Redenção da defesa empurra Argentina à primeira decisão de Copa desde 1990

Do UOL, em São Paulo

Ángel Di María foi um dos destaques do Real Madrid no título da edição 2013/2014 da Liga dos Campeões da Uefa. Ezequiel Lavezzi, Rodrigo Palacio e Sergio Agüero também tiveram bons anos, respectivamente, em Paris Saint-Germain, Inter de Milão e Manchester City. E ainda há Lionel Messi, o protagonista, eleito pela Fifa o melhor do mundo em quatro temporadas. Antes do início da Copa de 2014, a Argentina era o time do ataque. Por isso, a história do time que disputará neste domingo a primeira decisão de Mundial em 24 anos também é de redenção. Em seis jogos disputados no Brasil, a seleção alviceleste mostrou que também sabe se defender.

Entre os times que chegaram às semifinais, a Argentina detém a defesa mais eficiente (apenas três gols sofridos). Apenas a Costa Rica foi vazada menos vezes (duas), mas a seleção da América Central disputou um jogo a menos – foi eliminada pela Holanda nas quartas de final.

A Argentina ainda tem 86% de eficiência nos desarmes (71 ações corretas em 83 tentativas). E tudo isso a despeito de ser o time que menos comete faltas entre os semifinalistas da Copa – 64 em seis jogos, com média de apenas 10,6 por partida. Líder do Mundial nesse quesito (126), a Holanda encerrou sua participação no torneio com 18 infrações por apresentação.

O grande artífice da eficiência defensiva argentina é Alejandro Sabella. Contratado em 2011, o técnico campeão da Libertadores de 2009 pelo Estudiantes encontrou um time com muitos talentos no ataque, mas pouca consistência. Com ele, a cara da seleção mudou: foram só 15 gols sofridos em 16 rodadas das Eliminatórias, desempenho superado apenas pela Colômbia (13).

O jornal argentino "Olé" chegou a dizer que Sabella "sempre preferiu opções conservadoras" na montagem da seleção argentina. No entanto, o treinador nunca foi omisso: trocou jogadores e mudou o sistema tático sempre que teve necessidade. A equipe alviceleste começou a Copa de 2014 com três zagueiros (Federico Fernández, Garay e Campagnaro), mas a formação durou somente 45 minutos. Desde o intervalo do jogo contra a Bósnia (vitória por 2 a 1), os sul-americanos têm usado linha de quatro defensores.

"Recebemos algumas críticas no primeiro jogo, mas crescemos muitíssimo depois disso. Temos uma equipe que se entrega totalmente em campo, com jogadores que se matam uns pelos outros, e os números são reflexo disso", disse o goleiro Sergio Romero em entrevista coletiva.

Romero vira unanimidade e prova segurança

A redenção da defesa argentina na Copa de 2014, contudo, não é apenas um assunto para Sabella. A evolução do setor passa por uma série de histórias individuais de superação, e o próprio Romero é um exemplo disso. Indicado pela Fifa ao prêmio de melhor goleiro do Mundial (os outros candidatos são Navas e Neuer), o titular era extremamente contestado antes do início do torneio.

Antes de Sabella anunciar a lista de convocados para a Copa de 2014, muitos na Argentina queriam o goleiro Willy Caballero, que fez grande temporada pelo Málaga (Espanha) e não foi sequer incluído nos 23 que estão no Mundial. Romero defende o Monaco (França), mas não é titular.

Romero disputou poucas partidas desde que foi contratado pelo Monaco. Foi mais usado na Copa da França, mas falhou nas semifinais e abriu caminho para a eliminação da equipe milionária diante de um modesto Guingamp. Titular da Argentina também na Copa de 2010, o goleiro chegou muito pressionado ao Mundial do Brasil.

Todo esse contexto precisa ser considerado para entender a importância da reação do goleiro. Ele pegou dois pênaltis nas semifinais contra a Holanda (vitória argentina por 4 a 2 após empate sem gols no tempo normal e na prorrogação). Foi o suficiente para o "Olé" chamá-lo de "San Romero" e o "Clarín" classificá-lo como herói.

Mascherano vira volante clássico e prova liderança

No entanto, o grande destaque individual da defesa argentina na Copa de 2014 não é Romero. O sucesso da zaga alviceleste passa necessariamente pelo desempenho do volante Javier Mascherano, incluído pela Fifa em uma lista com os dez melhores jogadores da competição.

Capitão da Argentina entre 2008 e 2011, Mascherano era um volante cuja fama equiparava atributos como líder e violento. Ele perdeu a braçadeira para Lionel Messi após ter sido expulso nas quartas de final da Copa América – na época, o meio-campista de contenção era muito contestado na Argentina pelo excesso de faltas e cartões.

No Barcelona, Mascherano havia perdido espaço entre os volantes por ser um jogador de poucos recursos técnicos. Foi recuado para a zaga, posição em que atuou em quase toda a temporada 2013/2014. Na Copa, porém, o desempenho do ex-capitão não teve nada disso: nem violência, tampouco limitação.

Mascherano esteve em campo em todos os 600 minutos da Argentina na Copa até aqui. Cometeu apenas sete faltas (média de 1,16 por jogo) e ainda não recebeu um cartão sequer. Além disso, é o jogador que mais correu na seleção alviceleste (62,7 quilômetros) e o líder de passes completos em todo o Mundial (552, com 87% de eficiência).

Entretanto, o desempenho é apenas um aspecto na construção do que Mascherano representou para a Argentina até aqui. A despeito de não ser mais o capitão, o camisa 14, apelidado de "Jefecito" ("Chefinho", em tradução livre), é o grande líder da seleção. Muito mais do que Lionel Messi, a referência técnica, cuja personalidade oscila entre a discrição e a introspecção.

Na preleção do jogo contra a Bélgica, válido pelas quartas de final, coube a Mascherano o discurso motivacional. Segundo o diário "Olé", o volante teria dito que a seleção precisava ganhar porque estava "cansado de comer m...", alusão aos 24 anos sem disputar uma semifinal de Copa.

De acordo com o jornal "La Nación", Mascherano ficou rouco em todos os jogos da Argentina na Copa. "Não é pelas comemorações. Fico sem voz pelo tanto que eu grito", explicou o volante.

Demichelis vira titular e prova segurança

É difícil encontrar na seleção argentina uma história de redenção mais contundente do que a de Martin Demichelis. O zagueiro de 33 anos já havia disputado a Copa de 2010. Um ano depois, porém, cometeu erro grosseiro em empate por 1 a 1 com a Bolívia, válido pelas Eliminatórias, e caiu em desgraça na equipe nacional. A falha coincidiu com período irregular dele em clubes – depois de oito temporadas no Bayern de Munique, rodou sem sucesso por Málaga e Atlético de Madri.

A situação de Demichelis só começou a mudar em 2013, quando o argentino foi contratado pelo Manchester City. O futebol do defensor cresceu depois disso, mas até a divulgação da lista ele seguiu pouco cotado para estar entre os convocados para a Copa.

Essa incerteza diz muito sobre o status de Demichelis até o início da Copa. O defensor tem 39 jogos pela Argentina, mas nunca foi unanimidade. Em 2010, por exemplo, ele foi um dos mais criticados na partida em que a seleção sul-americana foi eliminada do Mundial (derrota por 4 a 0 para a Alemanha).

Demichelis começou o Mundial como reserva da Argentina. Ganhou a posição depois das oitavas de final e montou com Garay uma zaga que ainda não foi vazada na competição. Os dois foram titulares na vitória por 1 a 0 sobre a Bélgica e no empate sem gols com a Holanda.

"Acordei e não sei se continuo dormindo... Posso levantar ou isso é real?", questionou o defensor na rede social Twitter depois da classificação para a decisão da Copa.

Defensores viram absolutos e provam regularidade

A história da defesa argentina na Copa de 2014 ainda passa por Zabaleta, Garay e Rojo. Os três também são jogadores com trajetórias muito contestadas na equipe nacional, mas provaram em 2014 que podem formar um setor consistente.

Garay é um exemplo disso. O zagueiro disputou seis partidas até aqui, mesmo número do brasileiro Thiago Silva na Copa. Ganhou do capitão canarinho em desarmes (44 a 37), passes completos (295 a 254) e distância percorrida (63,5 quilômetros a 50,7 quilômetros).

Rojo, então, tem sido eficiente na defesa e no ataque. Fez um gol na Copa, recuperou 37 bolas e marcou Robben, grande destaque da Holanda, no empate por 0 a 0 nas semifinais. "Tudo que nós temos vivido tem sido muito especial. Trabalhamos muito por isso", disse Zabaleta após a classificação para a decisão.

Se a Argentina vencer a Copa, os heróis podem ser os talentos que se espalham pelo setor ofensivo. No entanto, a história do time que enfrentará a Alemanha neste domingo, no Maracanã, só foi possível porque a seleção mostrou que aprendeu a se defender.

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