Cidade de Felipão pretere filho ilustre por "zagueiro mais macho do Sul"

Bruno Freitas

Do UOL, em Passo Fundo (RS)

Scolari saiu cedo de Passo Fundo para ganhar o mundo no futebol, mas hoje em dia a terra natal do treinador da seleção não manifesta qualquer torcida especial pelo filho ilustre. Os laços do comandante do penta com o munícipio no interior do Rio Grande do Sul existem, inegavelmente, mas a terra do Sport Club Gaúcho prefere exaltar a memória do "zagueiro mais macho do Sul", que um dia teria ofuscado a carreira do esforçado defensor Luiz Felipe.

Mesmo em dia de seleção em campo na Copa, como na última terça-feira, Passo Fundo torce sem dedicação exclusiva para Felipão, sem qualquer menção aparente nas ruas. O menino do bairro do Boqueirão deixou a cidade na juventude sem defender o Sport Club Gaúcho, cuja sede antiga ficava a apenas alguns metros da casa da família Scolari. Na prática, bastava atravessar a rua para estar no estádio Wolmar Salton. Mas quis o destino que o futuro treinador fosse construir a carreira em São Leopoldo e Caxias, enquanto que Daison Pontes fazia fama como o beque mais temido do interior do Rio Grande do Sul.

Com um pouco de exagero, há quem acredite que Scolari não teria tido espaço no Gaúcho por causa da fama local de Daison e então saiu para começar pelo Aymoré de São Leopoldo. Mais tarde, com a camisa do Caxias, Felipão voltou à rua de sua infância, mas desta vez na condição de adversário.

As lendas do futebol gaúcho contam que os embates entre Felipão e Daison Pontes eram memoráveis, mas a vantagem costumava ficar para o zagueiro de Passo Fundo. Certa vez o representante do Gaúcho foi chamado pela Revista Placar como o o jogador mais indisciplinado do Brasil, após acumular 18 expusções em um período. A mais célebre delas aconteceu em 1974, contra o Inter de Santa Maria, quando agrediu um juiz que marcara dois pênaltis contra seu time. Acabou suspenso por 18 meses.

"A gente tinha um grande ídolo, chamado Daison Pontes. Ele era um jogador essencialmente técnico. O pessoal fala que ele era violento, muito violento, mas ele era muito técnico. E o pessoal fala que foi por isso que ele (Felipão) não conseguiu vaga aqui no Gaúcho, por isso que foi embora daqui", diz Gilmar Rosso, atual presidente do clube de Passo Fundo.

"Olha, rapaz, era uma briga de foice, como se diz aí. Tem um amigo nosso que me relatou que Felipão e Daison era um choque de cachorro grande, no bom sentido da palavra. Saía fumaça dos dois", acrescenta o dirigente.

Herói cult das canchas do interior gaúcho, Daison costumava dizer que, para ser campeão estadual, o time precisava passar pelo Alviveverde de Passo Fundo. Pontes chegou a desfrutar da amizade de Felipão depois da aposentadoria e morreu na cidade em junho de 2012, vítima de um AVC. Foi enterrado com a camisa do Gaúcho, "como se estivesse entrando em campo", pediu, em vida.   

"O jogador mais famoso da cidade é o Bebeto, 'canhão da serra', tem até dois livros sobre ele. Mas o Daison tem mais o folclore, por ter sido um zagueiro duro, por ter feito uma boa dupla por muito tempo com o irmão dele, João", relata Luiz Carlos Schneider, jornalista do 'O Nacional'.

Não se sabe ao certo se Felipão teve o Gaúcho como time de infância, apesar da proximidade física em relação ao estádio do clube. Mas antes de ir ao Aymoré em São Leopoldo o futuro treinador integrou um time amador do bairro do Boqueirão, chamado de F-8, ao lado do primo Wiss Gabriel.

"Ele saiu muito moço de Passo Fundo. Ainda tem amigos daqui, da mesma faixa etária dele. Mas foi para Canoas, onde o pai parece que montou um negócio de combustíveis. Se afastou, e investe em imovéis lá em Canoas. E tem a identificação com Caxias, o ponto marcante da sua carreira esportiva", afirma Schneider, do 'O Nacional'.

O técnico da seleção ainda tem parentes em Passo Fundo, com irmãs e primos. A mãe, Dona Cecy Leda, faleceu em dezembro de 2012 e está enterrada em um cemitério local. No último dia 10 de junho, Felipão perdeu o sobrinho Tarcísio João Schneider, morto aos 48 anos em um acidente de carro na cidade. A preparação da seleção para a estreia na Copa impediu a presença do treinador no funeral.

FELIPÃO FOI VAIADO COMO ADVERSÁRIO NA RUA DE CASA

O atual técnico da seleção brasileira descobriu cedo que o futebol é um mundo à parte, às vezes desvinculado das normas convencionais de convívio social. Foi assim que um dia experimentou provocações quando pisou no acanhado estádio Wolmar Salton como jogador do Caxias, "inferno" que intimidava até antigas estrelas de Inter e Grêmio.

"Eu me recordo como espectador e torcedor do Gaúcho. Uma vez ele veio jogar com o Caxias, entrou meio caminhando em campo. O pessoal da arquibancada xingava. O Felipão, a gente tratava como todos os inimigos que tratávamos, entre aspas. Tentando afetar o seu moral, desestabilizá-lo emocionalmente. Mas a gente trata aqui gente como gente. Terminava o jogo, segue a vida de todos, como pessoas. Violência no futebol não combina", conta o atual presidente do Gaúcho.

CLUBE DE PASSO FUNDO SE ERGUE APÓS CRISE

Hoje o velho alçapão do Gaúcho de Passo Fundo é uma terra arrasada. Depois de uma disputa jurídica, o clube acabou perdendo o terreno em um leilão. Agora, após um período de reconstrução financeira, a agremiação prepara a construção de uma arena particular para 10 mil pessoas em outra área da cidade.

Gilmar Rosso assumiu a presidência do Gaúcho em 2010, com o clube no fundo do poço. Hoje, depois de sanear as questões financeiras, trabalha no projeto do novo estádio e com o planejamento de reconduzir o time à elite do futebol estadual em 2018, ano do centenário.

Para sair do papel, a arena precisará de envolvimento de entusiastas do clube. A direção espera que simpatizantes possam ajudar com compra de sacos de cimento, por exemplo. O presidente até fala em ajuda de Felipão, mas quer evitar que a possibilidade soe como oportunismo.

"Se quiser ajudar, não só ele como qualquer outro com vínculo com o Gaúcho, estamos à disposição. Mas não pedimos para ninguém. Sabemos que o Felipão é de Passo Fundo, tem raízes na região, tem família. Mas nunca fomos lá pedir dinheiro, é proibido. Se o Felipão quiser, vai ser de bom grado, a gente agradece", diz Rosso. 

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