Fracasso e origem africana custam caro, e Balotelli vira 'homem sem pátria'

Patrick Mesquita

Do UOL, em São Paulo

Se existe uma lição que Mario Balotelli deve aprender com a eliminação da Itália é que a Copa do Mundo cobra caro quem fracassa, principalmente quando se trata de um atleta badalado e que não faz a menor questão de seguir uma "cartilha de bons modos". Visto como esperança, o atacante foi apontado como vilão após mais um vexame italiano em Mundiais.

Bastou o apito final na derrota diante do Uruguai para que o jogador fosse bombardeado por críticas de todos os lados. A imprensa local o chamou de "corpo estranho", torcedores disseram que ele não é italiano e até mesmo os companheiros de time o atacaram, criticando a falta de comprometimento dentro e fora de campo.

"Com certeza houve coisas que condicionaram o resultado, como o calor e a arbitragem negativa, mas não devemos nos esconder atrás dessas coisas. Temos que esquecer rápido. Melhor: temos que levar em conta tudo isso e recomeçar tudo com homens de verdade, não das figurinhas ou das personagens: esses não servem para a seleção", disparou De Rossi, em uma clara referência ao episódio ao qual Balotelli postou, em sua conta no Facebook, seu álbum de figurinhas da Copa do Mundo, no qual continha somente imagens suas coladas na página da seleção italiana.

Nas redes sociais, a repercussão foi ainda mais negativa. Usuários italianos passaram a atacar Balotelli com insultos racistas e dizendo que ele foi o culpado pela queda da "Azzurra".

Vale destacar que Balotelli se despediu da Copa como autor de um dos dois únicos gols marcados pela seleção italiana, na vitória por 2 a 1 sobre a Inglaterra. Mesmo "sumido" nas outras partidas do grupo D, ele foi o jogador da equipe que mais finalizou. Foram sete chutes ao gol, sendo quatro no alvo e três para fora. Além disso, ele foi o sexto do elenco que mais correu, cobrindo 20.8 km e atingindo uma velocidade de 33 km/h (uma das melhores do torneio até aqui), marca superior a homens de posições defensivas, como o próprio De Rossi.

Então por que a culpa é de Balotelli?

Parte da resposta pode estar nas atitudes do atacante. Logo que despontou para o futebol, Mario foi tratado como uma espécie de "bad boy" e marrento. Desde a Ferrari quase sempre mal estacionada na noite de Milão até brigas com companheiros em Manchester, o jogador sempre foi criticado pelo comportamento polêmico. Enquanto uns atacavam, outros adoravam o estilo relaxado e Balotelli virou um astro exatamente por pouco se importar com a imagem de bom moço.

Até então, isso não fazia tanta diferença na seleção porque ele conseguia decidir alguns jogos, como aconteceu na Eurocopa de 2012, quando foi essencial na semifinal diante da Alemanha.

"Mario não é uma pessoa difícil. Nós o tratamos como qualquer outro no elenco, nem mais, nem menos. Não existe a necessidade de conversarmos com ele sobre comportamento, é algo que cabe ao técnico. Mas não existe problema com ele, é um grande jogador", afirmou o mesmo De Rossi, em 2012, durante a campanha que terminou com o vice-campeonato italiano e uma grande atuação de Mario.

Em 2014 a situação foi completamente diferente e a Copa do Mundo cobraria um preço alto ao centroavante. De acordo com a imprensa italiana, os membros do elenco, principalmente os mais velhos, só aguentavam o atacante porque esperavam que ele fosse resolver a favor da seleção, o que nem passou perto de acontecer. Isolado na concentração ao lado da noiva Fanny Neguesha, com quem teria tido uma briga um dia antes da queda para o Uruguai, o jogador passou a ser criticado pelos companheiros. E nada é pior do que não seguir a "cartilha de comportamento" do futebol italiano.

A paciência teria acabado no intervalo do jogo contra o Uruguai. Ao final da primeira etapa, o jogador criticou duramente os companheiros. Irritado, o técnico Cesare Prandelli pediu uma mudança de atitude. Por continuar a criticar os "medalhões", Balotelli foi sacado do time e acompanhou a queda da Itália sozinho no banco de reservas. No fim da partida, enquanto todos esperavam Pirlo voltar do antidoping, o atacante seguiu sozinho para o ônibus.

Italiano na glória, africano no fracasso

A outra parte da resposta para entender por que a culpa caiu sobre o jogador está em seu relacionamento com os italianos. Filho de imigrantes ganeses, Mario só ganhou o sobrenome atual aos três anos de idade. Francesco e Silvia Balotelli adotaram o garoto porque os pais biológicos não tinham condições financeiras de manter a criança.

Uma onda de racismo escancarado invadiu a Europa exatamente no momento em que o atacante do Milan é um dos nomes mais conhecidos no futebol mundial. Logo, a presença de um negro "ganês" na seleção italiana sempre foi questionada por torcedores mais radicais.

Balotelli conseguiu dobrar os críticos da mesma forma que conquistou o elenco da Itália, com uma grande atuação na Euro. Muitos "adotaram" o astro como um membro da comunidade italiana, mas ainda não foi o suficiente. Na preparação da equipe nacional em Florença, o camisa 9 foi ofendido por um torcedor ao ser chamado de "negro de m....".

A queda na Copa do Mundo acentuou o número de insultos. Em sua conta no Instagram, Balotelli decidiu desabafar ao postar o vídeo de um torcedor dizendo que ele não é italiano e deveria estar longe da seleção.

"Tenho orgulho por dar tudo ao seu país. Ou talvez, como você disse, não sou italiano. Os africanos nunca tratariam um irmão assim. Quanto a isto, nós, negros, como você nos chamou, estamos anos-luz à frente. Vergonha não é quem erra um gol ou corre mais ou menos. Vergonhosas são estas coisas. Verdadeiros italianos. Sério?", dizia parte do desabafo do atacante.

O atacante pode nunca se enquadrar ao idealizado por companheiros ou técnicos. Provavelmente ele pouco se importa com isso. Mas um provável efeito colateral será o astro entrar numa espécie de exílio da seleção italiana. Balottelli pode virar um homem sem pátria no futebol.

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