Copa e Olimpíada devem desalojar 7.200 famílias no Rio de Janeiro, segundo dossiê

Vinicius Konchinski

Do UOL, em São Paulo

  • AP Photo/Felipe Dana

    Número é apenas uma estimativa, pois nem todas as obras para os megaeventos já estão definidas

    Número é apenas uma estimativa, pois nem todas as obras para os megaeventos já estão definidas

As obras de preparação do Rio de Janeiro para a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016 devem retirar 7.185 famílias de suas casas.
 
Essas famílias devem ser removidas para dar lugar a novas instalações esportivas, vias para tráfego de ônibus ou melhorias na infraestrutura turística carioca para os dois grandes eventos esportivos.
 
O número de remoções foi divulgado nesta quinta-feira pelo Comitê Popular da Copa e Olimpíada do Rio de Janeiro, órgão que agrupa diversos movimentos sociais da capital fluminense. Com base em visitas a áreas que podem ser afetadas pelos projetos para os megaeventos, o comitê elaborou um dossiê com a quantidade de famílias já removidas ou ameaçadas pelas obras (veja no quadro abaixo).
 
Segundo os organizadores do documento, o número de remoções ainda é subestimado pois não há informações oficiais sobre todas as obras para a Copa e Olimpíada no Rio. Ainda assim, levando em consideração que as famílias removidas têm cerca de 4,5 membros cada uma (média utilizada por especialistas), 32,3 mil habitantes da cidade terão de deixar suas casas. Isso representa mais de 0,5% do total da população do Rio.

SAIBA ONDE VIVEM AS FAMÍLIAS AFETADAS PELAS OBRAS

Local Famílias já removidas Famílias ameaçadas Total Obra Motivo
Largo do Campinho (Campinho) 65 Totalmente removida 65 BRT Transcarioca Mobilidade urbana
Rua Domingos Lopes (Madureira) 100 Zero 100 BRT Transcarioca Mobilidade urbana
Rua Quáxima (Madureira) 27 Zero 27 BRT Transcarioca Mobilidade urbana
Comunidade Vila das Torres (Madureira) 300 Totalmente removida 300 Construção de parque municipal Mobilidade urbana
Comunidade Arroio Pavuna (Jacarepaguá) Zero 28 28 BRT Transcarioca Mobilidade urbana
Restinga (Recreio) 150 Totalmente removida 150 BRT Transoeste Mobilidade urbana
Vila Harmonia (Recreio) 118 2 120 BRT Transoeste Mobilidade urbana
Vila Recreio II (Recreio) 235 Totalmente removida 235 BRT Transoeste Mobilidade urbana
Vila Autódromo (Jacarepaguá) Zero 500 500 BRT Transcarioca e Transolímpica Mobilidade urbana
Asa Branca (Curiacica) Zero 2.000 2.000 Transolímpica Mobilidade urbana
Vila Azaleia (Curiacica) Zero 100 100 Transolímpica Mobilidade urbana
Vila Taboinha Zero 400 400 Reintegração de posse Mobilidade urbana
Comunidade do Metrô Mangueira 350 350 700 Estacionamento do Maracanã Instalações esportivas
Ocupação Aldeia Maracanã Zero 20* 20* Privatização do Maracanã Instalações esportivas
Favela do Sambódromo 60 Totalmente removida 60 Alargamento do Sambódromo Instalações esportivas
Favela Belém-Belém (Pilares) Zero 300 300 Novo acesso Engenhão Instalações esportivas
Favela Barreira do Vasco Zero Sem informação Sem informação Novo acesso a São Januário Instalações esportivas
Ocupação Machado de Assis Zero 150 150 Porto Maravilha Promoção do turismo
Ocupação Flor do Asfalto Zero 30 30 Porto Maravilha Promoção do turismo
Rua do Livramento e Adjace¿ncias Zero 400 400 Porto Maravilha Promoção do turismo
Ocupação Boa Vista 35 Zero 35 Porto Maravilha Promoção do turismo
Morro da Providência Zero 835 835 Implantação de teleférico Promoção do turismo
Comunidade Tabajaras (Estradinha) 120 230 350 A Prefeitura alega que a área é de risco Promoção do turismo
Comunidade do Pavão- Pavãozinho 300 Zero 300 A Prefeitura alega que a área é de risco Promoção do turismo
Total 1.860 5.325 7.185    
  • Fonte: Dossiê Megaeventos e Violações dos Direitos Humanos no Rio de Janeiro, 2012
  • *Na Aldeia Maracanã, não são 20 famílias, mas 20 indivíduos. Por isso, o número de remoções não está contabilizado no total
 
Além do quadro com os locais das remoções, o dossiê Megaeventos e Violações dos Direitos Humanos no Rio de Janeiro enumera casos de pessoas, em sua grande maioria pobres, que estão sendo diretamente prejudicadas por causa da Copa e da Olimpíada. Denuncia ainda a falta de pagamento de indenizações apropriadas para as famílias que perderam suas casas e de transparência de governos para tratar das remoções.
 
"As remoções acontecem sem que os moradores tenham acesso às informações e sem que o projeto de urbanização para a área seja debatido", informa o documento, lançado oficialmente nesta noite. "As remoções acontecem sem que os moradores tenham, ao menos, a oportunidade de serem escutados."
 
De acordo com o dossiê, 24 bairros do Rio de Janeiro terão famílias removidas. Algumas comunidades, inclusive, serão totalmente desalojadas. Quase todas elas ficam em áreas próximas às obras para a Copa e a Olimpíada e que, portanto, devem ser significativamente valorizadas após os dois eventos.

OBRA CONTESTADA

  • Divulgação

    A construção do Parque Olímpico para a Rio-2016 já foi contestada na Justiça outras vezes. Em janeiro, uma liminar impediu a licitação da obra, considerada a mais importante para a Olimpíada.

 
Uma dessas áreas é a do entorno do atual Autódromo de Jacarepaguá, que dará lugar ao Parque Olímpico de 2016. Ali, há mais de 20 anos existe a Vila Autódromo, onde vivem cerca de 500 famílias. Segundo o dossiê, todas estão ameaçadas e podem ter de deixar o local por causa da Olimpíada.
 
"Essa situação incomoda muito a gente", disse Vera Lucia Araújo, moradora da Vila Autódromo, ao UOL. "Nós temos todos os documentos de nosso terreno, da nossa casa e vem o prefeito dizer que quer nos remover. Isso é um absurdo."
 
Vera tem 59 anos, é viúva e vive na Vila Autódromo com seus cinco filhos e oito netos. Ela lembra que chegou ao local quando tudo aquilo ainda era "puro mato".  Hoje, teme ter de deixar seu bem mais valioso em troca de uma indenização que não sabe o valor. "As grandes construtoras querem nosso terreno", afirmou ela. "Esse negócio de Olimpíada é tudo para facilitar a vida delas." 
 
Transporte
 
O professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Orlando Alves Junior, membro do Comitê Popular da Copa, concorda com Vera. Ele ressalta que as obras de mobilidade urbana, que estão sendo apresentadas como o grande legado da Copa e da Olimpíada, também não atendem às necessidade da população do Rio. Para ele, elas beneficiam os interesses de grandes corporações em alguns locais específicos da cidade.
 
"Para a Olimpíada, eles querem estender uma linha do metrô até a Barra da Tijuca [local da maioria das instalações esportivas], mas já há um projeto de um outro trajeto passando pelo Jardim Botânico e Humaitá", afirmou. "Por que eles não usam esse trajeto, que beneficiaria mais pessoas?"
 
Alves Junior afirmou que o poder público não discute com a população os melhores projetos para o Rio de Janeiro. Assim, acaba usando a Olimpíada e a Copa como pretexto para impor à cidade planos que favorecem a poucos.
 
Resposta
 
O UOL procurou nesta quinta-feira a Empresa Pública Olímpica do Rio de Janeiro (EOM) para ouvir a posição do órgão sobre as informações do dossiê. A EOM é a responsável por acompanhar todas as obras da Copa e Olimpíada na cidade do Rio de Janeiro.
 
O órgão informou que não recebeu o documento, por isso não iria se pronunciar sobre ele. Entretanto ressaltou que "a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos exigem obras de grande magnitude, que vão mudar a cidade e trazer benefícios para toda a população".
 
Sobre as remoções, a EOM informou que, de forma geral, elas são "inevitáveis" e seguem os "procedimentos legais".
 
"As negociações com as famílias são conduzidas respeitando os direitos dos moradores das comunidades. Isso implica avisá-las com antecedência e esclarecer sobre a natureza e a importância da desapropriação, que é sempre motivada por interesse público mais amplo", declarou a EOM, em nota. "As famílias recebem imóveis do projeto Minha Casa, Minha Vida ou indenizações calculadas de acordo com a lei."
Obras da Copa
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