Copa pode levar a rivalidade entre Brasil e Argentina para fora do gramado
Carolina Juliano
Do UOL, em São Paulo
-
REUTERS/Enrique Marcarian
Multidão exibe camisa gigante de Messi na festa que fizeram para recepcionar a seleção argentina
Os argentinos que invadiram o Brasil aos montes para apoiar a seleção na Copa do Mundo foram embora com a tristeza de não levar a taça e com a indignação de ver os brasileiros que os chamam de "hermanos" torcerem pela Alemanha na final e para todas as outras seleções que jogaram contra a Argentina.
Não que eles esperassem que os brasileiros fossem pintar a cara de azul e branco e o nariz com um sol amarelo para tomar os estádios e apoiá-los. Mas a verdade é que a se medir pela forma como foram recebidos nas cidades por onde passaram, nas festas onde estiveram, nas praias, a se considerar a hospitalidade que tanto elogiaram, esses argentinos dizem que foram pegos de surpresa pelo clima de animosidade que se formou principalmente depois que o Brasil foi eliminado do Mundial.
Os vizinhos primeiro se surpreenderam positivamente com a receptividade que tiveram por aqui. E depois não entenderam principalmente como os brasileiros conseguiram vestir a camisa da seleção que os desclassificou. "A maior bronca é essa, como puderam vestir a camisa da Alemanha depois do que passaram com eles [a derrota por 7 x 1]", diz a jornalista Andrea Lopez. "Ainda é muito cedo para falar a longo prazo, mas neste momento estão todos com muita raiva."
É bem verdade que em se tratando de futebol nunca houve simpatia entre os dois países dentro de campo. Mas fora das quatro os brasileiros e argentinos até que se dão bem, e se admiram. As praias do sul do Brasil estão sempre lotadas de hermanos, e Buenos Aires é o destino internacional preferido dos brasileiros. E era esse clima que eles esperavam encontrar aqui.
"Há jornalistas que já disseram que nunca mais pretendem por os pés em solo brasileiro, e somam às provocações da torcida a morte de dois colegas em acidentes de carro", diz Carla Alicia, que é professora de português em Buenos Aires. "Perguntei aos meus alunos que achavam dessa questão e eles disseram que não querem ver brasileiros pela frente, que a relação com eles certamente vai piorar, sobretudo porque não respeitam a própria pátria e vestiram camisas da Alemanha."
"Brasil, eu te digo o que se sente"
A mágoa dos argentinos foi traduzida por vários deles nas redes sociais, onde eles criaram várias versões para a música provocativa que foi hino na torcida no Brasil. Duas delas, além de enaltecer o orgulho que sentem de sua seleção, criticaram a falta de apoio dos brasileiros à nossa seleção.
"Brasil te digo que se sente! Ficar em segundo em teu mundial, isso não é para insensíveis, você não pode nem entender. Aquele que meteu 7 em vocês a mim me cumprimentou e minha equipe nunca depreciou. Aprende como apoiar, nós fomos aí para te mostrar que os teus você não tem que abandonar."
"Brasil te digo que se sente. Minha equipe é orgulho nacional. Eu não vaiei meus jogadores nem tive que apoiar outro rival. A bandeira agitei, as cores respeitei, a Argentina é tão grande como vocês veem. Nossa torcida apoiou com todo o coração. Argentina sem dúvidas é campeã!"
"A música que cantamos nos estádios é uma questão cultural, é naquele espírito, naquele âmbito. É provocação sadia, de jogo, não é para ofender ninguém", diz o educador físico e professor de futebol Diego Bianchini, que foi a duas partidas da Argentina (em Porto Alegre e em São Paulo). "Não entendi por que quando saímos do Itaquerão depois da classificação para a final os brasileiros nos atiraram latas de cerveja e outras coisas, nos ofenderam. Até a polícia de São Paulo nos tratou com animosidade, muito diferente do que encontramos em Porto Alegre."
Argentinos vão pensar duas vezes antes de vir de férias ao Brasil
Bianchini acha que um não entendeu o outro. Ele admite que a provocação pode ter partido dos argentinos, que chegaram ao Brasil cantando sempre a mesma música lembrando a eliminação da seleção da casa na Copa de 1990. Mas daí aos brasileiros vestirem a camisa de outra seleção e pagarem ingressos caríssimos para ir secar a Argentina, é uma longa distância que ele não consegue entender. "Há um sentimento generalizado agora de animosidade, meus amigos acreditam que vai haver mais episódios violentos agora e vão diminuir as viagens dos argentinos ao Brasil nas férias."
Os jornais da Argentina parece que também não entenderam. O diário "Olé" foi o que mais mostrou a sua indignação com um texto que chamou a atitude dos brasileiros de "insólita, mas real". E escreveu: "como se diz dignidade em português? Parece que no Brasil eles também têm à mão essa palavrinha, embora não saibam muito bem o que significa. Porque, para colocar a camiseta da Alemanha… a seleção que acaba de humilhá-los, de destroçá-los em mil pedaços, ou melhor, sete pedaços […] Vestir a camiseta só para torcer pelo rival da Argentina, não devem ter noção de dignidade, claro que não", escreveu.
Cláudio Folgueiro é professor de filosofia em Buenos Aires e admirador da Seleção Brasileira. Ele concorda que o clima no momento não está dos melhores para os brasileiros que pretendem visitar a Argentina, mas acha que vai passar. "Penso que se fosse o contrário os argentinos fariam o mesmo", diz. "E mais, acho que os argentinos tinham que ganhar primeiro para depois sair cantando a música dizendo que ali estava o seu 'papa'."