Cadeirantes no jogo da seleção: 'Não é porque levanta que não é deficiente'
Aiuri Rebello
Do UOL, em Brasília
Desde o início da Copa circulam nas redes sociais imagens que apontam suspeitas sobre torcedores cadeirantes que se levantam da cadeira de rodas durante as partidas da Copa do Mundo para torcer em alguns momentos. Essas fotos seriam prova de que na verdade essas pessoas não possuem deficiência alguma e aplicam o golpe do falso portador de necessidades especiais apenas para ir aos jogos do Mundial -- além de mais baratos, esses ingressos dão direito a um acompanhante e eram os únicos disponíveis de última hora para a maioria das partidas.
Apesar de condenarem o suposto golpe, diversos cadeirantes ouvidos pela reportagem do UOL Esporte dentro do estádio Mané Garrincha nesta segunda-feira (23), durante a vitória do Brasil sobre Camarões por 4 a 1, alertam para o risco da generalização e do pré-julgamento, na medida em que não é por que alguém ficou em pé que não seja portador, temporária ou definitivamente, de alguma necessidade especial.
"Não é por que ficou em pé que não tem nenhuma deficiência, necessidade especial", afirma o publicitário Rodrigo da Rocha Meireles, de 48 anos, que foi ao estádio acompanhado do irmão para assistir à vitória do Brasil. "Eu perdi os movimentos das pernas há cerca de 15 anos, em um acidente de carro, e não posso levantar, mas conheço quem anda de cadeiras de rodas, precisa dela, e pode", dizia durante a partida.
"Existem casos de pessoas que estão doentes e muito fracas para caminhar em volta e dentro do estádio, mas conseguem ficar de pé, pessoas com amputações, que andam de muletas normalmente mas em uma situação dessas precisam de uma cadeira de rodas e vários outros casos, não dá para pré-julgar", diz o publicitário. "Mas desde que teve essa polêmica estou atento a golpistas, ainda não vi nenhum", afirma ele, que já foi a dois jogos da Copa em Brasília.
O engenheiro Marcos Vinicius Souza, de 37 anos, quebrou a perna direita duas semanas antes do jogo do Brasil enquanto percorria uma trilha de moto e, apesar de não ser cadeirante, teve de usar uma cadeira de rodas para ir ao estádio. "Eu tinha um ingresso normal, e na última hora tentei trocar mas disseram que não tinha mais o de cadeirante", explica ele, que consegue se locomover de muletas, mas não nas longas distâncias dentro e fora da arena. "Vim de cadeira de rodas com o ingresso normal, quando me viram nessa situação, não deixaram eu subir para a arquibancada e me arrumaram um cantinho aqui", dizia ele posicionado na área reservada para cadeirantes no estádio.
A esposa e o sogro assistiam à partida na arquibancada e passariam ali para buscá-lo quando o jogo acabasse. "Mas é uma sacanagem usar isso para entrar no estádio, se visse ia ficar louco da vida", diz o engenheiro.
A funcionária pública Valéria Braga, de 42 anos, foi ao Mané Garrincha como acompanhante do marido José Afonso Braga, aposentado de 43 anos portador de esclerose lateral amitrófica -- a mesma doença degenerativa do físico inglês Stephen Hawking. Ela conta que para comprar o ingresso, exigiram que ela apresentasse o atestado médico da condição do marido. Dias depois da compra, a Fifa entrou em contato com ela para ir buscar o adesivo para colar no vidro e poder estacionar o carro próximo ao estádio.
'Milagre'
"Eles foram muito rigorosos para vender o ingresso e na hora da entrada também, acho que justamente por causa dessas notícias de golpe", diz Valéria, fazendo questão de frisar que foram bem tratados o tempo todo, e que os seguranças e voluntários foram bastante prestativos. "Souberam nos indicar o acesso especial, trazer até aqui, checaram o ingresso e nossos nomes e tinham recomendado trazer o atestado médico", diz ela. "Acho complicado julgar por uma imagem, eu vi as discussões rolando, mas se está mesmo acontecendo isso, aqui a gente não viu", diz ela.
A reportagem do UOL Esporte esteve em três áreas reservadas para cadeirantes e acompanhantes durante a partida desta segunda-feira no estádio Mané Garrincha. Em nenhuma elas flagrou algum suposto falso cadeirante, e não viu ninguém que usava cadeiras de rodas ficando de pé. Apesar disso, o que não faltava era pessoas aproveitando a área -- espaçosa -- para assistir ao jogo em pé por ali mesmo. PMs, torcedores, voluntários e socorristas do estádio foram vistos assistindo à partida e tirando fotos dentro destes locais, supostamente restritos.
Na semana passada, o chefe de segurança da Fifa, Thierry Weil, ironizou a situação dos supostos golpistas ao ser questionado sobre o assunto por jornalistas. "Se alguém vem ao jogo em uma cadeira de rodas, mas se levanta e começa a comemorar, não sei dizer se isso é um milagre", disse ele.
"Posso afirmar que se virmos isso acontecer iremos até essas pessoas e vamos retirá-las do estádio junto com a cadeira de rodas", afirmou na ocasião o dirigente. "Os critérios são os mesmos de todo lugar e nos foram passados pelo governo brasileiro. Essas pessoas precisam ter um adesivo em seus carros dizendo que elas têm necessidades especiais. E repito, brincadeiras sobre milagres à parte, que essas pessoas devem sempre trazer atestados médicos ou outros documentos que comprovem suas condições", explicou.