Del Bosque vê Espanha à frente dos rivais e acha cedo para pôr Neymar entre os melhores

Paulo Passos

Do UOL, em São Paulo

  • Marcelo Del Pozo/Reuters

    Com Del Bosque, a Espanha venceu a Copa de 2010 e a Euro de 2012 e virá ao Brasil como favorito

    Com Del Bosque, a Espanha venceu a Copa de 2010 e a Euro de 2012 e virá ao Brasil como favorito

A figura simpática e cordial de um senhor bigodudo parece livrá-lo do "complexo de falsa-modéstia", clichê no futebol atual. Treinador da Espanha, a melhor seleção do mundo, Vicente Del Bosque não nega isso quando ouve o elogio de um interlocutor. "Evidente que sim. São dados, feitos que comprovam", responde. Ele tampouco discorda que o time que venceu as últimas duas Eurocopas e o Mundial da África do Sul, em 2010, está criando tendência com seu futebol de posse de bola, toques rápidos, meias inteligentes e, agora, sem um camisa "9".

Em entrevista exclusiva ao UOL Esporte, o treinador que esteve em São Paulo para o sorteio da Copa das Confederações falou sobre a missão de manter o seu time no topo. Disse mais. Sobre Neymar, afirmou que o santista só será testado de verdade quando atuar no futebol europeu.

"Neymar tem condições fantásticas, é um talento, mas ainda falta respaldo para estar entre os melhores do mundo. Não sei, mas eu me lembro do Robinho, por exemplo. Quando chegou na Europa tinha grandes condições. E ele tem de verdade, mas o seu rendimento não foi de acordo com o que se esperava. Então tem que esperar um pouco, para saber e a sua personalidade, o seu caráter fazem com que ele seja um dos grandes", afirmou o espanhol.

Confira a entrevista exclusiva com Vicente Del Bosque:

UOL Esporte: Você concorda que a seleção da Espanha é melhor do mundo hoje?
Vicente Del Bosque: Claro que sim, é evidente que sim. É só se fixar nos dados, nos feitos. Estamos numa época muito boa na Espanha e os títulos demonstram isso.


Acho que temos que esperar um pouquinho para ver como Neymar se sairá no nível internacional. Não há nada o que se falar mal dele, tem um grande talento. Mas ainda falta respaldo para ele ser um dos melhores do mundo

UOL Esporte: A Espanha sempre foi um país com clubes fortes, mas sem uma seleção competitiva. Existe uma explicação para agora ter uma equipe tão forte?
Del Bosque: Acho que principalmente porque os jogadores têm o espírito competitivo que é necessário. Nos clubes eles sempre ganharam grandes títulos, sempre tivemos equipes competitivas e finalmente isso foi refletido para a seleção. E também porque na Espanha aconteceram coisas que tiveram consequências positivas.  Até a saída de jogadores para o exterior e de técnicos também influenciou nisso. Na Inglaterra foram alguns. Vieram nomes estrangeiros também, técnicos muito bons. Isso mexeu com o nosso futebol. Claro que temos uma geração muito boa, mas tivemos grandes jogadores antes. Teve um fator também que foi importante: acho que esquecemos um pouco aquela febre de disciplina tática. Agora há um equilíbrio, demos mais espaço para o talento dos jogadores. E vejo que temos uma situação boa para o futuro. Vejo nesses jogadores atuais nomes que poderão ser bons técnicos para o futuro, para levar isso adiante.

UOL Esporte: Durante a sua entrevista coletiva no evento do sorteio da Copa das Confederações você foi muito questionado sobre a instabilidade da seleção brasileira. Existe algo que a Espanha atual pode ensinar para o Brasil?
Del Bosque: Foi raro mesmo ser perguntado sobre a seleção brasileira. Como se eu tivesse a chave para resolver os problemas. Tampouco tenho a solução para o futebol do Brasil. Sempre parece que as seleções que ganham criam uma tendência. Nós somos assim, pelos nossos jogadores, pela posse de bola, acabamos marcando agora essa tendência. Mas não é o único caminho para conseguir o êxito. De fora, vocês brasileiros viram os títulos da seleção, os do Barcelona, os do Real Madrid. Então o futebol espanhol tem uma imagem boa e isso é evidenciado em situações como esse, quando se pergunta.  Ser uma tendência é positivo, não posso negar.

UOL Esporte: E como você viu a troca de técnico na seleção brasileira? É algo que acontece muito no Brasil, na seleção e nos clubes.
Del Bosque: Acontece o mesmo na Espanha. É uma pena que se troque muito de técnicos, algo ruim, mas faz parte. O importante é que o dirigente acredite no técnico, que os jogadores acreditem no trabalho dele. Se isso não acontece é impossível. Aí vem a mudança. O desgaste da convivência com o jogador diária, uma mudança mal feita são coisas que vão minando, por exemplo, a força do técnico. A solução para o dirigente é trocar.


Foi raro ser perguntado sobre a seleção brasileira aqui. Como se eu tivesse a chave para resolver os problemas. Tampouco tenho a solução para o futebol do Brasil. Criamos uma tendência, mas não é o único caminho para conseguir o êxito

UOL Esporte: Quem é, na sua opinião, o melhor jogador do mundo hoje?
Del Bosque: Difícil. Essas escolhas são difíceis. Nós, na seleção espanhola, decidimos, acreditando que precisamos também de um respaldo individual para os nossos jogadores, escolher os dois capitães, Casillas e Xavi, e o Iniesta. Votamos nesses três para o prêmio da Fifa e é justo. É uma questão racional. Não é por isso que eu fecho os olhos para o que fazem Messi e [Cristiano] Ronaldo. São duas feras do futebol.

UOL Esporte: E o Neymar, você acha que ele está no mesmo nível dos melhores do mundo?
Del Bosque: Acho que ainda falta respaldo, mais jogos internacionais para ele ainda, até mesmo com a seleção. Neymar tem condições fantásticas. É um talento.

UOL Esporte: No Brasil, existe uma discussão sobre se ele pode ser o melhor do mundo atuando aqui. O que você acha?
Del Bosque: Difícil falar, mas me lembro do caso do Robinho, por exemplo. Quando ele chegou na Europa tinha grandes condições, e ele tem de verdade, mas o seu rendimento não foi de acordo com o que se esperava. Então tem que esperar um pouco, para saber se a personalidade do Neymar e o seu caráter farão com que ele seja um dos grandes. O Cristiano Ronaldo e o Messi são muito bons, mas além disso são competitivos. Eles ajudam os seus times a ganhar, o que é o mais importante.

UOL Esporte: E vendo jogos do Neymar você o analisa como um jogador competitivo?
Del Bosque: Sim, mas só acho que temos que esperar um pouquinho para ver como ele se sairá no nível internacional, de seleção. Agora mesmo não há nada o que se falar mal do Neymar.

UOL Esporte: No Real Madrid você trabalhou com muitos brasileiros. Que recordações tem deles?
Del Bosque: Foram extraordinários. Me lembro do Flávio Conceição, por exemplo. Contratamos quando eu estava lá. Ele era um jogador muito completo, gostava dele. O Roberto Carlos foi outro. Para mim é o melhor lateral-esquerdo da história. Não houve outro melhor que ele na posição. Era ofensivo, um físico incrível. Jogávamos com o Zidane por dentro e ele tinha a liberdade para avançar. Era incrível o que fazia. O Ronaldo também encantava. Foi um jogador singular, não haverá outro.


Roberto Carlos é o melhor lateral-esquerdo da história. Não houve outro melhor que ele na posição. Era ofensivo, tinha um físico incrível.

UOL Esporte: O Ronaldo gostava de treinar no Real Madrid?
Del Bosque: Acho que sim (risos). Não tenho queixas do Ronaldo. Ele fazia as coisas que mais gostava que era jogar e treinar também. Fomos exigentes como devíamos ter sido com ele. Eu também acho que cada jogador tem ser tratado de forma individual, com cobranças distintas. Tivemos uma boa relação. Além do mais, ele é um garoto muito inteligente, conhece as coisas, as pessoas. Ele capta muito tudo rápido.

UOL Esporte: Vocês ainda se falam?
Del Bosque: Não, só em eventos como aqui. Vi que está fazendo uma dieta, né?. Espero que seja feliz.

UOL Esporte: A Espanha vive um momento incrível no futebol. A seleção é a melhor do mundo. Real Madrid e Barcelona têm os melhores jogadores do mundo. Ao mesmo tempo o país vive uma crise econômica fortíssima, com aumento no desemprego e sem crescimento econômico. Isso é assunto tratado na seleção? O que se fala da crise econômica no país?
Del Bosque: Claro que esse acaba sendo um assunto no time. Não estamos alheios ao que acontece. Os jogadores são sensíveis. Todos conhecem alguém, mesmo na família, que está passando por problemas. Isso é conversado. Esperamos que seja uma situação transitória, que se resolva. Tudo na vida tem solução. Não somos a única grande nação que enfrenta esse problema. Levará um tempo, mas sairemos dessa situação.

UOL Esporte: Você acha que seria uma injustiça o Xavi terminar a carreira sem ganhar o título de melhor jogador do mundo?
Del Bosque: Eu acho que mais importante que o prêmio que ele poderia ter recebido é a consideração que ele tem dos seus colegas. Mais, a consideração que ele tem dos rivais, seja na Espanha ou em outros lugares. Isso ninguém tira dele. O Xavi é o melhor meia do mundo, tem valores geniais. É um meia perfeito. Ele colabora defensivamente, constrói o jogo, faz gols. É um jogador completo.

UOL Esporte: O ex-técnico da seleção brasileira, Mano Menezes, armou o time nos seus últimos jogos sem um camisa "9". Você acha que é uma influência da seleção espanhola?
Del Bosque: Eu acho que o que eu falava em criar tendência...isso também não é regra. Isso depende dos jogadores que você tem. Se você tem um "9", um centroavante muito bom, quais os meias que você tem...cada time é um mundo de opções.

UOL Esporte: Se você tivesse o Ronaldo no seu time, jogaria com um "9"?
Del Bosque: (risos) Eu sempre joguei com o Ronaldo quando ele estava bem. Ele é um jogador universal, jogaria onde fosse, de atacante, meia, até lateral. Era um especialista como "9", mas podia atuar onde quisesse. Mas, sim, ele jogaria no meu time.

UOL Esporte: No Brasil se iniciou uma campanha pelo Guardiola na seleção brasileira. Você acha que ele teria sucesso?
Del Bosque: Olha, eu dei umas declarações sobre ele e pareceu que eu estava dizendo o que ele deveria fazer. Eu disse que ele deveria voltar a treinar. Mas eu respeito a sua decisão. Ele tem o direito de decidir e saber o que quer. O que eu disse é porque ele representa muito bem os treinadores da Espanha, faz o seu trabalho de forma brilhante. Fico feliz que tenhamos treinadores dessa qualidade. Ele se daria bem em qualquer lugar. Mas o Brasil tem um técnico, o Luiz Felipe Scolari.

UOL Esporte: Como um técnico com história no Real Madrid consegue viver em paz com o Barcelona numa Espanha que é tão dividida entre os dois clubes?  
Del Bosque: Eu trato de fazer as coisas na maior justiça. Eu não nego o meu clube, onde me criei, fiquei 36 anos e defendi até a morte, que é o Real Madrid. Mas agora sou técnico da Espanha e não tenho preferência por nenhum clube. E o que me faz escolher são os jogadores, o que eles estão fazendo.

UOL Esporte: Existem movimentos políticos que reivindicam que a Catalunha se torne um país independente da Espanha. O próprio presidente da Generalitat (governador da Catalunha), Artur Mas, defende a separação. Se isso acontecesse, certamente a sua seleção perderia quase metade dos jogadores (Xavi, Busquests, Puyol, Fábregas, Jordi Alba, Martín Montoya). O que você acha disso?
Del Bosque: Mesclar política com o esporte não é o melhor.  Hoje a Catalunha é Espanha e trabalho com essa situação. Não acredito que isso vai mudar. Enquanto eu tiver de técnico não vai mudar e trabalho com essa realidade.

Vicente del Bosque
Vicente del Bosque

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