'Gols de James são um trabalho coletivo', diz escritor-torcedor colombiano

Fernando Duarte

Do UOL, no Rio de Janeiro

  • Adriano Vizoni/Folhapress

    Juan Gabriel Vasquez disse que está otimista com a seleção colombiana pela primeira vez em 20 anos

    Juan Gabriel Vasquez disse que está otimista com a seleção colombiana pela primeira vez em 20 anos

Juan Gabriel Vásquez é conhecido fora da Colômbia como um escritor que fugiu da tentação de pegar carona no realismo fantástico de Gabriel García Marquez e enveredou por uma abordagem mais crítica das mazelas de seu país, exemplificada em "O ruído das coisas ao cair" (2013), um dos maiores sucessos internacionais de um escritor colombiano contemporâneo. Num dos trechos do livro há uma menção ao mega-traficante Pablo Escobar e seu zoológico suntuoso em que havia um papagaio capaz de repetir o nome da seleção colombiana de Didi Valderrama & companhia.

Não foi por acaso: Vasquez é um fã de futebol que como muitos compatriotas está acompanhando a Copa do Mundo de 2014 - sua exigência na entrevista telefônica para o UOL Esporte foinão conversar no horário de partidas. Na partida de sexta-feira contra o Brasil, porém, ele estará de frente para a TV já celebrando o que vê com uma virada de página na história do futebol de seu país, que há 20 anos via-se justamente como um dos animais no zoológico do notório barão do tráfico.

"A geração de James Rodriguez aprendeu o valor do trabalho duro e se afastou das más influências", afirma o escritor, de 40 anos, torcedor do Millonarios, na seguinte entrevista:

UOL Esporte: O que representa a partida de sexta-feira para a Colômbia?

Juan Gabriel Vásquez:Muita coisa. O último momento em que eu e muitos colombianos tivemos alguma razão para termos otimismo com o futebol foi em 1993, quando a Colômbia se classificou para o Mundial dos EUA com uma vitória por 5 a 0 sobre a Argentina em plena Buenos Aires. Só que no ano seguinte houve um fracasso, a Colômbia foi eliminada na primeira fase da Copa e o assassinato de Andrés Escobar (zagueiro que marcou um gol contra no jogo contra os EUA e foi morto numa briga de bar semanas após a eliminação) foi o princípio de uma debacle. Deixou uma ferida profunda que demorou 20 anos para a Colômbia se curar. Ficamos desde 1998 sem jogar uma Copa, por exemplo.

Muita gente mais jovem admirada com James Rodriguez talvez não saiba que a Colômbia de 1994 era um timaço. Asprilla, Valderrama, Rincón eram jogadores admirados...

Aquela equipe tinha jogadores brilhantes, sem dúvida. Era despreocupada taticamente, até mesmo negligente em relação aos adversários. A equipe de 2014 é mais disciplinada e isso tem muito a ver com o fato de ser formada por jogadores que cresceram em ambientes competitivos como a Europa e a Argentina. Asprilla e os outros cresceram na Colômbia sem a mesma formação técnica e estratégica. Também vejo a geração de agora com outras características. Há uma ética de mais humildade, trabalhos e sacrifícios. A seleção de 94 era formada por vedetes.

O futebol colombiano nos anos 90 ficou muito marcado pela influência do narcotráfico.  Geração de James Rodriguez e Radamel Falcao marca um recomeço?

A ascensão da seleção colombiana nos anos 90 coincide com  a época em que dinheiro do narcotráfico tinha entrado no futebol do país. Sabíamos que muitos jogadores tinha ligações com onarcotráfico e foi estarrecedor quando dois ou três jogadores daquela seleção visitaram (o famoso traficante) Pablo Escobar na prisão. O futebol acabou contaminando e o fundo do poço foi o assassinato de Andrés Escobar, aquilo representou a deterioração de um país, não apenas de seu futebol. Mas também foi a senha para um questionamento muito forte por parte da sociedade colombiana sobre os rumos do país.

Rodriguez e outros são "filhos" deste debate?

Sim, pois a Colômbia saneou seu futebol, abrindo mão do dinheiro obscuro e esses meninos cresceram num país que questionava a corrupção, a violência e isso fez mais do que os afastar de más influências, pois também pregou uma ética de trabalho duro para conseguir as coisas, uma mentalidade distinta dos tempos da geração de 90.

Ganhar do Brasil teria um simbolismo imenso, então?

Entendo bem a relação entre futebol e soecidade, mas é preciso darmos dois passos atrás. Uma equipe de futebol pode ser um fenômeno de nacionalismo ruim também. Podemos alegrar-nos com as vitórias, mas não gostaria de ver uma patriotada caso a Colômbia ganhe. A Colômbia é um país com a vida social tensa e tão complexa. Ao mesmo tempo em que muita gente pode ter a vida alegrada pela seleção, os êxitos dos meninos com a bola não são o remédio para os males políticos e sociais.

A história joga a favor do Brasil, a tradição pesa. Mas a Colômbia vem com a equipe mais sólida de sua história e a chave aqui é saber lidar com a pressão de ver o Brasil do outro lado do campo.

Dá para ganhar?

É a primeira vez em 20 anos que estou otimista com a seleção. Mas é difícil quando o Brasil tem um jogador como Neymar, que não precisa estar no seu melhor dia para mudar uma partida. Estou feliz em ver que a Colômbia soube se reorganizar depois de perder Falcão antes do Mundial. James cresceu, meteu cinco gols, mas quatro deles vieram de um trabalho coletivo. O segundo dele contra o Uruguai, então, foi um primor de coletividade. A história joga a favor do Brasil, a tradição pesa. Mas a Colômbia vem com a equipe mais sólida de sua história e a chave aqui é saber lidar com a pressão de ver o Brasil do outro lado do campo.

Como fã de futebol, o que o senhor acha do Brasil?

Omundo mudou nos últimos 40 e poucos anos e, apesar de o Brasil de 1970 ter sido o melhor time de todos os tempos, não era possível continuar jogando daquele jeito. Mas veja como o Brasil, mesmo com todo o nivelamento do esporte, ainda produz jogadores que mudam uma partida. Dou muito mais valor a alguém como Ronaldinho Gaúcho que Miroslav Klose, porque ao menos ele propõe uma alegria de jogar. O Neymar é assim também. Meu jogadores preferidos, porém, são Carlos Alberto Torres e Zico.

O senhor vem ao jogo?

Não, por conta de compromissos de trabalho. Mas confesso também que tive medo de dar azar para Colômbia. Em 1994, tinha comprado ingressos para a ver a Colômbia no mata-mata. O time nem saiu da primeira fase. 

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