Na cracolândia vizinha da seleção, Neymar e J. Cesar viram nomes de drogas

Luiza Oliveira e Pedro Ivo Almeida

Do UOL, em Fortaleza

Dentro de um hotel de luxo, cercado por seguranças, homens do exército e policiais federais, Neymar tem status de popstar mundial e representa a esperança de gols da torcida brasileira para mais um jogo da Copa do Mundo – na próxima terça, contra o México, na Arena Castelão. A menos de 100 metros do local, no entanto, o nome do camisa 10 tem outro significado, refletindo toda a desigualdade da região de Fortaleza que recebe o time de Luiz Felipe Scolari.

Em uma favela dominada por lixo, drogas e prostituição infantil, o craque vira crack, a droga que mata e destrói parte da vida da comunidade Moura Brasil, também chamada de "Oitão Preto".

"E aí, chefia, quer um Neymar ou um Júlio César?", questionou um morador da cracolândia ao cruzar com a reportagem em uma das ruas sem asfalto do lugar. "Neymar é como chamamos o crack, e Júlio César é o pó, branquinho", explicou o "vendedor" de uma das regiões mais violentas da capital cearense.

Mais à frente, o aposentado Wilson da Silva tenta esclarecer a situação sombria do local.

"A Copa do Mundo deles é essa. Aproveitar a movimentação aqui das redondezas para aumentar as vendas. Dá até pena. Eles não duram muito tempo. Vivemos em um lugar abandonado. É triste demais saber que a única relação que temos com a seleção é o nome das drogas. Estamos tão perto e, ao mesmo tempo, tão longe. O saneamento, a saúde e a segurança não chegaram aqui", lamentou o simpático aposentado, enquanto comprava refrigerante em uma birosca.

A segurança, de fato, não é o forte do lugar. E nem mesmo a polícia que cerca a região por conta da presença da seleção brasileira é capaz de resolver o problema.

"Se eu fosse vocês, não passaria daqui", alertou um agente policial, em contato com a equipe do UOL, na esquina de uma das vielas. "Só posso garantir a segurança de vocês até aqui. Lá para dentro, não tem jeito. É área deles. É melhor não se meter", disse.

Prostituição infantil à luz do dia
Nesta mesma área "deles", o tráfico de drogas não é o único problema social de uma comunidade tão distante da realidade de Copa do Mundo e seleção brasileira.

Os traficantes que abordam as pessoas que passam pela rua não oferecem apenas drogas. "Já que não querem um 'Neymar', aceitam, então, uma menina nossa aqui?", disse, apontando para uma criança que, segundo comerciantes do local, teria apenas 14 anos.

"É só uma delas. Eles ficam explorando essas crianças aí o dia inteiro. E sempre tem um viciado que leva", disse Antônio Fernandes, que vende balas, chocolates e biscoitos na mesma rua. " E ninguém impede. A polícia nem chega aqui", relatou, confirmando o que a reportagem já havia percebido na entrada do "Oitão Preto".

Na rua principal da comunidade, bem em frente ao Hotel Marina Park, casa da seleção em Fortaleza, tráfico e prostituição são mais discretos. Mas os problemas não param.

"Até que não temos problemas com segurança. Mas quem nos garante aqui não é a polícia. O pessoal do tráfico é quem manda na região. Eles que fazem a segurança. Ninguém mexe", contou o estudante Daniel Fraga.

O jovem de apenas 18 anos até gosta de futebol, mas não se entusiasmou com a presença da seleção. E ele tem seus motivos.

"Falaram que teríamos várias obras, melhorias e nada foi feito. O lixo continua, não temos esgoto e isso aqui está cada dia mais feio. A Copa não ajudou em nada. A única coisa que fizeram foi pintar um corrimão. E só porque ele fica de frente para o hotel. Lá dentro [da comunidade], onde moramos, tudo segue como antes", lamentou.

Mas a situação complicada dos vizinhos não chega a preocupar o hotel que se tornou a casa da seleção. A administração do lugar minimizou os problemas nos arredores e valorizou a localização. Segundo a gerência do Marina Park, os melhores pontos turísticos de Fortaleza, além da tradicional avenida Beira Mar, estão a poucos minutos do local.

Os membros do hotel ainda ressaltaram que o lugar costuma receber delegações esportivas e artistas de passagem pela capital cearense.

De lá, Neymar, Júlio César e outros jogadores da seleção podem olhar para o mar e se inspirarem para o próximo desafio na Copa. Ou, se preferirem olhar para trás, poderão conhecer o "Oitão Preto" e encarar a realidade de um lugar distante do tão falado "padrão Fifa".

"Só queria que eles olhassem para cá e tivessem um pouco de noção da nossa realidade. Não queria muita ajuda. Se eles olhassem para as minhas crianças, já valeria muito mais que um dinheiro. Não gostamos de viver sendo ignorados", desabafou o segurança Francisco Aldemir, que mora com esposa, sogra e quatro filhos em um espaço de pouco mais de 20 metros quadrados.

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