção porque não acreditava mais que pudesse ser convocado para torneios importantes”, disse Júlio.

“O Diego (ex-Santos, atualmente na Juventus-ITA) era o titular naquela época, mas não foi bem na primeira partida, contra o México (derrota do Brasil por 2 a 0). No segundo jogo, contra o Chile, o Dunga escalou o Anderson (ex-Grêmio, atualmente no Manchester United) como titular. Mas ele também foi mal. Entrei em campo após o intervalo e agradei. Ganhei a posição e fiz até gol na final, contra a Argentina”, resume o meia.

Pronto. Estava criado o forte laço de confiança entre Dunga e Júlio Baptista. Nem mesmo algumas discretas atuações pela Roma teriam influência para dissuadir o treinador de convocá-lo. O pacto só poderia ser desfeito se Júlio desapontasse o treinador em convocações posteriores. O que não aconteceu. O meia não decepcionou durante as partidas para eliminatórias da Copa do Mundo, enfrentou os entediantes compromissos amistosos e se comportou bem como reserva de Kaká no grupo campeão da Copa das Confederações de 2009.

Em cinco jogos disputados na Copa das Confederações, o meia da Roma só entrou em campo uma vez, no jogo da primeira fase contra os Estados Unidos, aos 23 minutos do segundo tempo, quando o Brasil já vencia por 3 a 0. Em 53 jogos comandados por Dunga na seleção, Júlio Baptista participou de 26 e marcou cinco gols. Caso alguém reclame de seu aproveitamento, Dunga pode sacar do bolso seu bloco de estatísticas e mostrar: com exceção de Kaká, nenhum outro meia fez mais do que cinco gols neste mesmo período.

“O comprometimento com a seleção não começou agora. Estamos unidos há mais de três anos. A imprensa não cobrou a falta de comprometimento do grupo da Copa de 2006? E então? Estamos comprometidos agora.”

O meia em poucas palavras

  • Hoje, o jogador precisa construir uma boa imagem para não ter problemas. Sei que tenho uma boa imagem

  • Vai ser muito difícil alguém um dia atingir o nível que o Dunga alcançou na seleção

  • Eu cresci ouvindo samba. Na minha casa, todo mundo fazia samba. Mas hoje eu também gosto de Djavan, Ana Carolina, Usher, Rihanna e Beyoncé

  • A seleção brasileira não é favorita por nossa causa. Ela é favorita graças aos jogadores do passado. As cinco estrelas no peito são respeitadas

  • Gostaria de retornar ao São Paulo para fazer minha despedida. Tenho muito carinho pelo clube e sou bem recebido quando visito. Mas ainda é cedo para pensar nisso

Júlio é alto, tem 1,87m, e pesa 82 kg. Está longe de ser gordo; cuida diariamente da forma física na academia do Centro de Treinamento da Roma. Não é ágil e seu jogo não provoca interjeições do tipo “uau!”, “nossa!” e “oh!”, mas tem fôlego privilegiado e inteligência para atuar ao lado de atletas mais talentosos. Mais do que isso. É um homem sensível às evoluções do futebol.

“É impossível que um jogador progrida nos dias de hoje sabendo jogar em uma só posição. Veja o Daniel Alves. Analise o Robinho. As pessoas não percebem, mas o Robinho é capaz de desempenhar qualquer trabalho dentro de campo. Eu jamais parei de me preocupar com a minha evolução técnica. No esquema 4-4-2, geralmente atuo como terceiro homem do meio-de-campo, mas posso exercer outras funções."

E para ganhar mais pontos, Júlio parece trafegar com facilidade no ambiente austero disseminado por Dunga pela seleção. Noitadas regadas a álcool e pagode, nem pensar. O jogador é noivo da espanhola Silvia Nistal e a data do casamento está marcada para o dia 23 de julho, doze dias após o final da Copa. Para alegrar a noiva, Madri foi a cidade escolhida para a cerimônia religiosa. “Adoro a Espanha. Tenho uma casa lá e um dia eu volto para ficar."

Júlio gosta de ver filmes ou programas esportivos brasileiros na televisão. No período da tarde, após perder uma hora com atividades domésticas - "Vou ao banco, faço algumas compras" -, vai atrás de seu passatempo predileto: a prática do golfe. À noite, quando não janta com a noiva no restaurante japonês Shinto ou com os amigos brasileiros no Jero (culinária italiana), vai ao cinema.

“Não gosto de sair de casa. Prefiro ficar tranquilo, na minha”, diz.

O Jero, um misto de cantina e casa de shows, é um tradicional reduto dos jogadores de futebol, principalmente dos atletas da Roma. “É, dá Lazio não gostamos”, brinca Roberto Recchiuti, um dos proprietários do restaurante. “O Júlio vem umas duas vezes por semana. Ele até comemorou o último aniversário aqui (1º de outubro). É um pessoa muito discreta e nós respeitamos a privacidade dele. Aqui, não falamos de futebol. Deixamos ele tranquilo.”

Julio costuma frequentar o Jero acompanhado de seus dois principais amigos na cidade, o zagueiro Juan e o meia Taddei, ambos jogadores da Roma. O dia preferido é a quinta-feira, quando o restaurante prepara uma festa brasileira. “Até mudamos o cardápio e alteramos a música. É uma maneira de homenagear os brasileiros que gostam daqui. Aliás, se você se encontrar com o Careca, dê um abraço nele por mim”, diz o animado Recchiuti, referindo-se ao ex-atacante da seleção brasileira, que defendeu o Napoli entre 1987 e 1993.

O apartamento de Júlio Baptista fica em uma área nobre de Roma, um pouco afastada da concorrida região central, sempre cheia de turistas. O atleta tenta resolver todas as obrigações de seu cotidiano em seu pequeno bairro. Para a entrevista, por exemplo, ele optou por um café localizado nas ruas do condomínio. “É mais fácil. Em outro local, não teríamos muito sossego”, disse.

“Tudo gira muito rápido”, comentou. “Acho que este ainda não é o melhor momento da minha carreira. O grande momento acontece quando você menos imagina. Espero que as maiores surpresas estejam por vir.”

Compartilhe:

    Siga UOL Copa do Mundo

    Placar UOL no iPhone

    Hospedagem: UOL Host