Ganenses aproveitam brecha na lei da Copa e pedem refúgio no Brasil

Adriano Wilkson

Do UOL, em São Paulo

Centenas de cidadãos de Gana pediram ou estão em vias de pedir refúgio para viver no Brasil e construir suas vidas aqui. Reclamando da falta de empregos em seu país, eles aproveitaram a facilidade de conseguir vistos de turista para o Brasil durante a Copa, compraram ingressos para os jogos de Gana e agora tentam legalizar sua situação para permanecer.

O estudante de contabilidade Banda Osuman, de 24 anos, está em um abrigo temporário mantido pela Prefeitura no centro de São Paulo. Ele disse que veio ao Brasil porque sua situação em Gana era "terrivelmente difícil", ele sofria com conflitos familiares e não tinha expectativa de emprego.

Comprou um ingresso para o jogo entre Gana e Portugal, em Brasília, conseguiu um visto de turista (garantido pela Fifa para compradores de bilhetes), mas não chegou a ir ao estádio. Com pouco dinheiro, ele vendeu a entrada e agora se prepara para pedir refúgio ao Ministério da Justiça.

"Para ser sincero, eu não conhecia nada sobre o Brasil antes de decidir vir", disse Osuman à reportagem. "Mas um amigo meu já tinha vindo e me disse que era um país muito receptivo, cheio de pessoas boas e empregos. Como era muito mais fácil conseguir o visto durante a Copa, aproveitei a ocasião."

Por exigência da Fifa, a Lei Geral da Copa garantiu visto sem burocracia aos turistas que compraram ingresso para o Mundial.

De acordo com o Ministério da Justiça, 180 dos 2.529 ganenses que vieram ao país no último mês já pediram refúgio com base em uma lei nacional que regula o direito para o imigrante com "fundado temor de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas".

Na semana passada, o governo ganense emitiu nota negando que o país seja palco de conflitos religiosos que possam ter motivado o êxodo de seus cidadãos. "Somos um dos países mais pacíficos e estáveis do mundo." A ausência de empregos, apontada por muitos imigrantes como o principal motivo da vinda, não aparece na lei brasileira como uma das condições para o direito de refúgio.

O número de pedidos, no entanto, deve aumentar já que existem cerca de 300 ganenses no Rio Grande do Sul, atraídos pelo anúncio de ofertas de trabalho na região. Os pedidos serão analisados pelo Ministério da Justiça, que pode ou não conceder o refúgio. A pasta já anunciou que fará uma força-tarefa para regularizar a situação dos imigrantes.

A Secretaria de Direitos Humanos da Prefeitura de São Paulo, onde estão cerca de 30 cidadãos do país africano, disse que está orientando os imigrantes a conseguir a documentação necessária para dar entrada no processo de refúgio.

Enquanto tramita um processo, os imigrantes não podem ser expulsos ou extraditados.

Medos e sonhos

Em situação de vulnerabilidade, vivendo em um abrigo mais cheio do que deveria, e em condições às vezes precárias, os ganenses relutaram em dar entrevista quando abordados pela reportagem. "De que histórias você quer saber? Não temos nenhuma história. Qual seu interesse em estar aqui?", foram as primeiras frases ouvidas de um dos homens que vivem no abrigo temporário.

De acordo com um dos imigrantes, eles não querem contato com a imprensa por temerem que sua história lhe cause problemas caso chegue a Gana.

O motorista Francis Otoo, de 29 anos, foi um dos poucos que aceitaram conversar e dar seu nome. Ele disse que sempre viu o Brasil como o país das oportunidades e espera conseguir um emprego, juntar dinheiro e trazer sua família, que ficou na África. E que em Gana, cor, origem e religião costumam definir as oportunidades que uma pessoa terá na vida. "No Brasil, o que importa é sua capacidade e você querer trabalhar."

Apesar de ter negado que tenha chegado ao país com o visto de turista facilitado pela compra de ingressos para a Copa, ele disse que conheceu muitos que vieram nessa condição, assim como Osuman.

Os dois, que já estão em São Paulo há cerca de duas semanas, adoram futebol e lamentaram a participação da seleção de Gana no Mundial. Depois de uma polêmica envolvendo o pagamento de premiações, os africanos foram eliminados na primeira fase.

"Os jogadores são bons, mas só querem saber de dinheiro e isso desestabilizou o grupo", analisou Osuman. Os atletas ameaçaram uma greve e não entrar em campo no duelo contra Portugal caso a federação não pagasse em dinheiro cerca de R$ 220 mil a cada um, valor acertado antes da viagem ao Brasil.

Eles só jogaram porque o presidente da República em pessoa foi até Brasília com uma mala cheia de dinheiro e fez o pagamento.

É uma realidade completamente diferente da de seus compatriotas que tentam realizar o "sonho brasileiro". No abrigo onde vivem provisoriamente junto com outros imigrantes de todo o mundo, às vezes faltam cobertores para suportar o frio da capital paulista. Quando a reportagem esteve lá, tinha acabado de haver uma briga entre os moradores porque um não gostou que o outro tivesse bebido uma garrafa de água. 

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