Um jogo da seleção com budistas: meditação, pipoca e gol do rival festejado

Bruno Freitas

Do UOL, em Cabreúva (SP)

Para quem disse que não haveria Copa, um aparelho de televisão ligado dentro de um mosteiro budista tibetano no interior de São Paulo, sintonizado nas emoções do Mundial, pode ser a prova definitiva que o futebol ganhou, apesar dos pesares. O UOL visitou o lar administrado por Lama Rinchen Khyenrab para acompanhar a vitória da seleção sobre Camarões na última segunda-feira. Na pauta, um convite ao debate sobre o materialismo em tempo de estádios bilionários e a congregação com visitantes estrangeiros em proporções inéditas. Mas também teve torcida, sim, com meditação e até pipoca.  

"Ser humano é ser humano. Obviamente a gente não vai falar palavrão, não vai fazer elogios ao juiz, nada disso. Mas (a torcida) é com a mesma intensidade emocional", diz o Lama Rinchen, monge responsável pelo mosteiro Sakya Tsarpa Thupten Dekyid Oedbar Ling, em Cabreúva, a menos de 100 km de São Paulo.

O mesmo espaço que em 2011 recebeu sua santidade Sakya Trizin, chefe supremo da escola Sakya do budismo tibetano, na segunda-feira deu um tempo para o futebol. Minutos antes da partida, no entanto, a trilha sonora era a que se espera habitualmente de um mosteiro, com silêncio em primeiro plano. Enquanto o anfitrião e um visitante meditavam, bem de longe, ouve-se cornetas de torcedores animados, vindas de outras partes de Cabreúva. Em seguida, Lama Rinchen dá sequência à conversa sobre as reflexões que o Mundial inspira ao país.

O papo avança um pouco além das 17 horas, quando Neymar e companhia já estavam em ação em Brasília. Mas depois da passagem à cozinha, onde a televisão espera ligada, Camarões empata com Matip, em gol que inspira festejo do anfitrião: "isso vai ser muito bom para o Brasil". Uma reação que não inspira surpresa, pois os visitantes neste ponto já haviam escutado a ideia de que, sob a perspectiva budista, a derrota em uma Copa pode e deve ser assimilada com contentamento. Um preceito para a vida esportiva e outras esferas.

"É um dos um dos grandes problemas que temos nas relações humanas, mesmo as profissionais, as empresariais. Não não temos regozijo ao ver a vitória do concorrente (…) em uma competição, chega uma hora em que alguém vai ter que sair. Há que se eleger um melhor. Não que ele seja o melhor para sempre, mas é naquele momento. E nós temos que ter regozijo com isso", discorre Lama Rinchen, seguidor da Sakya ("argila branca"), uma das escolas do budismo tibetano.

O filme "A Copa", uma produção do Butão, fez sucesso no final dos anos 90 ao mostrar jovens monges que fazem de tudo para ver o Mundial da Fifa. Hoje em dia, a vida real não anda tão distante assim da ficção. Durante a partida do Brasil, os moradores do centro de prática budista em Cabreúva mostram que estão ligados no torneio, comentando detalhes da vitória sofrida da Argentina sobre o Irã no final de semana.

Na cozinha, enquanto os homens de Felipão batalham a vitória que garantiria a vaga nas oitavas de final, o anfitrião do mosteiro tibetano de Cabreúva prepara um tira-gosto. Lama Rinchen serve aos convidados pipoca com um tempero especial de pimenta - uma herança de chefes do Nepal que já passaram pela casa, diz.

Ali também, no recinto ao lado à sala de meditação, dois aprendizes e um budista frequentador do mosteiro acompanham a partida. A casa está esvaziada, principalmente em razão da Copa do Mundo. O calendário convencional de atividades deve ser retomado depois do torneio. "Muitos viajaram. E para os que ficaram, se eu marcar alguma coisa na hora dos jogos, ninguém aparece", diz Lama Rinchen.  

O frequentador do dia é o médico Helio Nigri, que se junta à turma que torce por Neymar e companhia após passar algum tempo em silêncio na sala de meditação ao lado. O praticante budista diz não ser contra a seleção, mas manifesta contrariedade com as circunstâncias em que a festa do futebol foi organizada no país.

"O Brasil passa por um momento de anestesia. Muitas coisas importantes ficaram de lado. Não está na hora certa no lugar certo", opina.

Sim, inevitável sugerir reflexões sobre materialismo e relação das pessoas com as posses físicas num lugar como o mosteiro de Cabreúva. São questões que costumam pautar debates da filosofia budista, independente de sua vertente. Diante do tema, Lama Rinchen diz não ser contra os gastos com estádios no país, mas contesta as prioridades do poder público.  

"Quando alguém diz que toda essa infra-estrutura vai ficar para os brasileiros depois da Copa, a pergunta é: se havia dinheiro para fazer isso, por que teve que esperar um evento se nós brasileiros estamos morando aqui há tanto tempo?", questiona.

"Não tenho nada contra a Copa. Contra os investimentos, nunca. Mas onde estão os direcionamentos? O uso de recursos poderia ir efetivamente para catástrofes que estão acontecendo no nosso país. Isso é no mínimo contraditório", acrescenta.

No entanto, desperdício financeiro à parte, o anfitrião do mosteiro manifesta que aoportunidadebrasileirade interagir com os visitantes estrangeirosnão deve ser desprezada. Segundo Lama, principalmente com bósnios e croatas, nacionalidades que passaram por conflitos armados nesta geração: "neste quesito, da relação humana, o encontro com perspectivasde encontro compovos tão diferentesdanossa realidadetem que servivido intensamente".

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