Sem ingresso, argentinos enfrentam perrengues em SP só pelo clima de Copa

Vanessa Ruiz

Do UOL, em São Paulo

A cidade se diz preparada e eles vão chegando aos poucos. São milhares de quilômetros percorridos, muito mais do que percorreu a seleção argentina, que está tendo a sorte de jogar suas quatro primeiras partidas desta Copa do Mundo nas regiões Sul e Sudeste, sem necessidade de grandes deslocamentos.

Mas mesmo que não tivessem percorrido tantos quilômetros pelas estradas de Brasil e Argentina, os torcedores argentinos que começaram a estacionar seus carros e motorhomes em São Paulo neste fim de semana certamente passaram por muito mais adversidades. De pneu furado a falta de banho, passando por para-brisas quebrados e momentos de tensão num bairro afastado de áreas mais comerciais.

"A recepção dos brasileiros tem sido muito boa por todos os lugares onde passamos, cordial", diz Cristian Pervieux, produtor de TV da região de Entre Ríos, perto da fronteira com o Uruguai. Ele e outros quatro amigos alugaram para a viagem um motorhome da década de 1970 apelidado de "El Chalet". O custo total da viagem é de cerca de R$ 5 mil para cada um, sem falar nos ingressos para os jogos, que eles até agora não conseguiram comprar.

Já passaram por Santana do Livramento, Porto Alegre, Santos e agora São Paulo, com a expectativa de conseguir ver ao menos uma partida da Argentina. O que topam pagar é US$ 700 (algo em torno de R$ 1,5 mil) por ingresso, diz um deles, ao que outro logo corrige: "Não, US$ 700 é demais! US$ 500 [R$ 1,1 mil] no máximo".

Os cinco amigos andam achando o Brasil muito caro: "Comer é muito caro, fora os pedágios. Tem um pedágio a cada 50 quilômetros!", reclamam. Sentados à beira das arquibancadas do Setor A, ao som de uma etapa da Porsche Cup em andamento, eles matam a fome com pizzas compradas no restaurante vizinho acompanhadas por Fernet Branca. Eles trouxeram uma caixa de garrafas da amarga bebida feita de álcool com ervas como ruibarbo e genciana -- de leve, o sabor lembra o do mate, que, aliás, estava estrategicamente posicionado ao lado da mesa.

Na viagem, eles vão estacionando o motorhome onde dá. Ouviram falar, num posto de gasolina, da abertura do Autódromo de Interlagos para os argentinos e foram para lá porque acharam que era mais perto do Itaquerão. Acharam errado. O menor trecho de carro entre os dois pontos tem 38 quilômetros, 16 a mais que a distância do estádio para o Sambódromo.

Autódromo ou Sambódromo?

Mesmo no domingo, o espaço disponibilizado no Parque Anhembi já estava mais ocupado do que a beira da pista de Interlagos, embora ainda haja vaga para outros milhares de argentinos se acomodarem nos próximos dias tanto em um local quanto no outro. Mas enquanto no autódromo havia apenas três motorhomes, o Sambódromo tinha uma dezena de carros, barracas e ao menos quatro motorhomes maiores, incluindo o famoso ônibus do projeto "Mundial Andando", ideia de argentinos que compraram um ônibus antigo e o reformaram para viajar durante a Copa do Mundo.

Não tão chamativo, mas muito engenhoso, é o quase "motorhome" do jornalista Rubén Hernández, da região de Rosário. "Passei quatro anos construindo", conta. O motorhome foi montado sobre a base de um carreto, que é puxado pelo carro de Rubén. Quando aberto, o "quarto" tem 3,5 x 4,5 metros, com espaço para duas camas de casal e duas de solteiro, além de uma geladeira.

Na noite de sábado, o grupo de Rubén passou por um aperto. Seguindo o GPS, eles foram parar em uma vizinhança que os deixou um pouco assustados: "Acho que não era uma favela, mas quando nosso trailer emperrou numa subida, começou a juntar gente em volta. Ficamos um pouco tensos". Sem que ninguém chamasse, a polícia apareceu para ajudá-los e os removeu até um hotel na região. Região, aliás, que eles até agora não têm certeza de onde fica. "Demos sorte", conta Rubén, aliviado. Ele ficou sabendo dos locais destinados aos argentinos em uma praça de pedágio, no caminho para São Paulo.

Apesar de mais próximo do centro da capital e de Itaquera, a desvantagem da estrutura do Anhembi para o Autódromo é que ali não há chuveiro. Os argentinos que ali estão ainda não sabem como farão para driblar o problema. Por enquanto, já estão suficientemente felizes com o fato de haver um supermercado na região: "Queremos saber se dá para fazer um 'asado' [churrasco argentino] aqui porque temos tudo, só falta comprar a carne e saber se podemos acender o fogo", diz Fabián Aguirre, professor de Jornalismo e um dos companheiros de Rubén na viagem.

Vanessa Ruiz/UOL
O "motorhome caseiro" do argentino Rubén Hernández, à direita na foto
Ao contrário dos estacionados no autódromo, o pessoal que chegou cedo ao Sambódromo não está tão preocupado com os ingressos. A experiência parece entretê-los mais do que a esperança de ver a Argentina em campo. Experiência cheia de desafios. Depois de ver compatriotas tomando multas e sendo expulsos da praia de Copacabana, a maioria soa grata pelo fato de poder estacionar ou acampar em um lugar amplo e policiado: "Ainda bem que a prefeitura disponibilizou esse lugar para ficarmos", diz Augustina Guerreño, de Buenos Aires. Ela sabe que não poderá pagar por um ingresso das mãos de cambistas, mas que aproveitar ao máximo a experiência no Brasil.

No início da noite deste domingo, Augustina era a única mulher no estacionamento do Sambódromo: "Tem mais, sim, é que elas não estão aqui. Mas a maioria é de homens". Quando pergunto a ela e ao irmão porque há poucas mulheres, eles não sabem responder. "Só sei que eu sou muito, muito fã de futebol e tinha que vir de qualquer jeito", responde a argentina de 22 anos que veio ao Brasil usando o dinheiro que guardava para comprar um carro. A mãe apoiou dizendo que era uma oportunidade única e Augustina resolveu seguir o irmão, mentor da ideia.

Eles vieram de ônibus fretado com outros 40 argentinos desde a capital do país, cada um com um destino diferente. O deles era São Paulo e isso era tudo o que sabiam. Quando chegaram à rodoviária do Tietê, buscaram um posto de atendimento a turistas e se deram conta de que os preços dos albergues, que deveriam ser a opção mais barata de acomodação, eram muito altos. Até que, antes que precisassem criar um plano mirabolante para encontrar um local onde armar a barraca que trouxeram, alguém os avisou sobre o Sambódromo.

Depois de encontrar um espaço próximo aos banheiros, entre dois motorhomes maiores, eles passaram o dia na Fan Fest do Vale do Anhangabaú. "Assistimos ao jogo de Holanda e México, mas estava meio caída, sem emoção", avaliou Augustina, esperando que a situação seja outra quando a invasão argentina se consumar na terça-feira, dia do jogo com a Alemanha pelas oitavas de final da Copa.

A próxima partida seria em Brasília, mas a maioria dos entrevistados pelo UOL Esporte está chegando de Porto Alegre ou direto de casa e pretende ir para o Rio de Janeiro depois do jogo de terça. Apesar das brincadeiras e provocações que tomam conta quando as câmeras de TV são ligadas, eles não soam muito confiantes no destino da sua seleção.

Experimentando uma outra São Paulo

Os argentinos que optaram pelo Autódromo de Interlagos estão conhecendo uma São Paulo bem diferente dos turistas que têm se concentrado no eixo Vila Madalena - Av. Paulista. Na noite de sábado, por exemplo, eles foram à casa noturna Coração Sertanejo, na Av. Robert Kennedy, em Interlagos. "Dançamos forró, pagode, funk. Estamos todos de ressaca", dizia Rodrigo Omar, de 23 anos, que mora há cerca de oito meses no Brasil e se encontrou com o pai, o tio, dois irmãos e dois primos para a viagem de motorhome.

O autódromo está a cerca de 23 quilômetros da Vila Madalena, onde o Carnaval fora de época tem tirado o sono dos moradores e, consequentemente, da Prefeitura de São Paulo, que já aumentou policiamento e infraestrutura de lixeiras e banheiros químicos. No material criado pela administração da cidade para ser distribuído aos argentinos em hotéis e praças de pedágio não há menção à Vila Madalena. O objetivo é desafogar o bairro, que tem recebido milhares de estrangeiros e brasileiros todas as noites durante a Copa.

Os argentinos estacionados na zona Sul da cidade não pareciam estar sentindo falta de nenhum agito maior do que o encontrado em Interlagos, mas já tinham ouvido falar da Vila Madalena, assim como os que estavam no Sambódromo. A expectativa é de que pelo menos de 70 mil "hermanos", a maioria deles sem ingresso, cheguem a São Paulo nos próximos dias.

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