Homem que criou camisa da seleção vai se esconder do mundo durante a Copa

Bruno Freitas

Do UOL, em Porto Alegre (RS)

Aldyr Schlee não aguenta mais responder sobre como tirou da cabeça a ideia para o uniforme mais popular da história do futebol. Nas semanas que antecederam a Copa, o desenhista e escritor gaúcho de 79 anos experimentou uma onda de exposição sem precedentes na vida. Enquanto alguns ex-jogadores da seleção batalhavam qualquer oportunidade para aparecer e lucrar, o homem que criou a "amarelinha" foi solicitado de várias maneiras, atendeu as demandas com boa vontade, mas agora diz que vai se esconder durante o Mundial.

"Eu sou um velho, uma pessoa de quase 80 anos, faço 80 ainda esse ano. Meu físico não está preparado para tanto esforço, para viagens em dias seguidos, uma semana, 11 dias como foi a última. Isso acaba me abalando muito. Isso fisicamente, mas mentalmente eu tenho achado um pouco de graça. Eu tenho que responder essa curiosidade (sobre a criação da camisa amarela em 1953), eu acho interessante. É natural que os jornalistas me procurem nesses períodos, mas as perguntas são sempre as mesmas", diz Schlee.

Nas últimas semanas, o veterano desenhista percorreu o país para atender diversas solicitações, todas motivadas pela criação da camisa amarela, uma obra já de 60 anos. Schlee gravou entrevistas, foi homenageado pelo festival de cinema Cinefoot, especializado em filmes de futebol, e ainda protagonizou um vídeo promocional do Itaú, um dos patrocinadores da Copa.

A rotina das últimas semanas representou uma quebra de protocolo no jeito de ser do gaúcho, avesso a badalações. Foram viagens desgastantes para São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Na última terça-feira, Schlee participou de uma exposição de suas ilustrações de futebol, em Porto Alegre. Antes, na segunda, não conseguiu comparecer a um seminário sobre moda esportiva, no Rio. A partir de agora, diz o escritor, não quer mais botar a cara para fora de casa.

Desta quinta em diante ninguém tira Schlee do sofá de casa. O criador da "amarelinha" promete se refugiar em seu sítio na pacata Capão do Leão, cidade vizinha de Pelotas onde vive com a esposa Marlene. Tudo para repetir um ritual solitário que mantém desde a Copa de 1950, em que passa os dias a desenhar todos os gols marcados no Mundial, em detalhes, em uma espécie almanaque, um álbum de recordações pessoal de um torcedor.

"É uma loucura quase infantil", afirmou o desenhista, em entrevista ao UOL em Porto Alegre, última parada antes do retiro de Copa. "De uso pessoal, terminou a Copa eu tenho o álbum pronto. Aí eu desenho o craque do campeonato, segundo a minha opinião. E desenho a seleção do campeonato, segundo a minha opinião", explica.

A ilustração de futebol mais famosa de Schlee veio de traços de 1953. O então adolescente  se animou em participar de um concurso promovido pelo jornal carioca Correio da Manhã, que incitava interessados de todo o país a recriar a identidade visual da seleção. Isso, três anos após a traumática derrota para o Uruguai na Copa, dentro de casa, quando o time vestia branco das canelas ao pescoço. Na época, o gaúcho fazia caricaturas de partidas para periódicos de Pelotas e resolveu pensar num uniforme novo para o escrete nacional. Depois de mais de cem esboços, enfim chegou ao modelo que nas décadas seguintes se tornaria a camisa mais reconhecida do esporte internacional.

Após o concurso, a então Confederação Brasileira de Desportos (CBD) oficializou o uniforme e estreou a novidade em 1954. Como prêmio, Aldyr ganhou o equivalente a R$ 20 mil e um estágio no Correio da Manhã, no Rio de Janeiro, onde conviveu com cabeças do jornalismo da época como Nélson Rodrigues, Antonio Calado e Millor Fernandes.

Já neste século, na condição de "pai da criança", Schlee foi chamado para eventos da Nike para opinar sobre evoluções das camisas da marca. Educadamente, não deixou de manifestar críticas a respeito de detalhes da modernidade da moda esportiva que não lhem entusiasmam.

CRIADOR DA 'AMARELINHA' É TORCEDOR DO URUGUAI

O homem que concebeu a histórica camisa amarela da seleção brasileira não tem as chances do time de Felipão como prioridade. Aldyr Schlee nasceu em Jaguarão, no sul do Rio Grande do Sul, a apenas 200 metros da fronteira com o Uruguai. O desenhista e escritor cresceu influenciado pelo noticiário esportivo de Montevidéu, virou torcedor do Nacional e acabou apaixonado pela Celeste.

Em 16 de julho de 1950, Aldyr estava em um cinema do outro lado da fronteira, em Rio Branco, quando o filme foi interrompido para o anúncio de que o Uruguai havia vencido o Brasil na decisão da Copa. O jovem então voltou a pé para o lado brasileiro, com as lágrimas escorrendo pelo rosto, sem conseguir decifrar com precisão a origem daquela emoção.

Mais tarde, como escritor, a afinidade com a camisa azul clara voltou a aparecer em um conto em que imaginava estar jogando bola com os ídolos Alcides Ghiggia e Obdulio Varela, heróis maiores do Maracanazo de 50. Toda a dedicação pessoal à literatura tem como norte a questão sentimental da vida na fronteira.

"Soy hincha del Uruguay", diz Schlee, em castelhano. "Mas não quero que Brasil e Uruguai se enfrentem na final, porque teria que torcer para o Uruguai (…) espero que o Brasil ganhe a Copa, que o Uruguai termine em terceiro lugar. Já seria uma glória, uma evolução em relação à última Copa", acrescenta o escritor, que no currículo também tem a criaçãodo jornal Gazeta Pelotense e um Prêmio Esso de jornalismo.

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