Vida de mulher de 3º goleiro tem xaveco barato e torcida pelo improvável

Felipe Pereira

Do UOL, em São Paulo

O time estava em crise e Doni Marangon só pensava na Sara Carbonero de Ribeirão Preto. Começou com a jornalista Camila indo ao clube cobrir a chegada do novo técnico do Botafogo (SP). Nos corredores do centro de treinamento o goleiro pede a caneta emprestada e faz um risco enorme no braço da repórter de televisão. A atitude não cai bem e ela reclama no dia seguinte. Ouve como resposta "fiz para na hora do banho você pensar em mim". Por mais sem noção que pareça ser, terminou em casamento.

Entre as emoções que a união proporcionou está participação de Doni na Copa do Mundo de 2010, na África do Sul. Ele era reserva do reserva, mas Camila tinha esperança de ver o marido em campo pelo menos cinco minutinhos. Não conseguiu, mas isto não significa uma decepção. "Ir para a Copa é uma vitória muito grande. É tanta gente com qualidade, o funil é muito estreito".

Este sentimento passional sentido na frente da televisão em Ribeirão Preto era bastante diferente da primeira impressão deixada pelo jogador. A situação mudou graças a encontros casuais em festas na cidade que levaram a troca de telefones, namoro e um casamento que dura 12 anos. O passo decisivo no relacionamento ocorreu quando Doni foi contratado pelo Corinthians em 2001. Ambos estavam com 11 meses de namoro ao trocar alianças em 29 de dezembro, data estranha para a maioria, mas normal para os jogadores de futebol. "Bem típico casar nessa época que tem uma folguinha", conta Camila.

Se a chegada de um novo técnico no Botafogo de Ribeirão Preto juntou o casal, a troca de comando do Corinthians atrapalhou com a lua de mel de Camila. Os dias de folga estavam combinados com o treinador antigo e os planos de viajar para Natal (RN) precisaram ser esquecidos. Seria um péssimo cartão de visitas começar uma relação de trabalho folgando. "Fomos para Goiânia só para dizer que viajamos".

Os dias de praia podem não ter rolado, mas a carreira de Doni decolou e o goleiro foi parar na Europa e depois na Copa da África do Sul. Ótimo para ele, nem tão bom para Camila. Depois de casada, ela continuou procurando emprego, avançou em processos de seleção e esbarrou sempre no mesmo problema. Ao saberem que era casada com um jogador de futebol os possíveis patrões explicavam que era difícil a contratação porque uma negociação do marido faria a família toda mudar de cidade. "Chegou uma hora que disse chega! Não vai dar certo."

E não era racional Camila fazer qualquer crítica a troca de clubes porque a ascensão na carreira trazia segurança financeira. Mas a consequência da opção foi tornar-se ex-jornalista e virar mulher de jogador de futebol. Além da dependência, o cotidiano era longe da vida de rainha que muitos imaginam. "É muito difícil. Pesa muito mais a parte da emoção, da carência. A solidão é muito grande" justifica.

Ela lembra que quando morava na Europa ia embora do Brasil com medo que algum familiar morrer e não dar tempo de chegar para o enterro. A rotina de viagens e jogos do marido também atrapalha porque eram longos períodos sozinha, precisando administrar casa e cuidar dos filhos num lugar longe e sem nenhum conhecido. A distância afetava também as crianças, um casal chamado Thalita, 9 anos, e Nicholas, 8 anos. Na Copa de 2010, a menina teve com febre e o diagnóstico apontou causa era emocional por causa do longo período longe do pai.

"Ao mesmo tempo que tem esta dependência tem que se virar, se não fica trancada no seu mundinho. Eu sempre tentei fazer alguma coisa para mim. Fiz curso na Itália, sempre tirei carta (de motorista) e dirigi para cima e para baixo." Mas tem coisa que não dá para mudar porque no mundo atual jogador de futebol virou celebridade. Camila lembra que em Roma quando ia com o marido a um restaurante recebia tratamento vip. Sozinha, voltava a ser uma mortal.

Pior, era quando meninas assanhadas queriam dar tratamento vip para o marido. Camila conta que no começo tinha mais ciúmes e com o tempo ele diminuiu porque Doni não dava motivos. "Nunca foi de bagunça e tudo que tinha de fazer era comigo. Para sair à noite, churrasco eu tava junto com ele". Mas não significa que em determinados momentos não era preciso agir.

"Às vezes as pessoas te ignoram, como se você fosse invisível. Te empurram. Teve uma vez que uma garota disse (ao Doni) 'me dá um beijo'. Eu olhei e ela disse 'pode ser no rosto'. E ele me olhou com cara de sou inocente".

Com a convivência de uma vida compartilhada a convocação para Copa foi um presente para os dois. Ela admite que o coração vai a mil na hora de um jogo pela seleção e confessa que sofre demais nas partidas. Tem taquicardia e até fez ajoelhada promessa na Copa América em 2007. Passou um ano sem comer chocolate. Valeu a pena porque o marido pegou dois pênaltis na partida contra a Argentina.

No jogo contra a Holanda na Copa da África tudo começou bem novamente, mas aos 23 minutos do segundo tempo a carruagem virou abóbora para os comandados por Dunga. O grupo que havia ganhado tudo antes do Mundial ficara pelo caminho. "Quando ele ligou falei: amor não deu, valeu o esforço. Choramos no telefone, não deu para segurar. Foi difícil".

A tristeza afetou até as crianças. Mesmo sem entender o que acontecia, Thalita e Nicholas perceberam o ambiente carregado. Mais uma vez Camila precisou administrar a situação e comentou que o papai estava voltando. Sugeriu que os filhos fizessem um desenho e escolhessem lugares para passear. Na volta para Ribeirão Preto não teve desfile em carro aberto e sim desembarque com apenas a família esperando.
"Fui buscar no aeroporto e não tem palavra, é o abraço de consolo que sai mais alto".

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