Vizinhos da seleção, moradores de favela sofrem com restrição para ir à praia

Luiz Paulo Montes, Ricardo Perrone e Rodrigo Bertolotto

Do UOL, em Fortaleza

Acostumados a restrições, os moradores da favela Oitão Preto, no centro da Fortaleza, numa das regiões mais violentas da capital cearense, se queixam que passaram a ter que conviver com mais uma por causa da presença da seleção brasileira na vizinhança.

Eles reclamam que a polícia proibiu o uso de uma pequena área da praia em que está o hotel do time nacional, em frente à favela. O local é tão tenso que até uma simples compra no mercado é feita com grades separando vendedores e clientes.

 Sem se identificar, um dos moradores disse ao UOL Esporte que foi impedido de nadar nesta segunda pela polícia em frente ao hotel.

Mais de uma vez, a reportagem viu crianças serem barradas por policiais numa pequena parte da praia, próxima às pedras. O policial Helano, um dos que protegiam a concentração, disse que ninguém estava proibido de nadar no local, mas que se aproximar das pedras era vetado para evitar invasões ao hotel e quedas de quem tentasse escalar as pedras.

O coronel da PM Júlio Rocha Aquino negou que exista uma proibição. Afirmou que os policiais apenas recomendaram que ninguém nadasse em frente ao hotel por ser uma marina, havendo riscos para os banhistas por causa das embarcações.

No último domingo, houve um princípio de invasão ao hotel. Crianças e adolescente chegaram a pular as grades em volta da concentração para tentar chegar perto dos ídolos. Nada demais perto da preocupação maior dos policiais que agora protegem o hotel. Eles querem manter  longe da seleção viciados em drogas que habitam um prédio desocupado em frente ao Marina Park.

No topo do prédio, Eliedzio Pereira, cabo da PM, faz observação por binóculo no esquema de segurança da seleção. Ele fica no alto do edifício invadido, enquanto nos andares inferiores usuários de crack entram e saem. A polícia fez apreensão de cachimbos e pedras, mas os viciados voltam para se drogarem por lá.

"Aqui nesta região nem a polícia fica após a meia-noite A favela do Oitão Preto tem várias bocas de fumo, e o trabalho da gente é deixar os viciados ali, sem que eles se aproximem do hotel da seleção. Estou aqui vigiando para que os usuários não joguem pedras com estilingue nos carros que passam na avenida, inclusive o ônibus da seleção", afirmou o policial.

 A rotina da favela do Oitão Preto começou a mudar no final da tarde de domingo, com a chegada do ônibus da seleção, escoltado por uma quantidade de policiais que os vizinhos do hotel não estão acostumados a ver.

Na manhã do mesmo dia, os moradores viram uma van usada como transporte público ser assaltada, do outro lado da mesma avenida em que chegou a seleção. O veículo parou no ponto, os assaltantes fizeram todos descerem e levaram o que quiseram. A polícia não apareceu.

Enquanto quem está no Marina Park é cercado de mimos, os vizinhos da frente vivem atrás de grades usadas como proteção. O bar logo na entrada vende a cerveja por trás das barras de ferro. E o mercadinho também. Ninguém entra, só estica o braço para pegar a mercadoria e dar o dinheiro..

"Nós ainda colocamos outra proteção pra ninguém passar a mão pela grade e puxar as coisas. O pessoal daqui não faz nada, mas vem gente de fora e rouba", diz Cristina, dona de um mercadinho local, sem revelar seu sobrenome e evitando ser fotografada.

Ela lamenta a falta de policiamento. "Agora tem bastante polícia do outro lado, no hotel, por causa da seleção. Mas e quando acabar a Copa das Confederações, como fica? Eles tinham que botar mais segurança aqui e cuidar da saúde, mas se preocupam com estádio. É bom a seleção estar aqui, mas e as outras coisas?", pergunta ela.

A queixa de abandono por parte da polícia destoa do aparato que protege a seleção. Policiais militares, civis, federais e o Exército vigiam o Marina Park.

Responsável pelo policiamento na região da favela, o major Falcão, da Polícia Militar, nega que a corporação não vigie a área. "Sempre estamos lá, principalmente na entrada. Foi escalada uma dupla de policias", afirmou ele.

Durante a visita do UOL Esporte ao local não havia policiais na entrada da favela.

Antes de a reportagem sair do mercadinho de Cristina, ela tentou matar a curiosidade. "Em São Paulo também é assim, né? Precisa de grade também, a gente só ouve falar de violência lá".

Cristina está entre os moradores que viram a van ser assaltada no domingo. A história se espalhou rapidamente pela comunidade.

"A gente vê isso toda hora, mas é como se não visse, é melhor assim. Tem muito ladrão, viciado e traficante por aqui, morre gente. Mas é diferente de São Paulo, não tem uma facção, é cada um por si. Eles respeitam quem mora aqui, mas quem é de fora é assaltado", conta outro morador, sem se identificar.

Ele aponta como um dos problemas um prédio abandonado, conhecido pelas autoridades como Panorama Artesanal. Afirma que lá moram viciados em drogas e que para sustentar o vício roubam quem passa pela avenida.

A reportagem se aproximou do local para fotografar o prédio. De repente, um policial militar que passava por lá de moto fez a volta na avenida e pegou a contramão para alertar a equipe do UOL Esporte sobre o perigo.

"Não fiquem aqui, se querem tirar foto tirem de lá do hotel da seleção. Lá tem policiamento, aqui ninguém vem ajudar vocês. O cara rouba, sobe na favela e ninguém mais acha" disse o policial.

Enquanto ele falava do prédio, aparentemente abandonado, com janelas quebradas, um rapaz observa lá de dentro atentamente a movimentação.

"Realmente há vários elementos, há o tráfico de drogas, mas não é concentrado. Hoje eles estão descentralizando, não concentram droga em um só local. Eles usam essa estratégia para não estourar a boca. Mas com a seleção, o policiamento foi reforçado", afirmou o major. O Governo do Estado tem um projeto para transformar o local numa escola de hotelaria.

"Vocês querem subir [no Oitão Preto]? Não dá, é muito perigoso. Só se estiverem com alguém conhecido", disse à reportagem Henrique Silva, nascido em São Caetano do Sul e que é dono do Bar do Paulista, na parte de baixo da favela. Ele vende bebidas e outros produtos por trás de uma grade, mas diz que nunca foi assaltado. Sua casa fica no andar de cima do estabelecimento.

Chamado de Coroa por seus clientes, que circulam de bermuda e sem camisa do lado de fora do bar, ele pediu para um morador acompanhar o UOL Esporte numa visita à comunidade.

O rapaz aceitou, mas logo na entrada pediu um tempo para buscar seus documentos em casa. Não voltou mais.

Preocupada, Rita Gomes pediu para a reportagem se afastar. Ela vestia uma camisa da Argentina e estava a espera da filha Riquelma, homenagem ao craque Riquelme, voltar da escola. A menina tem quatro anos e vinha numa perua escolar.

"Não torço para a seleção brasileira, gosto da Argentina desde a Copa de 78. O Brasil está aqui em frente e os jogadores nem mostraram a cara para o povo. Não merecem a torcida. Nem esse Neymar, que só sabe cair e fazer propaganda. Ele vai perder a Copa para o melhor do mundo", diz a moradora do Oitão Preto, apontando para o nome de Messi nas costas de sua camiseta.

Ela diz que gosta da vida na comunidade. Paga R$ 250 por mês para alugar uma casa de três cômodos. A quantia necessária para bancar a diária mais barata no hotel da seleção (R$ 800) dá para pagar três meses de aluguel dela. A mais cara (R$ 4.100) é suficiente para bancar 16 meses na casa.

Visível para os jogadores da seleção, a Oitão Preto mal aparece nos registros da prefeitura. A assessoria de imprensa da Fundação de Desenvolvimento Habitacional de Fortaleza diz ser impossível afirmar quantas famílias vivem lá.

Alega que parte dos dados deixados pela administração anterior está em papel e é difícil localizá-los. Além disso, o último levantamento feito na área é de 2009.

A melhoria de vida de Rita, Cristina e Henrique depende de o Ministério das Cidades liberar um novo financiamento para urbanização, segundo a assessoria de imprensa do órgão da prefeitura, que diz priorizar a região central da cidade.

Enquanto isso, os moradores da comunidade continuarão vivendo uma realidade bem diferente da sugerida numa inscrição no viaduto ao lado dela e que diz: "Fortaleza, bela e livre como o sol".

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