Legado da Copa-10 - Parte 5: O que a África do Sul pode ensinar ao Brasil

Paulo Passos

Do UOL, em Johannesburgo (África do Sul)

Faltando menos de três meses de receber a Copa do Mundo após 64 anos de espera, o Brasil tenta driblar percalços, como atrasos nas obras de estádios e infraestruturas. Além disso, sofre com a desconfiança da imprensa internacional. A descrição bem que poderia ter sido feito há quatro anos, quando a África do Sul se preparava para sediar o torneio pela primeira vez.

A experiência africana foi classificada "um sucesso" pela Fifa e pelo governo local e passou longe de ser o fracasso que previam. O UOL Esporte elencou algumas lições que a Copa de 2010 pode dar ao Brasil.   

Lucro mesmo quem tem é a Fifa
Assim como no Brasil, ou até mais do que aqui, na África do Sul o governo bancou a maior parte dos investimentos para a realização do torneio. Os gastos públicos chegaram a cerca de R$ 10 bilhões, segundo dados oficiais, incluindo apenas investimentos do governo federal. Prefeituras e governos das províncias investiram quase metade desse valor em obras de estádios e estruturas temporárias para a Copa.

A expectativa do governo na época era de que o torneio representaria um acréscimo de 3% no PIB (Produto Interno Bruto) do país. Segundo o diretor da Human Sciences Research Council, Udesh Pillay, um dos principais institutos de pesquisa da África do Sul, a meta não se confirmou.

"O acréscimo no PIB foi de no máximo 0,3%, o que está longe de ser um valor significante pelos gastos feitos", afirma Pillay.

Já a Fifa viu o seu lucro com o Mundial de 2010 aumentar 48% em comparação com o torneio de 2006, na Alemanha. Na África do Sul, a dona da Copa arrecadou R$ 8,9 bilhões. Descontadas as despesas, o lucro final foi de R$ 4,9 bilhões.

Copa inibe outros eventos, mas turismo aumenta
Uma das críticas que a Copa do Mundo recebe é a de que a sua realização inibe a organização de outros eventos no mesmo período no país. Congressos, feiras e até viagens de férias são adiadas ou canceladas durante o tempo em que o torneio é disputado. Dificuldades para conseguir vagas em hotéis e o encarecimento nos preços de passagens de avião são as justificativas para uma retração de outros eventos no país durante o torneio.

O efeito foi registrado na África do Sul, sim, mas apesar disso, a Copa valeu a pena para o turismo do país. Em junho e julho de 2010, meses em que o Mundial foi disputado, o país recebeu a visita de 721 mil e 680 mil estrangeiros, respectivamente. Na comparação com o ano anterior, o número de turistas aumentou 42,7% em junho e 9,14% em julho no ano de 2010. Os dados são do ministério de turismo e imigração da África do Sul.

Cidades sem times fortes têm prejuízo com estádios
As arenas de Brasília, Cuiabá e Manaus devem sofrer com algo que cinco novos estádios construídos para a Copa do Mundo da África do Sul vivem desde 2010. Sem times fortes na cidade, o Moses Mabhida, em Durban, o Cape Town, na Cidade do Cabo, o Nelson Mandela Bay, em Port Elizabeth, e Peter Mokaba, em Polokwane, Mbombela, em Nelspruit, geram prejuízo para as prefeituras locais.

Erguidos pelo poder público, os estádios não têm clubes residentes que levam grande público. No caso do Nelson Mandela Bay, palco da queda do Brasil para a Holanda em 2010, por exemplo, apenas 10 jogos de futebol foram disputados desde o final do torneio. A cidade de Port Elizabeth não tem nenhum time de futebol profissional. O estádio recebe partidas de rúgbi e eventos, como shows e até casamentos.

ESTÁDIO CARTÃO-POSTAL, CAPE TOWN JÁ DEU PREJUÍZO DE R$ 100 MI

Em Nelspruit, na Cidade do Cabo e em Durban a história é parecida. Os clubes das cidades não conseguem ocupar, em média, nem 10% da capacidade das novas arenas. O estádio Cape Town, por exemplo, já acumula prejuízo de R$ 100 milhões para o governo local desde a inauguração.  

Torcida ajuda, mas não ganha jogo
É claro que Neymar não é Shabalala e a seleção brasileira esta a um oceano de distância do time sul-africano, mas a experiência dos donos da casa na Copa de 2010 vale como recado. Mesmo com críticas à qualidade do time, os sul-africanos apoiaram a seleção durante o torneio em 2010. Dois dias antes da estreia, os jogadores participaram de uma carreata que levou cerca de 200 mil pessoas às ruas de Johannesburgo. Apesar do apoio da torcida, o desempenho dentro de campo foi pífio.

Eliminada na primeira fase, a equipe comandada na época pelo brasileiro Carlos Alberto Parreira não conseguiu repetir a "boa sorte" que os países que recebem o evento costumam ter.

O pior veio depois da Copa. Os sul-africanos fracassaram nas eliminatórias e não conseguiram se classificar para a Copa do Mundo do Brasil. Foi a primeira vez desde 1990, quando o México não foi a Itália, que o time do último país sede não conseguiu ir ao Mundial seguinte.

"É um problema que vem de muito tempo. Estamos investindo nas novas gerações. Podemos ver que as coisas vão mudar", defende Danny Jordaan, presidente da SAFA (Federação Sul-Africana de Futebol). "No longo prazo, dez anos, tenho certeza que o futebol da África do Sul vai evoluir", completa.  

País vira vitrine, mas também vidraça
Pesquisas feitas após a Copa do Mundo mostram que a imagem da África do Sul melhorou com o torneio. Mais de oitenta por cento das pessoas que viram o Mundial afirmaram que visitariam o país, revela uma pesquisa patrocinada pelo governo sul-africano  

"Os indicadores sociais não melhoraram. O que temos é um retrato mais bonito", opina o economista, Patrick Bond, diretor da Universidade de KwaZulu-Natal, em Durban. "A taxa de desemprego segue acima de 25%".

Apesar da melhora na imagem, a África do Sul sentiu na pele o que é ser vidraça. Registros de assaltos em hotéis onde estavam hospedados jornalistas viraram notícia em todo mundo. Até mesmo um dos principais legados da Copa para o país foi alvo de críticas.  Para o Mundial, o governo local investiu cerca de R$ 10 bilhões na construção de três novos aeroportos: em Durban, Johannesburgo e na Cidade do Cabo.

Mesmo assim, o maior "mico" na organização do torneio aconteceu num dos aeroportos, o King Shaka, em Durban. No dia da semifinal entre Alemanha e Espanha, houve uma superlotação na chegada de voos na cidade. Com isso, cerca de 400 torcedores não puderam chegar a tempo de ver a partida. O caso foi amplamente divulgado na imprensa internacional.

Veja também



Shopping UOL

UOL Cursos Online

Todos os cursos