Reclusão, pelada e sarro de vexame brasileiro. A rotina de Maradona no RJ

Paulo Passos

Do UOL, no Rio de Janeiro

"Você tem sorte, hoje Diego está de bom humor. Talvez pare para falar", me avisa um dos produtores do "De Zurda", programa da estatal venezuelana Telesur e exibido também na TV Pública, da Argentina. É por causa da atração que Maradona está no Brasil durante a Copa do Mundo. Todas as noites, ele conversa por uma hora com o jornalista uruguaio Victor Hugo, notabilizado pela célebre narração do segundo gol da Argentina sobre a Inglaterra, no Mundial de 1986, em que chora ao descrever o lance.

Faltam quinze minutos para o programa de quinta-feira começar e o diretor avisa aos berros: "Vamos fazer a foto!". O grupo de 28 pessoas que trabalha na produção deixa o estúdio da TV Pública e parte em disparada para o estacionamento do centro de imprensa da Copa do Mundo, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Eles se agrupam, alguns sentam no chão e se aprontam em frente ao fotógrafo. Tudo parece estar pronto, mas nenhum clique é feito. Há uma explicação. Ele ainda não está presente.

Depois de alguns minutos, Maradona chega. Ao avistá-lo de longe, o estafe do programa começa a cantar a música que virou tema da torcida argentina na Copa do Mundo. O canto que inicia com "Brasil, decime que se siente" e termina com o verso "Maradona es más grande que Pelé" é escutado por Diego, que se empolga, pula feito um torcedor comum e se junta ao grupo cantando.

Repetindo a piada do jornal argentino "Olé", substitui o "siente" por "siete" e mostra sete dedos das mãos, em referência à goleada sofrida pela Brasil para a Alemanha. O craque gargalha e, depois, posa para foto. O clima é de euforia pela classificação argentina para a final da Copa do Mundo.

Depois de tirar sarro, Maradona vai para um estúdio acanhado, de cinco metros quadrados, da TV Pública para participar do "De Zurda", que é transmitido ao vivo. Ele nunca anda sozinho. Além dos jornalistas que o cercam tentando entrevistá-lo, dois seguranças não desgrudam dele. Outros dois policiais federais argentinos também seguem o astro por onde ele vai.

Após rodar uma vinheta, com imagens de jogos históricos da Copa e uma canção que diz, entre outras coisas, que o Mundial chegou à esquerda do planeta, Maradona e Victor Hugo aparecem e começam a falar. O narrador é um uruguaio radicado há mais de 30 anos na Argentina e amigo do craque desde então. Com cabelo grisalho e dose exagerada de gel no penteado, veste terno e gravata de tons cinzas e sóbrios. Ele ouve bem mais do que fala durante o programa. Seu papel é levantar temas para o astro comentar.

"E na final, os alemães acham que vão ter um jogo como foi contra a seleção brasileira?", pergunta. "Tomara que os alemães pensem que a Argentina vai ser como o Brasil. Oxalá que isso aconteça", diz Maradona.

Apesar das gozações com a equipe de Luiz Felipe Scolari que foi humilhada nas semifinal, ele passa o programa elogiando o Brasil. Cita o descrédito que havia com a organização da Copa do Mundo e diz estar maravilhado com o Rio de Janeiro.

"O Brasil perdeu em campo, mas ganhou como país. Não houve distúrbios nos estádios. O que se pintava lá fora era que seria um caos. Parecia que teríamos que comprar uma arma ao desembarcar por aqui. Não houve nada disso", afirma.    

Pelada no Recreio e reclusão
Apesar do encantamento com o Rio de Janeiro, Maradona desfrutou pouco da cidade desde que chegou, há mais de um mês. Ser "Díos", como é chamado na Argentina, não é tarefa fácil. O craque e seu estafe evitam aparições públicas por causa do tumulto que elas provocam. Na praia, por exemplo, não foi nenhuma vez, apesar de estar hospedado em frente ao mar, no Raddisson, na Barra da Tijuca. 

Diego passa todo o dia no hotel. Frequenta a academia e o restaurante, mas sempre num esquema de segurança que garanta que não será abordado por fãs e jornalistas. Uma de suas únicas escapadas foi para jogar futebol com a equipe que produz o programa, no condomínio Maramar, no Recreio dos Bandeirantes. A pelada durou cerca de uma hora e meia.

No hotel em que Maradona está hospedado ficam também os quatro seguranças (dois guarda-costas e dois policiais) e outros quatro amigos. Um deles é o seu atual empresário Alejo Clérici. Os dois trabalham juntos desde 2011, quando o ídolo argentino rompeu com ex-jogador Alejandro Mancuso. Assim como aconteceu com todos seus outros parceiros comerciais, o fim da sociedade terminou em disputas na Justiça, com acusações de desvios de dinheiro e contratos fraudulentos.

Hoje responsável pelos negócios do astro, Clérici está sempre próximo ao sócio. Bronzeado, usa roupas justas que ressaltam seus músculos torneados. É vaidoso, mas não gosta de falar com a imprensa. A aversão aumentou desde que a ex-namorada de Maradona, Rocío Oliva, afirmou na Argentina que o empresário e o jogador mantinham uma relação homossexual.

Outro que sempre cerca Maradona é seu assessor de imprensa Fernando Molina. Eles se conheceram quando o jornalista namorava Dalma, uma de suas filhas. Os dois se separaram em 2011, mas ele continuou trabalhando com o ex-sogro. 

"Ela acha que vai conseguir falar com Diego", comenta Fernando com um segurança, apontando para uma repórter da ESPN americana que aguarda o final do programa na frente da porta do estúdio. Pergunto se há algum problema entre os dois. "Não, mas ela é ianque. Ele não fala com veículos dos Estados Unidos", responde.

Meia hora depois do programa terminar, Maradona deixa o estúdio. A minha sorte que o produtor do "De Zurda" previu não se confirma. O craque caminha rápido e não reponde a nenhuma pergunta. Apenas um jornalista italiano consegue se aproximar e falar algo no seu ouvido. Diego ri e começa a cantar Sole Mio com empolgação. Realmente, não havia dúvidas de que ele estava de bom humor.

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