Corintiano sem movimentos do corpo vive saga para ver jogo no Itaquerão

Vinícius Segalla

Do UOL, em São Paulo

O administrador Ricky Ribeiro é um especialista em mobilidade urbana. Formou-se em administração pública na FGV (Fundação Getúlio Vargas), defendeu sua dissertação de mestrado em  sustentabilidade na Universidade Politécnica da Catalunha (UPC, Espanha) e fez MBA Executivo na Universidade de Barcelona (UB, Espanha).

Em setembro de 2011, Ribeiro lançou o site Mobilize, que se transformou em referência para os formuladores de políticas públicas sobre o tema. Já produziu mais de 300 reportagens e publicou mais de 7.000 notícias, estudos, estatísticas e análises sobre transporte urbano e soluções sustentáveis para o crescimento e desenvolvimento das grandes cidades.

Ricky Ribeiro tem problemas de mobilidade. Em 2008, aos 28 anos de idade, foi diagnosticado com Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), doença neurológica degenerativa que causa atrofia muscular global enquanto a mente permanece intacta. Atualmente, encontra-se acamado, mexe apenas alguns músculos da face. Lê, escreve e fala através de um computador, de um software sueco e da dança do seu olhar.

"No dia que recebi o diagnóstico, entrei na internet e li sobre a doença. Tudo que dizia era negativo. Foi um choque. Fiquei muito triste e chorei, mas minha tristeza durou apenas um dia. No dia seguinte, acordei e decidi que ia focar minha energia em duas coisas: tentar combater a doença de todas as formas possíveis e escolher atividades prazerosas para fazer nos momentos em que não estivesse em tratamento", conta Ricky Ribeiro.

E foi isso mesmo que ele fez. Foi atrás de acupuntura, medicina ortomolecular, transplante de células tronco, tratamento espiritual, medicina alemã, além de fisioterapia, fono e terapia ocupacional. E também fez curso de fotografia, aula de política, visitou parques e equipamentos culturais pela cidade, andou de asa-delta, fez algumas viagens e segue trabalhando no Mobilize, 12, 13 horas por dia.

Mas Ricky Ribeiro tem uma paixão, e um sonho ainda por realizar. É apaixonado por futebol e pelo Corinthians. Já foi a 19 estádios, já viu o seu Timão de cadeiras de rodas no Pacaembu, quando a doença ainda não evoluíra ao ponto de tornar necessária uma cadeira especial, acompanhada de um respirador, para que possa se locomover.

Ele sonha ver um jogo da Copa, no Itaquerão. E está atrás de seu sonho.

"A ideia de assistir a um jogo da Copa na Arena Corinthians começou com uma brincadeira com meu melhor amigo, o Higor. Sabendo da minha paixão por futebol, ele  me escreveu um dia, indagando se não havia uma forma de ir a algum jogo da Copa", conta Ricky, pela voz metalizada do computador. "Eu respondi que adoraria, mas que, para isso, precisaria de uma estrutura e de um esquema especial para chegar e sair. A melhor forma de ir sem chegar lá exausto seria alugar uma ambulância ou algo parecido. Precisaria levar minha cadeira especial, o respirador e o aspirador. Também precisaria de ingressos em uma área reservada ou camarote para mim e mais três pessoas".

Os dois amigos bolaram um plano: escrever pedindo ajuda ao apresentador da TV Globo Luciano Hulk. "Eu associei que o Luciano Hulk é um entusiasta de mobilidade urbana e garoto propaganda do banco Itaú, banco que é patrocinador da Copa do Mundo e também do portal Mobilize Brasil".

O amigo Higor escreveu a carta e enviou diversas cópias para o programa Caldeirão do Hulk. Quando o início da Copa foi se aproximando e não chegava qualquer resposta, os amigos decidiram entrar em contato com o Itaú, explicando a situação e perguntando se eles poderiam ajudar.

Alguns dias depois, veio a resposta. Sim, estavam dispostos a ajudar. Disseram que conseguiam os ingressos para o camarote do banco, mas não a entrada de uma ambulância no estádio. A princípio, o COL (Comitê Organizador da Copa, ligado à Fifa). Se recusou a permitir a entrada do veículo no Itaquerão. Alegou questões técnicas. Ao UOL Esporte, disse que existem, nas arenas da Copa, algumas vagas disponíveis nos estacionamentos para pessoas com deficiência (ou PCD).

Mas, explicou o COL, "para ter acesso a essas vagas especiais de estacionamento, bem como passar pelos pontos de verificação veicular ao redor dos estádios, os espectadores terão que receber e apresentar a credencial oficial do veículo para o evento. As pessoas que poderão receber a credencial veicular oficial serão aquelas que, no ato da compra, fizeram a opção pelo ingresso de PCD". Assim, como Ricky não tinha solicitado a tal credencial, ele não poderia ir.

Alguns dias depois do contato do UOL Esporte, porém, o COL voltou a procurar Ricky. Disse que poderia abrir uma exceção. Ao se debruçarem sobre as questões técnicas envolvidas, no entanto, encontraram mais dificuldades.

Não há tomadas na área de cadeirantes do Itaquerão, então não seria possível ligar o respirador de que Ricky necessita. Além disso, seria preciso mais espaço do que o que pode ser ocupado por um cadeirante na arena; a cadeira especial e os equipamentos médicos de Rick, além da necessidade de, pelo menos, três acompanhantes, estavam a inviabilizar a operação. "Além disso, a pessoa do COL também falou que o departamento médico informou que não há uma rota de fuga em caso de emergência".

Isso tudo aconteceu durante a semana passada. O Itaú, por seu lado, também engendrava grandes esforços. Esforços que foram se revelando infrutíferos diante das dificuldades que se somavam, conforme explicou a equipe do banco em mensagem enviada a Ricky: "Entre diversos pontos, mesmo que disponibilizássemos seu acesso para o espaço privativo do Itaú, do camarote, não há visão do campo. Para assistir ao jogo, você teria que ir do camarote para as arquibancadas e, infelizmente, no estádio não há infraestrutura para que a cadeira seja transportada do espaço privativo para a arquibancada. Além disso, o espaço reservado para cadeirantes no estádio é bastante justo e, provavelmente, não comportaria a cadeira e os equipamentos que você precisa. Diante deste cenário, apesar dos nossos esforços, infelizmente, não conseguiremos te disponibilizar ingressos que te ofereçam as condições necessárias para que você assista ao jogo em segurança".

Assim estava o caso até o último sábado, dia 29. Ricky ainda mantinha esperança, mas parecia já se conformar diante do fato de que a acessibilidade que as estruturas do Itaquerão permitem estão aquém das necessidades que ele possui.

"Tanto as pessoas do Itaú como as do COL se esforçaram bastante para tornar este sonho uma realidade, mas chegou um ponto em que elas não tinham mais como ajudar. Eu ainda tenho esperanças de ir a algum jogo da Copa, mas, independentemente de conseguir, o que mais me encanta nesta história é ver a quantidade de pessoas querendo ajudar", escreveu Ricky, para a reportagem. Depois, fez questão de reforçar: "Só acho importante falar que as pessoas do Itaú e do COL com que eu tive contato foram muito solícitas". Está registrado.

No último domingo, porém, Ricky e sua família receberam nova ligação do COL. Disseram que continuam estudando o caso, e que talvez exista uma solução. Convidaram o pai de Ricky, que é médico, a visitar o Itaquerão e conversar com os técnicos do COL no local. A visita deverá ocorrer nesta segunda-feira. O próximo jogo no Itaquerão é nesta terça. Depois, só terá uma semifinal, quando a operação se tornará ainda mais complexa.

O sonho de Ricky despertou a boa vontade de muitas pessoas. Essa história ainda não chegou no fim, mas segundo o próprio protagonista da saga, já teve final feliz. 

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