Festa do futebol perto da Linha do Equador, o saldo da Copa em Manaus

Felipe Pereira

Do UOL, em Manaus (AM)

Manaus e a Copa do Mundo viveram um amor de verão. Como todo relacionamento deste tipo, foi intenso, rápido e ficará guardado com carinho na memória. O romance que acabou há menos de 24 horas foi possível porque a vontade das duas partes em se divertir prevaleceu sobre as desconfianças mútuas.

Uma faísca bastou para a festa começar, e ela apareceu antes mesmo da bola rolar. O Largo São Sebastião, tradicional espaço em frente ao Theatro Amazonas, ficou mais bonito no dia do jogo Inglaterra e Itália. Os ingleses enfeitaram a escadaria com bandeiras do tamanho de toalhas de mesa. Os torcedores fantasiados pareciam vestidos para bailes de carnaval, tamanha a superprodução. Nessas horas, eram os manauaras que pagavam de turistas por tantas fotos que tiravam.

Deste ponto em diante, foi só seguir o embalo. A cidade assistiu a uma sequência de gente nova aparecendo e se comportanto de maneira diferente. Mas o desejo de festejar sempre estava na mala dos visitantes. Todos foram recebidos com hospitalidade e formalismo zero. A vontade de agradar superava a barreira da lingua.

Se o morador de Manaus não sabe inglês, ele acompanha o visitante até a porta do mercado. O dono do bar bebeu com o cliente americano, que esqueceu das questões de política internacional. O estrangeiro foi convencido a torcer pelo Irã no jogo contra a Argentina em nome da parceria recém-firmada com o novo amigo.

Os croatas impressionaram pelo comportamento de sapo: começa a chover a meia-noite e eles começam a cantar. Pulam em rodinhas, e os moradores fazem cara de surpresa. Não entendem que aqueles malucos ensopados têm pressa em viver Manaus porque o tempo na cidade é curto e o dinheiro, contado.

Com a simpatia que conquistaram, os croatas foram os primeiros a fazer sucesso com a mulherada. Mais tarde, os americanos iam nadar de braçada. O look blusinha e short curto fazia os olhos dos gringos brilharem. Por motivos diferentes, as irmãs eslovenas estavam hipnotizadas com as brasileiras. Achavam lindo um grupo dançando Lepo Lepo na Fan Fest.

O futebol virou uma celebração internacional na cidade. Não que Manaus estivesse com nariz torcido para Copa. Antes da estreia da seleção, havia bandeiras do Brasil nos carros, ruas enfeitadas e expectativa. Só que não existia o senso de compartilhar alegria com os estrangeiros. Este clima "cada um no seu quadrado" foi enterrado com a convivência com os ingleses antes mesmo da bola rolar na Arena Amazônia em 14 de junho.

A parceria enriqueceu os dois lados. Os gringos aprenderam que não tem macaco andando nas ruas de Manaus e que ser apresentado com três beijinhos não machuca. Os brasileiros viram pessoas de um país distante que nunca foram apresentadas entoando gritos tradicionais da terra natal.

O exercício de identidade nacional mostrou aos manauaras que há elementos culturais que unem pessoas. Sejam brasileiros cantando Cidade Maravilhosa em um bar em Londres ou americanos recitando Bruce Springsteen em praça pública.

A convivência por pouco tempo também impediu que os defeitos fossem conhecidos. Ninguém viu o lado brigão dos ingleses beberrões nem teve tempo de descobrir que os croatas cantavam para esconder as filhas porque caras bêbados estavam na cidade. Manaus também foi beneficiada pela efemeridade da relação. Assim, ninguém se encheu do trânsito congestionado ou reparou no lixo que boia nos córregos da cidade.

Num primeiro momento, o que os torcedores levam são boas memórias, acesso a modos de vida diferentes e muitas fotos de festas. São tantas informações que fica difícil processar imediatamente. Quem sabe em meses terão noção do que vivenciaram.

Quando a poeira assentar, essa mistura de costumes pode fazer as pessoas melhores. A chance existe, e se vão aproveitar vai depender da inteligência de cada um. O mais interessante é que os ensinamentos foram transmitidos festejando, provavelmente o melhor método pedagógico do mundo.

Também é bem possível que, na velhice, quando as pessoas que passaram por Manaus nesta Copa analisarem se a vida valeu a pena, os dias na cidade pesem no lado da balança que diz sim.

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