Legado da Copa-10 - Parte 2 : Arena mais cara é renegada e vive às moscas

Paulo Passos

Do UOL, na Cidade do Cabo (África do Sul)

Situado num parque que fica entre uma montanha, a Table Mountain, e o mar, numa das áreas mais nobres da Cidade do Cabo, o estádio Cape Town forma um cenário perfeito para um cartão-postal. A arena construída para a Copa do Mundo de 2010 foi a mais cara do torneio, custou aproximadamente R$ 1 bilhão e quatro anos depois da sua inauguração acumula um prejuízo com manutenção, arcados pela prefeitura da cidade, que chega a R$ 100 milhões.

"O estádio não é sustentável economicamente", admite o diretor-executivo do Cape Town, Lesley de Reuck, no cargo desde 2010. "Já conseguimos abaixar o prejuízo anual e hoje ele é de cerca de 40 milhões de rands (R$ 10 milhões)", afirmou.

Quatro anos após a sua inauguração, o estádio tem dois entraves que o tornam deficitário, argumenta Reuck: a falta de um time que leve público aos jogos e o fato de não ter estabelecimentos comerciais na sua área. O único clube que usa o estádio como casa é o Ajax Cape Town, que leva em média menos de cinco mil torcedores por partida, o que não representa nem 10% da capacidade, de mais de 60 mil lugares.

"Precisaríamos de 38 a 40 eventos esportivos por ano para sermos sustentáveis", estima Reuck. Desde 2010, o estádio recebeu em média menos da metade disso.

Parte da solução para acabar com o prejuízo, segundo a prefeitura da Cidade do Cabo, fica a cerca de 15 quilômetros do estádio. Em Newlands, um bairro residencial, onde brancos são maioria, está a casa do Stormers / Western Province, um dos times de rúgbi mais tradicionais da África do Sul. As arquibancadas atuais da arena que leva o nome do bairro foram construídas na década de 1960, mas bem antes disso, já no final do século 19, partidas eram disputadas naquela região.

RÚGBI IGNORA ARENA DA COPA

  • O Stormers, da Cidade do Cabo, ignorou apelos da prefeitura e segue no seu estádio

O poder público tenta, desde 2010, fazer com que o clube se mude para o Cape Town. A média de público do Stormers no campeonato sul-africano é de 37 mil torcedores.

"Seria uma decisão difícil mudar-se da sua casa para outro lugar. Não pensamos nisso. Somos daqui e queremos ficar", afirma o CEO do Stormers, Rob Wagner. "Tivemos conversas com a prefeitura, sim, mas nem entramos em negociações. Essa é a nossa casa, somos orgulhosos daqui", completa

O orgulho pela história é um dos motivos da resistência do clube para mudar-se, mas não o único. O Newlands, apesar de antigo, consegue ser funcional e, principalmente, rentável para o clube. Ele possui um formato retangular e a impressão que se tem é de que há quatro prédios comerciais construídos ao redor do campo.

Dentro do estádio, que é propriedade do clube, existem 315 suítes, pequenos camarotes, comercializados para torcedores e empresas. Além disso, bares, restaurantes e lojas pagam ao time para funcionar no local nos dias de jogos.

"O estádio é privado e rentável. O tempo vai dizer se foi a melhor opção ficar aqui. Mas hoje essa é a nossa escolha!", finaliza Wagner, irredutível.

Cassino, moradias populares ou demolição?

A estética arrojada encanta quem vê por dentro e por fora o palco da semifinal entre Uruguai e Holanda na Copa de 2010. Outros sete jogos foram disputados no Cape Town durante torneio. Branco, ele tem paredes com formas onduladas e é rodeado por uma tela que para quem está dentro dá a possibilidade de visualizar todo o cenário exterior: a Table Mountain, o mar ou a área verde do parque ao redor, dependendo da localização do espectador.

A beleza, porém, não foi suficiente para ganhar a simpatia dos vizinhos. Desde que foi levantada a possibilidade do estádio ser construído no local, a Green Point Ratepayers and Residents Association (associação de moradores local) foi contrária à obra.

ESTÁDIO CARTÃO-POSTAL, CAPE TOWN JÁ DEU PREJUÍZO DE R$ 100 MI

Após os moradores ameaçarem atrasar a construção do estádio com liminares na Justiça, a prefeitura aceitou algumas exigências. Os vizinhos conseguiram impor um veto a estabelecimentos comerciais dentro da estrutura da arena e no seu entorno.

"Do jeito que foi criado, é impossível o estádio ser sustentável", argumenta o presidente da Câmara de Comércio da Cidade do Cabo. "Ninguém pode abrir uma loja ou um restaurante. E a conta do prejuízo por causa disso quem paga somos nós, os contribuintes", explica.

Desde o ano passado, a prefeitura negocia com os moradores da região para derrubar o veto e poder abrir bares e restaurantes no local. Até mesmo um cassino poderia funcionar na área. Em reuniões, representantes do poder público pediram que os vizinhos do estádio dessem sugestões sobre o que poderia ser feito na região. Um grupo chegou a pedir que o estádio fosse colocado abaixo. 

"A cidade nunca vai demolir um estádio de 4 bilhões de rands. Não está em pauta, não faz parte das discussões e isso não vai acontecer", rebate o diretor-executivo do Cape Town.

Outra proposta sobre o que fazer com a obra bilionária foi dada pelo Cosatu (Congress Of South African Trade Unions), maior central sindical da África do Sul. A entidade defende que o estádio vire um conjunto de moradias populares.    

"Já discutimos isso com engenheiros e arquitetos que acreditam que é possível tornar o estádio num prédio de moradias baratas para o povo na Cidade do Cabo", afirma o diretor regional do sindicato Tony Ehrenreich.


A cidade nunca vai demolir um estádio de 4 bilhões de rands (R$ 1 bilhão). Não está em pauta, não faz partes das discussões e isso não vai acontecer

Lesley de Reuck, diretor-executivo do estádio Cape Town

A proposta também é descartada pela dona do estádio, a prefeitura da Cidade do Cabo.

Feito para aparecer na TV

A construção de um estádio gigantesco perto da praia não era a primeira opção para a Copa do Mundo na Cidade do Cabo. Em 2004, quando foi feito o programa de candidatura para o Mundial, os jogos estavam previstos para acontecer no Newlands. A segundo maior cidade do país em população receberia quatro partidas, incluindo um jogo das quartas de final. O estádio de rúgbi foi classificado como "facilmente adequado" para os padrões Fifa, segundo o relatório dos inspetores da entidade.

Em 2005, porém, o governo local, liderado na época pelo ANC (sigla em inglês de Congresso Nacional Africano), partido de Nelson Mandela e do atual presidente do país, Jacob Zuma, decidiu mudar o estádio da Copa na cidade. De Newlands, uma região majoritariamente habitada por brancos, por Athlone, subúrbio da Cidade do Cabo, onde a população é formada por negros e mestiços.

"É preciso trazer desenvolvimento para uma região menos favorecida", foi o argumento das autoridades na época. O estádio de Athlone, com favelas no seu entorno, e usado até então pelos dois clubes de futebol da região, Santos e Ajax, receberia uma reforma, aumentaria sua capacidade para 30 mil lugares e seria sede da Copa. A obra aconteceu, mas como se sabe, os jogos do Mundial não foram lá.

Cinco anos antes do torneio de 2010, depois uma visita dos inspetores da Fifa, o estádio foi vetado. "Os bilhões de telespectadores não querem ver favelas e pobreza nessa escala pela televisão", afirmou um dos inspetores da Fifa ao jornal "Mail & Guardian", um dos maiores da África do Sul.

Quatro meses após a visita, os governantes do país passaram a defender a construção de um novo estádio, maior do que os já existentes. O argumento era de que a cidade precisava receber uma partida de semifinal.

"A Fifa tem direito de exigir o mais alto padrão possível e a África do Sul deve ter o bom-senso de seguir a indicação", afirmou Thabo Mbeki, então presidente da África do Sul.

A indicação foi seguida e o gigante estádio entre a montanha e o mar foi construído. Quatro anos depois, ele ainda encanta pela opulência e beleza. Ninguém sabe, porém, o que fazer com ele.

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