Legado da Copa-10 - Parte 1: Estádio dá prejuízo e tem vizinhos sem água

Paulo Passos

Do UOL, em Nelspruit (África do Sul)

Com pilares de sustentação em forma de girafas e arquibancadas zebradas, o estádio Mbombela, erguido em Nelspruit para a Copa do Mundo de 2010, foi proclamado pelas autoridades locais na sua inauguração como motivo de orgulho pela originalidade na sua arquitetura e por ser o mais barato do torneio. Palco de quatro partidas no Mundial, custou aproximadamente R$ 350 milhões.

Quatro anos depois, as dezoito girafas laranja que sustentam a obra ainda impressionam e a arquibancada zebrada parece original. O custo do estádio e o legado ao redor dele, porém, já não orgulham ninguém. No último ano, a manutenção da arena causou prejuízo de mais de R$ 2 milhões para a prefeitura de Nelspruit. Nos anos anteriores, o rombo havia sido ainda maior. Além disso, vizinhos do estádio, que ouviram promessas de melhorias sociais, seguem sem água encanada, esgoto, ruas asfaltadas e estão envolvidos num imbróglio que até hoje não foi resolvido.

Quem sai do estádio Mbombela e caminha aproximadamente 10 minutos chega à favela de Mataffin, onde moram cerca de 4 mil famílias. A certeza que se tem ao estar no local é de que a Copa não passou por ali.

"Ouvimos promessas de melhorias, que teríamos ruas asfaltadas, água encanada e esgoto, mas nada foi entregue ainda", afirma o líder comunitário Benny Mabunda. "A Copa para a gente foi dinheiro posto fora. Como você não dá condições básicas para as pessoas e aqui em frente gasta dinheiro com estádio?", questiona.

Do cenário onde mulheres carregam latas de água e crianças andam descalças pelas ruas de chão batido, entre galinhas e outros animais, é possível ver os pilares em cor laranja e em forma de girafa que dão sustentação ao estádio.

Ouvimos promessas de melhorias, que teríamos ruas asfaltadas, água encanada e esgoto, mas nada foi entregue ainda

Benny Mabunda, líder comunitário

A realidade hostil da favela, que não tem água encanada nem esgoto nas casas, é consequência de um imbróglio que envolve disputa por terra, corrupção e descaso das autoridades locais.

No início da década passada, o terreno onde está Mataffin e o estádio Mbombela passou a pertencer ao clã Mdluli, tribo de nativos que habitava a região antes da chegada dos europeus. A medida faz parte de um programa do governo sul-africano para devolver áreas que foram retiradas de comunidades locais durante o apartheid, regime de segregação racial que durou até o início da década de 90.

Como já havia a favela na região, foi criada uma comissão com representantes de Mataffin, dos Mdluli e de autoridades civis, para administrar o terreno. Em 2006, quando o governo da África do Sul, a prefeitura local e a Fifa (Federação Internacional de Futebol) decidiram que Nelspruit receberia um estádio para a Copa, os moradores foram surpreendidos com a notícia que a estrutura seria levantada numa parte do terreno da comunidade.

COM VISTA PARA ESTÁDIO, FAVELA NÃO TEM ÁGUA E ESGOTO

  • Cerca de 4 mil famílias moram em Mataffin, ao lado do Mbombela, em Nelspruit

"Protestamos, mas ficamos sabendo que a comissão havia acertado a venda", conta Benny Mabunda. A surpresa maior foi quando descobriram o valor registrado como pago pela área: 1 rand (aproximadamente R$ 0,25). "Fomos para a Justiça, destituímos a comissão e comprovamos que eles receberam dinheiro por fora, foram corrompidos", disse.

O governo local chegou a criar uma comissão de inquérito para investigar as denúncias. Em 2009, uma semana antes de ser chamado para dar depoimento, o porta-voz dos moradores da região, Jimmy Mohala, foi assassinado em frente a sua casa por homens encapuzados. Um ano depois, Sammy Mpatlanyane, vice-diretor do Departamento de Esportes, Cultura e Recreação de Nelspruit, também foi morto a tiros.

"Os crimes tiveram relação com os casos de corrupção na compra do terreno do estádio. Alguns suspeitos foram identificados, mas nunca ninguém foi preso", disse Richard Spoor, ativista social e advogado dos moradores de Mataffin. "Tudo foi uma decepção para quem vive perto do estádio. Além dos casos de corrupção, promessas de melhorias não foram cumpridas. Se esperava melhora nas condições de vida das pessoas que vivem ao redor dos estádios. Isso não foi materializado", completou.

A Justiça deu ganho de causa aos moradores na ação movida para o valor do terreno e decretou um novo preço que foi pago pela prefeitura: 8 milhões de rands (R$ 2 milhões). O dinheiro, porém, está depositado numa conta sub judice por causa das disputas na Justiça entre os moradores da favela e da tribo Mdluli.

PILARES EM FORMA DE GIRAFA

A prefeitura de Nelspruit alega que as disputas entre os donos da terra dificultaram a aplicação de programas sociais na região. Segundo as autoridades locais, até o meio do ano os moradores terão água encanada nas casas.

"Não quero saber de tribunal, Justiça, o que for. Em três anos subiram o estádio apesar de tudo isso. Aqui não chegou nada de melhoria", reclama Nanny Dlamini, que mora há 20 anos no local.

No vermelho

"O estádio ainda dá prejuízo, não é rentável, mas estamos evoluindo. No ultimo ano conseguimos trazer um time de rúgbi, o Pumas, e um de futebol, o Black Aces, para usá-lo como casa", explica Roelf Kotze, gerente-geral do Mbombela.

Quando foi erguido, o estádio não tinha nenhuma equipe de rúgbi ou futebol disposta a usá-la. Nelspruit fica no nordeste da África do Sul, a 340 quilômetros de Johannesburgo. É uma área rica em turismo, onde está situado o parque Kruger, maior reserva natural da África do Sul e destino predileto dos fãs de safáris.

Mas nunca houve tradição esportiva na região. O clube geograficamente mais próximo do Mbombela, o Sivutsa Stars, disputa a segunda divisão do futebol sul-africano e manda seus jogos num estádio para oito mil pessoas. Desde o ano passado, o Pumas, time de rúgbi, que disputa a primeira divisão da África do Sul, se mudou para Nelspruit.

"Conseguimos vender 40 dos 47 camarotes que temos. Mas só com venda de ingressos e camarotes, não é possível ser rentável", afirma Kotze. "É preciso vender publicidade, ter um naming right, o que não conseguimos ainda", completa.

O público nos jogos de futebol do Black Aces não ocupa um quarto do estádio em média. Como acontece em toda a África do Sul, apenas partidas com os dois times de Soweto, Orlando Pirates e Kaizer Chiefs, conseguem mobilizar os torcedores locais.

"Só quando eles, Pirates e Chiefs, vêm jogar aqui é que enche o estádio", conta Sizwe Nkosi, vendedor da loja de artigos esportivos que fica dentro do estádio, que se declara torcedor do Orlando Pirates. "O Black Aces nem é daqui, não treinam aqui, só vem jogar porque a prefeitura ofereceu o estádio. Então, eles não têm torcedores", explica.

O maior público registrado no Mbombela foi registrado no último mês de janeiro. Cinquenta e três mil pessoas estiveram no estádio no comício do CNA (Congresso Nacional Africano), partido de Nelson Mandela e do atual presidente do país, Jacob Zuma.

  • Estádio de Nelspruit tem arquibancadas zebradas e pilares em forma de girafas

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