Islândia supera colapso econômico, renova time e sonha com primeira Copa

Do UOL, em São Paulo

  • AP Photo/Filip Horvat

    Jogadores da Islândia comemoraram gol marcado em jogo das Eliminatórias para a Copa do Mundo

    Jogadores da Islândia comemoraram gol marcado em jogo das Eliminatórias para a Copa do Mundo

Até a década passada, música e o meio ambiente eram os principais assuntos associados à Islândia. A situação só mudou quando o país, acometido por uma crise deflagrada em 2008 na economia dos Estados Unidos, entrou em colapso. A crise financeira e política dominou o noticiário local até ser substituída por um sonho esportivo. A duas rodadas do término das Eliminatórias europeias, a ilha flerta com uma classificação inédita para a Copa do Mundo de futebol. Em 2014, no Brasil, o país tropical pode receber a seleção da terra do gelo.

Com 13 pontos ganhos, a Islândia ocupa atualmente a segunda posição no Grupo E das Eliminatórias europeias. A ilha está atrás apenas da Suíça, que tem 18, e apenas o primeiro colocado obtém vaga direta para 2014.

O qualificatório da Europa é dividido em nove grupos e oferece 13 lugares na Copa de 2014. Além dos líderes dos grupos, os oito melhores segundos colocados disputarão um playoff em busca das quatro vagas restantes.

Nas duas últimas rodadas das Eliminatórias, a Islândia jogará contra o lanterna Chipre (em casa, no dia 11 de outubro) e contra a Noruega (fora de casa, no dia 15 de outubro). Se vencer os dois duelos, a terra do gelo pode chegar até ao primeiro lugar da chave.

O sonho de chegar à Copa do Mundo tem relação direta com a renovação da seleção islandesa. A nova geração do país é liderada pelo meio-campista Gylfi Sigurdsson, companheiro do brasileiro Paulinho no Tottenham. O jogador de 24 anos iniciou a trajetória profissional no Reading (Inglaterra) e perambulou por times como Shrewsbury Town, Crewe Alexandra, Hoffenheim e Swansea até chegar à atual equipe.

Além de Sigurdsson, a nova geração da Islândia aposta alto no atacante Kolbeinn Sigthorsson, do Ajax. O jogador de 1,85m e 23 anos anotou cinco gols na edição 2012/2013 do Campeonato Holandês. Forte e rápido, ele foi cobiçado por várias equipes de grande porte na última janela de transferências do futebol europeu.

A ascensão dos dois coincide com o ocaso de Eiour Gudjohnsen, atacante com passagens por Chelsea e Barcelona. O jogador de 35 anos defende atualmente o Club Brugge, da Bélgica, e detém o recorde de gols da história da seleção islandesa. Ele balançou as redes 24 vezes pelo país.

A transição de gerações na seleção islandesa, aliás, não é uma novidade para Eiour Gudjohnsen, protagonista de um episódio insólito em 1996, numa partida contra a Estônia. O jogador entrou aos 36min do segundo tempo, no lugar do pai dele, Arnór.

Naquela época, Arnór tinha 34 anos. Eiour, 17. Os dois nunca chegaram a atuar ao mesmo tempo na seleção da Islândia.

A Islândia do agora veterano Eiour, que ainda busca uma identidade como time, é o reflexo de uma mudança intensa no país. Independente desde 1944, a ilha ainda vive um processo de transformação.

Um pouco sobre a história da Islândia

A descoberta da Islândia é repleta de aspectos que nunca foram confirmados. O livro Landnámabók diz que a ilha começou a ser habitada em 874. Contudo, a obra editada no século 12 é muito contestada por ser imprecisa.

A maior parte da população que formou a Islândia foi composta por noruegueses e irlandeses. Eles fundaram em 930 o Alpingi, que se reunia em todos os verões para discutir legislação, nomear jurados e julgar processos. O espaço é considerado o parlamento mais velho do mundo, e no início um relator era obrigado a memorizar as leis.

Até essa época, a Islândia era um país majoritariamente pagão. Isso começou a gerar pressão do restante da Europa, e no ano 1000 o Alpingi determinou que todo o país deveria se converter ao cristianismo.

Até 1262, a Islândia foi uma nação independente. Nessa época, a ilha passou a ser partilhada por Dinamarca e Noruega, que faziam parte de um mesmo reino.

Dinamarca e Noruega se separaram em 1814, e os dinamarqueses ficaram com a Islândia. A ilha conseguiu autoridade interna em 1874, mesmo ano em que publicou sua primeira constituição.

Em 1918, a Islândia foi reconhecida pela Dinamarca como Estado soberano unido por um rei comum. Essa situação seria revista em 1940, mas a ilha foi drasticamente afetada pela Segunda Guerra Mundial.

A Islândia foi invadida por alemães e ingleses em 1940. A ilha, que até então era neutra na Segunda Guerra, recebeu os britânicos como convidados. Em 1941, os Estados Unidos assumiram a defesa do território, que àquela altura já fazia parte da base aliada.

Nessa época, os aliados colocaram mais de 40 mil soldados na Islândia, que tinha 120 mil habitantes. O contingente era maior do que o número de homens adultos no local.

A independência da Islândia só aconteceu em 1944, quando a Dinamarca estava ocupada por nazistas. O parlamento da ilha escolheu Sveinn Björnsson para ser o primeiro presidente da República.

Björnsson encontrou um país que havia acumulado muito dinheiro e desenvolvido a infraestrutura no período da Segunda Guerra Mundial. No entanto, a economia local, que dependia quase exclusivamente da pesca, sempre foi marcada por grande instabilidade.

O colapso financeiro e o renascimento da Islândia

A situação começou a mudar no fim da década de 1990. Com uma economia mais diversificada, a Islândia vivia um período positivo. A ilha era governada por um regime neoliberal, e todos os bancos foram privatizados em 2003.

Nessa época, a Islândia criou novas linhas de crédito voltadas a atrair investimentos estrangeiros. A dívida do país começou a ascender rapidamente, e o colapso da economia dos Estados Unidos, em 2008, foi um golpe para o qual a ilha não estava preparada.

A recessão provocou retração de 7% na economia da Islândia. O desemprego mais do que duplicou em um ano, e a inflação chegou perto de 20%. No fim de 2008, no auge da crise, o governo da ilha decretou falência.

O mundo cobrava medidas drásticas da Islândia. O FMI (Fundo Monetário Internacional) e a União Europeia queriam assumir a dívida da ilha a fim de pagar países como Reino Unido e Holanda.

Esse cenário de pressão interna teve reflexos diretos nas ruas do país. O governo foi deposto, e as eleições da Islândia foram antecipadas para abril de 2009.

Para pagar a dívida, a Islândia teria de cobrar cem euros por mês de cada cidadão da ilha durante 15 anos, com juros de 5,5%. O chefe de Estado da ilha, Olafur Ragnar Grimsson, recusou-se a assinar uma lei que instituiria essa cobrança. O caminho então foi um referendo popular.

O referendo foi realizado em março de 2010, e 93% da população islandesa votou contra o pagamento da dívida. "Por toda a pressão que vínhamos sofrendo, disseram que seríamos a Cuba da Europa se nos recusássemos a pagar a dívida. Se pagássemos, seríamos o Haiti da Europa", disse Grimsson na época, fazendo alusão ao isolamento político dos cubanos e às condições paupérrimas da população haitiana.

Além de escolher o calote, os islandeses resolveram escrever uma nova constituição. O texto foi elaborado por 25 habitantes da ilha, que foram escolhidos em um grupo de 522 candidatos. Essa fatia foi formada por pessoas que não tivessem ligação com nenhum partido político e que fossem indicadas por pelo menos outros 30 compatriotas.

Com uma forte política de contenção de despesas, a economia da Islândia se recuperou. O país registrou 2,6% de crescimento econômico em 2011 e 2,3% de ascensão no ano seguinte. A taxa de desemprego caiu drasticamente, e a inflação voltou à casa dos 4%.

Apesar da recuperação, contudo, a taxa de desemprego no país ainda é o triplo de antes da crise. E o custo de vida da Islândia, que disparou no período de recessão, ainda não desceu de patamar.

Questões ambientais e a Islândia no cenário musical

Antes de todo o episódio deflagrado pela crise econômica, a Islândia era mais conhecida por questões ambientais e pela presença no cenário musical. Nesse último quesito, os nomes mais conhecidos são a cantora Björk e o grupo Sigur Rós.

Björk, prolífica também como atriz, foi indicada a 13 prêmios Grammy. Além disso, concorreu a um Oscar e dois Globos de Ouro. Ela ainda venceu o prêmio de melhor atriz do Festival de Cannes em 2000.

No entanto, a cantora pop é uma exceção entre as coisas que mais repercutem da música islandesa. O país também tem uma produção intensa em áreas como indie (Reykjavik!), rock alternativo (FM Belfast) e folk (Rokkurró).

Além da música, a Islândia sempre foi conhecida por questões ambientais. Apesar do nome, advindo de "terra do gelo", o país tem atividade vulcânica e energia geotérmica suficiente para 80% da energia que ele consome. Por isso, usa poucos combustíveis fósseis e é sempre citado como um dos campeões de relação ecológica.

Apesar desse perfil ambientalmente correto, a Islândia é um dos países que aprovam a pesca comercial de baleias.

Em 2010, a Islândia parou a Europa por um tema ambiental. Em abril daquele ano, o vulcão Eyjafjallajökull ejetou cinzas na atmosfera e obrigou o fechamento de diversos aeroportos no Velho Continente.

Idioma preservado e ausência de McDonald's

A despeito de ter sido parte do reino da Noruega e da Dinamarca, a Islândia nunca abriu mão do próprio idioma. A linguagem local, aliás, sofreu mudanças muito pequenas durante os anos. Bíblias impressas em islandês do século 16, por exemplo, ainda podem ser lidas sem dificuldade pela população da ilha.

A culinária é outro aspecto em que a Islândia é muito peculiar. O país tem pratos típicos como tubarão, cabeça de ovelha e testículos de carneiro. Essas "iguarias" são comuns em restaurantes da ilha.

O que não é comum na Islândia é o McDonald's. A rede de fast food tem 34.480 unidades espalhadas por 119 países, mas a ilha não conta com nenhuma loja da rede.

A Islândia já teve três restaurantes da rede de fast food, mas a crise financeira que eclodiu em 2008 motivou o fechamento do último deles.

A Islândia é uma ilha com 103 mil quilômetros quadrados, pouco mais do que a área do Estado de Pernambuco. O país europeu tem pouco mais de 319 mil habitantes e registrou em 2012 um PIB de US$ 13,6 bilhões.

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