Mano diz que saiu fragilizado da CBF e vê méritos seus no time de Felipão
Paulo Passos
Do UOL, em Brasília
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Mowa Press
O técnico do Flamengo foi demitido da seleção brasileira em novembro de 2012
No última dia 30 de junho, Mano Menezes não estava no Maracanã. Demitido sete meses antes do cargo de técnico da seleção brasileira, assistiu pela televisão a vitória sobre a Espanha, que deu o título ao time de Luiz Felipe Scolari. Do que viu em campo, acha que tem uma parcela de responsabilidade.
"A continuidade do trabalho da seleção que me confirmou avaliações importantes sobre o meu trabalho. Os jogadores que estavam lá. O Felipão fez duas ou três escolhas diferentes, o que é absolutamente normal, mas a base se manteve", avaliou o técnico do Flamengo em entrevista exclusiva ao UOL Esporte.
Frio e de fala ponderada, evitou ataques diretos aos ex-chefes José Maria Marin e Marco Pólo Del Nero, presidente e vice da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), mas criticou a gestão do futebol no país. Segundo ele, por conta de problemas estruturais na formação, o jogador brasileiro hoje é pior que o de 10 anos atrás.
"Ouvi de técnicos, de pessoas que escolhem os jogadores lá fora, na Europa, que a qualidade do jogador brasileiro caiu. Claro que ainda temos as exceções, mas a média há 10 anos era melhor. Há 20 anos melhor ainda. O jogador brasileiro piorou", analisa.
Hoje à frente do clube de maior torcida do país, ele se diz recuperado emocionalmente do baque da demissão. "Sai fragilizado, mas passou. Me recupero bem. Não guardo mágoa, nem sou rancoroso".
Confira a entrevista exclusiva:
UOL Esporte: Seus últimos trabalhos em clubes (Grêmio e Corinthians) foram de reconstrução. Qual a semelhança deles com o atual momento do Flamengo?
Mano Menezes; Sim, tem semelhanças. Eu falei quando cheguei ao Grêmio e ao Corinthians que um clube grande não precisa cair para se conscientizar de que algo não esta bem. Penso que o Flamengo se conscientizou antes que precisava mudar muito do que estava sendo feito antes. Primeiro a parte dos sócios na mudança da direção. Faço parte dessa mudança que é ponto comum dos últimos três trabalhos. Incluo a seleção. É diferente, mas precisávamos construir algo novo. O anterior havia se extinguido muito por questão de idade dos jogadores. É ótimo você começar isso, senti muito prazer. Enxergo no Flamengo a possibilidade de fazer algo muito parecido com o que houve no Corinthians pela potencia do clube, pela massa de torcedores. Tem uma força muito grande.
Mano Menezes
UOL Esporte: O cenário no Flamengo é melhor ou pior do que o início no Grêmio e no Corinthians?
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Mano Menezes: O Flamengo tem que se estruturar como clube. O Grêmio tinha uma estrutura física, embora estivesse na segunda divisão, muito boa. O Corinthians nem tanto, mas fez a recuperação estrutural muito rápida. O Flamengo vai passar ainda um tempo tentando organizar isso primeiro. Porque as condições são muito peculiares. Quando tiver isso, você puder oferecer aos profissionais condições boas para jogadores, funcionários (médicos, fisiologistas..) você pode aumentar o nível da cobrança. Sem o básico você não pode cobrar tanto dos profissionais. O jogador de futebol ainda se adapta. Ainda é possível você fazer o trabalho e ter resultados próximos daqueles que tem estrutura grande. Mas tem uma parte que você não faz milagre, que é de manutenção, prevenção, recuperação de jogadores, qualidade de treinamento. Isso se você não resolver, não vai estar no nível dos grandes clubes.
UOL Esporte: Em termos de estrutura, então, a situação é pior?
Mano Menezes: Sim, porque a condição financeira é muito aquém dos outros clubes. Para contratação, para tudo. Denota um tempo maior para as ações, para você chegar onde quer. Isso é uma realidade dos clubes do Rio de Janeiro. Os clubes cariocas conquistaram títulos importantes, mas isoladamente sem continuidade no mesmo clube. O que comprova essa falta de estruturação. Porque se você é capaz de ser campeão brasileira num ano, você não pode estar brigando para não cair no outro. Isso acontece porque você consegue reunir numa temporada um grupo de qualidade, o time tem torcida, embala e vai mesmo, atropela. Mas na sequência , sem estrutura, você não consegue manter.
Neymar é uma exceção. Tecnicamente o jogador brasileiro está pior. Pior do que há 10 anos atrás e pior ainda do que 20 anos atrás. Os outros técnicos lá de fora, na Europa, já notaram e falam isso
UOL Esporte: Após quase um ano da sua demissão e com a seleção tendo vencido a Copa das Confederações, como você avalia a sua passagem? Acha que poderia ter feito algo diferente?
Mano Menezes: A continuidade do trabalho da seleção que me confirmou avaliações importantes sobre o meu trabalho. Os jogadores que estavam lá. Achei que o Brasil fez uma boa Copa das Confederações. Como já era esperada, como era possível ver num crescimento que já vinha tendo de jogo. O Felipão fez duas ou três escolhas diferentes, o que é absolutamente normal. Acho, sim, que algumas coisas que foram feitas desde o primeiro momento foram vistas na seleção. Você sabe que eu sempre disse que não bastava marcar atrás, esperar o adversário errar, que os adversários de alto nível não erravam mais para permitir isso. O que se viu? O que se viu foi uma seleção marcando mais alto, recuperando a bola no campo de ataque, o que nunca tínhamos visto nos últimos anos. Então isso é uma mudança de filosofia que foi sendo implantada aos poucos. Você não consegue fazer isso em um ano. No jogo mais importante, que foi a final contra a Espanha, fez essa marcação na frente de forma muito competente. Isso é uma coisa que me deixa muito contente porque a gente trabalhou assim.
UOL Esporte: Mas tem algo que você acha que errou, que faria diferente?
Mano Menezes: Eu não costumo sair e depois dizer isso estava errado, deveria ter sido dessa maneira. Até porque isso envolve a instituição. Seria a mesma coisa que eu sair reclamando. As coisas foram como elas foram. Foram conduzidas da maneira que penso que o treinador tem que conduzir.
A estrutura do Flamengo é pior do que a do Grêmio e do Corinthians quando eu cheguei, na segunda divisão. A condição financeira é muito aquém também.
UOL Esporte: Entre deixar a seleção e assumir o Flamengo você ficou um período parado. O que você fez?
Mano Menezes: Continuei fazendo tudo que eu sempre fiz, só que reservadamente. Estudei futebol, acompanhei tudo. Penso que tem horas de falar e horas de escutar. Quem deveriam falar eram outras pessoas. Primeiro, eu precisava me recupera emocionalmente, porque obviamente você sai fragilizado por um trabalho interrompido. Você precisa se recuperar. E também assumir um trabalho logo em seguida, eu não estaria preparado. Não queria chegar pensando para trás, pensando no que aconteceu. Acho que esse é um bom período para sarar as feridas.
UOL Esporte: Quais foram as feridas?
Mano Menezes: São fatos que me deixam mais preparados para o futuro. Eu não guardo mágoa, não sou rancoroso. Então, eu me recupero bem.
UOL Esporte: Você se orgulha de ter feito a renovação na seleção, de ter trazido jovens como Neymar, Lucas e outros. Na Copa América, porém, houve um recuo seu, quando jogadores da era Dunga foram chamados e o desempenho não foi bom. Não se arrepende disso?
Mano Menezes: Não, porque se não tivesse feito os ruins seriam os jovens. Se não tivesse levado os experientes e só os jovens e tivéssemos tido o desempenho que tivemos os que sairiam desgastados seriam os que teriam que ter futuro na seleção. Por isso que a decisão foi tomada assim, foi um marco. O que aconteceu na sequencia do trabalho? Quem ficou? Os jovens. Se o resultado não confirma o que você pensou, você refaz a trajetória. É assim no futebol.
UOL Esporte: Na sua gestão houve muitas críticas sobre a qualidade dos adversários da seleção. Com Felipão, o Brasil voltou a jogar contra times fortes.. (interrompe)
Mano Menezes: Olha, eu não escolhi jogar contra o Gabão! Ninguém, profissional do futebol, escolheria jogar lá, naquelas condições. É obvio que você não escolhe os adversários. Tem uma questão econômica. Tem uma empresa que comprou os direitos da CBF e ela é que escolhe. Muitas vezes tem opção de adversários, mas outras não. É possível o técnico direcionar alguns adversários. Já estava direcionado jogar contra as grandes seleções neste ano. Não foi uma escolha desse ou daquele técnico.
UOL Esporte: Por que não há técnicos brasileiros em clubes de ponta da Europa? Um argentino comanda o Barcelona e outro o Atlético de Madri, um chileno está no Manchester City. Os brasileiros são piores?
Não escolhi jogar contra o Gabão! Ninguém, profissional do futebol, escolheria jogar lá, naquelas condições. Tem uma empresa que comprou os direitos da CBF e ela é que escolhe os jogos.
Mano Menezes: Existem técnicos ótimos no Brasil e na Argentina e existem outros nem tão bons no Brasil e na Argentina. Não acho que é mais qualificado por ter nascido em um lugar. Agora falta para nós questões a serem trabalhadas. A formação profissional dos técnicos, por exemplo. Falta exigência pela formação. Qualquer um decide ser técnico e é contratado. Acho que precisamos melhorar nisso. Tem a questão da língua também que dificulta. Além disso, temos uma falta de unidade no nosso trabalho. Somos muito separados. Não temos regulamento dentro da categorias, uma organização para compartilhar conhecimento. A gente acha que esconder conhecimento é o grande barato e vai dar a vitória lá na frente. Nos outros lugares você não vê isso. Temos muito o que evoluir.
UOL Esporte: Como você vê a ida do Neymar para a Europa. Ainda acha que ele tem muito a evoluir lá?
Mano Menezes: Quando eu era técnico da seleção falei que ele iria evoluir se saísse e fui criticado. Disseram até que eu dizia aquilo por ser corintiano, para prejudicar o Santos. É um absurdo, mas isso pega, dá repercussão. Porque discutir tecnicamente não tem muita graça. É mais fácil jogar para a massa. Ser o simpático da vez. A permanência dele seria boa para o nosso futebol, bom para o Santos. O que eu estava falando era outra coisa, que para ele se desenvolver mais, ele teria que passar por dificuldades maiores. Que as dificuldades daqui já não eram difíceis para ele.
UOL Esporte: Você acha que o futebol brasileiro vive uma crise técnica?
Mano Menezes: O fato é que tecnicamente a capacidade do nosso jogador está pior. Pior do que há 10 anos e pior ainda do que 20 anos atrás. Os outros técnicos lá de fora, que pedem para contratar os jogadores, já notaram isso. Os jogadores já não conseguem fazer coisas que eles faziam de maneira diferenciada antes. Os outros estão fazendo coisas melhores. A nossa formação está mais voltada para ganhar, para sistemas táticos ensinados para jogadores infantis e não está trabalhando a formação de fundamentos técnicos como no passado.
UOL Esporte: Onde está o erro?
Mano Menezes: Na formação de base. A vitória não era colocada acima da formação. É tudo mais imediatista. Se não ganhar não aparece. Ganhar significa ganhar dinheiro também. Precisamos melhorar a formação aqui. Nossa qualificação de fundamentação técnica caiu bastante. Quando estávamos na seleção começamos a discutir com os coordenadores das categorias de base dos clubes qual era o padrão do futebol brasileiro que nós queríamos. Como faríamos para atingir o padrão. Isso foi incipiente. O Ney Franco saiu e foi para o São Paulo e a discussão se encerrou. O projeto parou na CBF. Não avançamos.