Fifa ameaçou processar editora de livro que denunciou máfia de ingressos

Guilherme Costa

Do UOL, em São Paulo

  • Ueslei Marcelino/Reuters

    Livro do inglês Andrew Jennings, publicado em maio no Brasil, tem denúncias que levaram a prisão de executivo da Match

    Livro do inglês Andrew Jennings, publicado em maio no Brasil, tem denúncias que levaram a prisão de executivo da Match

Os executivos da editora Panda Books tiveram um motivo especial para celebrar a prisão de Raymond Whelan, CEO da Match, empresa que detém exclusividade para venda de camarotes e pacotes corporativos em eventos da Fifa. A operação que levou a Polícia Civil ao executivo na última segunda-feira foi deflagrada após denúncias contidas no livro "Um jogo cada vez mais sujo", escrito pelo jornalista inglês Andrew Jennings e lançado no Brasil pela empresa. Há menos de três meses, os responsáveis pela publicação receberam ameaças por causa da obra.

Pensando em aproveitar o furor causado pela proximidade da Copa, a Panda Books agendou o lançamento de "Um jogo cada vez mais sujo" para 5 de maio deste ano. No dia 22 de abril, a empresa enviou um trecho para o jornalista Juca Kfouri, blogueiro do UOL, como estratégia de divulgação. O excerto escolhido foi o capítulo 7, que fala sobre a existência de uma máfia de desvio e revenda de ingressos.

"Ele publicou no blog assim que viu o teor e percebeu a bomba que era. No dia seguinte, recebemos uma notificação extrajudicial do escritório de advocacia do Francisco Mussnich dizendo que a Fifa soube do teor do livro e que nós seríamos processados. Foi uma coisa forte, que faria qualquer pessoa com menos segurança deixar de publicar o livro. Eram umas dez páginas com um milhão de ameaças, dizendo que todo o regulamento de ingressos estava publicado no site e que aquilo tudo no livro era mentira. Mandaram também para o Juca e pediram que ele se retratasse. Recebemos por e-mail, e depois por correio", relatou o jornalista Marcelo Duarte, um dos sócios da Panda Books.

O escritório de advocacia da Match em Londres enviou à editora um e-mail com teor semelhante. As ameaças motivaram uma reunião entre os sócios da empresa. "Nós perguntamos: 'E agora?'. Sabíamos que viria chumbo pesado. Conversamos então com o Andrew e dissemos que estávamos ameaçadíssimos. Ele mesmo escreveu para o advogado da Match dizendo que queria ficar na frente dos irmãos Byrom [donos da empresa], falar coisas para eles e mostrar documentos. Fazia cinco anos que ele vinha tentando um encontro com eles, e eles negando. Depois desse contra-ataque eles sumiram", disse Duarte.

Foi o próprio Duarte que teve a ideia de traduzir a obra de Jennings para o português. Em 2010, quando esteve na África do Sul para acompanhar a Copa do Mundo, o brasileiro viu em uma livraria o livro "Jogo sujo", escrito pelo inglês.

"Escrevi para o Andrew perguntando se ele tinha um agente, e ele mesmo negociava as coisas. Era um livro que já havia sido traduzido para vários idiomas, mas não para o português. Compramos os direitos e publicamos aqui", contou Duarte. Jennings esteve no Brasil para um seminário sobre jornalismo investigativo, e isso ajudou a alavancar a obra, que vendeu mais de 30 mil exemplares no Brasil.

No fim de 2013, Jennings escreveu para a editora no Brasil e avisou que estava trabalhando em um novo livro. A editora queria lançar a obra antes da Copa, e para isso o jornalista teve de mandar os capítulos separadamente.

"Ao ler os originais eu tomei um susto com o capítulo sete, com bastidores da venda de ingressos. Eu sou um dos brasileiros que tentaram comprar ingressos para a Copa e vi como funcionam as coisas", disse Duarte. "Só consegui comprar na segunda fase de vendas porque o meu filho ficou tentando de madrugada. E aquela coisa que a gente sonhava, de abertura e encerramento...", completou.

Desde as primeiras notícias sobre o livro, Duarte tem feito um clipping sobre a obra e enviado para Jennings as principais manchetes. Na segunda-feira, ao saber que Whelan havia sido preso, o inglês respondeu por e-mail: "Esse é o maior. Ray sabe de tudo. Espero que ele fique em [Complexo Penitenciário de] Bangu por cinco ou dez anos ou que aceite falar as coisas".

Whelan foi identificado em operação da Polícia Civil do Rio de Janeiro como elo entre a Fifa e uma quadrilha que desviava e comercializava ingressos. Na terça-feira da semana passada, 11 pessoas já haviam sido presas por causa disso, incluindo o franco-argelino Lamine Fofana, apontado inicialmente como o líder do grupo.

"Quando a gente descobre que era tudo verdade, comemora por ver que foi uma coisa que chegou à Match, que é o ponto. O Andrew diz que a Match não faz nada sem aval da Fifa. Ele diz que se for parar nesse cara é que as investigações escolheram um laranja. É impossível que a Fifa não saiba. Tudo isso está escrito no livro, e agora está vindo à tona", comemorou Duarte.

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