De olho no cofre

Cidades-sede se esquecem de população removida para obras do Mundial

Tiago Dantas

Do UOL, em São Paulo

Nenhuma das 12 cidades-sede da Copa do Mundo criou canais para dar informações às pessoas que sofrem algum tipo de impacto provocado pelas obras de mobilidade e infraestrutura prometidas pelos governos para 2014. Em todo o país, entre 170 mil e 250 mil pessoas podem ser obrigadas a sair de suas casas para dar espaço a obras, segundo estudo da Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa.

Famílias que já foram removidas ou ainda devem sair de comunidades carentes não têm, à sua disposição, uma agenda de encontros com o poder público, uma linha de contato fácil com o governo e, em geral, não encontram margem para negociar mudanças nos projetos. O dado é uma das conclusões de estudo sobre transparência dos gastos públicos na Copa do Mundo feito pelo Instituto Ethos e divulgado nesta terça-feira, 3.

"Não há canais específicos nas sedes, como um telefone específico e gratuito para questões relacionadas ao impacto da Copa para que as pessoas possam ligar. Também não há uma agenda de reuniões com essas pessoas para discutir processos sobre essas remoções, impacto com comerciantes ou ambulantes, por exemplo", afirma Angélica Rocha, coordenadora nacional do projeto Jogos Limpos, do Instituto Ethos.

As prefeituras alegam que as pessoas que sofrem o impacto das obras previstas para o torneio tiveram a chance de participar de audiências públicas, onde os planos foram explicados. A crítica dos moradores, porém, é que nessas reuniões o poder público assume a postura de apenas informar o que pretende fazer, sem abrir espaço para sugestões ou para negociações que possam interessar às pessoas atingidas.

A confeiteira Cássia Sales, de 41 anos, está passando por uma situação dessas. Ela vive na Comunidade Trilho do Senhor, em Fortaleza (CE) desde que tinha dois meses. Três anos atrás, soube que, assim como outras cerca de 5 mil famílias da cidade, ela teria que sair da sua casa para dar espaço à construção do VLT (veículo leve sobre trilhos). O excesso de desapropriações previstas gerou até um processo na Justiça.

Morador não consegue negociar

"O governo vem impondo o projeto. E a cada 15 dias tem uma mudança que a gente só fica descobrindo depois. No início, quando ficamos sabendo que teria remoção, o governo não tinha nem um projeto habitacional para nos apresentar. Eles não negociam e não estão dispostos a negociar. Chegam na casa da gente, oferecem uma indenização que não dá pra nada e mandam o povo embora. Nós vamos resistir", afirma Cássia.

Os moradores da Trilha do Senhor marcaram uma reunião com o governo do Estado do Ceará para esta quarta-feira. Nos últimos dias, funcionários do governo têm frequentado a comunidade para avaliar as casas e propor o valor da indenização. "Foi a única vez que entraram em contato com a gente. Mas só estão fazendo essa vistoria porque foram na Justiça conseguir uma autorização. Não teve um diálogo."

Em outubro, o governo do Ceará havia informado que o Estado tentou reduzir ao máximo o número de desapropriações ao longo do projeto (o total caiu de cerca de 3 mil para 2,1 mil) e que o maior parte das propostas de indenização apresentadas foi aceita pelos moradores removidos. 

Reclamações sobre o tratamento dado pelo poder público são comuns entre moradores removidos de suas casas em outras cidades-sede. O jardineiro José Jorge Santos de Oliveira, que morava na Vila Recreio 2, no Rio de Janeiro, reclama dos procedimentos adotados pela prefeitura da cidade quando foi removido para a construção do BRT Transoeste, corredor de ônibus que liga a Barra da Tijuca a Campo Grande e Santa Cruz.

"A prefeitura nos deu um tratamento horrível. Só recebemos a indenização após dois anos de embates na Justiça. Ganhei R$ 13 mil reais, o que não dá para comprar nenhuma casa", disse o jardineiro, que reclama, ainda, da demora para o início da obra. Em setembro, o MP (Ministério Público) abriu uma investigação para apurar se a prefeitura não havia desapropriado uma área maior que a necessária.

Na época, a prefeitura havia informado que o processo foi feito de maneira democrática, respeitando os direitos de cada família. A retirada das famílias dos terrenos que ficam no caminho do BRT Transoeste e o reassentamento delas é feito com base em decreto municipal, "que estabelece regras claras, baseadas nos direitos humanos e na busca da moradia digna", ainda segundo a prefeitura.

Procuradas no fim da tarde desta terça-feira, as sedes citadas não haviam respondido até a publicação da reportagem. Após a coleta do material para o estudo de transparência dos gastos públicos na Copa, todas os municípios tiveram a oportunidade de contestar os dados. 

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