Torcida vai no ritmo morno da seleção e ganha de pouco dos chilenos

Gustavo Franceschini

Do UOL, em Belo Horizonte

Pelo número, podia ser uma goleada histórica. Pela animação, pelo menos um 3 a 0. Só que a torcida no Mineirão não conseguiu ser independente do time, fraquejou quando a seleção foi mal e jogou com o regulamento debaixo do braço. No placar das arquibancadas, vitória verde-amarela sobre os chilenos por um placar apertado, que não seria aprovado por um público mais exigente.

Fosse um jogo de futebol, de fato, poderia ser esse o relato do que ocorreu no Mineirão neste sábado. Diante de um Brasil problemático, que suou para vencer o Chile nos pênaltis, a torcida entregou menos do que prometia. Se venceu, pode creditar ao fato de que era ampla maioria no estádio, e ainda assim viveu momentos de sufoco, embora tenha começado muito bem.

O esforço verde-amarelo era nítido, e não vinha só de patrocinadores. As marcas interessadas fizeram sua parte, é verdade, entregando panfletos, promovendo animadores e sugerindo gritos. Mas a vontade de transformar o Mineirão em um estádio parecia genuína, mesmo antes do jogo começar.

Nas ruas em volta do estádio, sem muita organização, torcedores devidamente uniformizados falavam da volta do campeão (que saiu de campo suado), de como é ser argentino (e ter menos Copas que o Pelé), do que o Chile foi fazer no Mineirão (se f…, segundo os mais exaltados) e de como o Fred vai te pegar (não deu). Nada que causasse uma grande catarse, é verdade, mas o suficiente para se perceber que o cardápio do dia não teria apenas o orgulho e o amor do brasileiro.

O público do Mineirão neste sábado, como se convencionou dizer desde que a Copa começou, não é aquele que se sente em casa no cimento frio da arquibancada, ou que costuma encarar chuva e frio para ver o time do coração em um Estadual esvaziado. Também por isso, foi difícil para a torcida saber como reagir quando a torcida do Chile se apresentou.

O hino dos vizinhos sul-americanos, como o dos brasileiros, permite que se cante a capela após o fim da música oficial. Foi o som parar para a torcida começar a vaia, batendo a cantoria rival em um ritual deselegante que não ganhou companhia da Fifa. Pacientemente, o cerimonial da entidade esperou o fim da festa chilena para, só então, o brado retumbante poder ser ouvido às margens plácidas do Ipiranga.

Só que quando a bola rola, a torcida reage ao time. O Brasil que começou o mata-mata da Copa do Mundo foi ágil, atento, perigoso. Abriu o placar com um gol dividido entre David Luiz e o zagueiro chileno aos 19 minutos. Até ali, a torcida fez bonito, cantando de "Explode Coração" a "Lê, Leleô". Mais que isso, o público acompanhou a reagiu aos lances, se esforçou para não deixar o estádio calar e assistiu a tudo de pé, sem o tradicional "Senta, senta!" que é tradição em jogos com assentos marcantes.

O problema é que toda essa festa durou até a hora que o Chile decidiu reagir. Aos 32 minutos do primeiro tempo, aproveitando-se de um passe errado de Hulk, Alexis Sanchez empatou o jogo. O público conseguiu reagir pior que a seleção à adversidade.

Em um jogo difícil, cantar o tempo todo e prestar atenção no campo às vezes não é uma tarefa simples. Participar do jogo aos berros, às vezes, exige um desprendimento que o público que foi ao Mineirão, pagando caro, parecia não estar disposto a ter. Até porque a disputa nas arquibancadas estava ganha.

Os chilenos, que impressionaram pela onipresença na primeira fase, estiveram longe de "invadir" o Mineirão neste sábado. Como tem sido em jogos do Brasil, coube aos rivais pequenas manchas vermelhas formadas nas arquibancadas superiores do estádio. Até pelo contexto de mata-mata, eles foram bem menos barulhentos que, por exemplo, os mexicanos no segundo jogo da Copa em Fortaleza.

E aí a torcida mineira jogou com o regulamento debaixo do braço. Se a vitória por 1 a 0 parecia garantida, por que buscar a goleada? O público que começou querendo empolgar se viu como plateia do que ocorria em campo, onde um Chile cada vez mais ousado e dominante via seu segundo gol amadurecer.

Foi aí que o "sou brasileiro" reapareceu, depois de humilhado, para ser exaltado. Era a bola de segurança de um torcida em construção, que até outro dia só tinha esse grito. E nem ele foi unânime ou eficiente. O que resolveu mesmo foi o Brasil voltar a jogar.

Depois de um tempo inteiro calada, na marcha lenta, a torcida reagiria só aos 30 minutos do segundo tempo, depois de Jô perder um gol debaixo da trave. A fagulha acendeu a torcida de novo. Em poucos minutos, os mais animados puxaram até um "Levanta", cobrando mais participação. Durou pouco.

Uma nova onda de ataques chilenos, a pressão dos minutos finais e a tensão de um vexame iminente calaram o Mineirão até o apito final. Bom, fim dos 90 minutos, hora de respirar e se preparar para a prorrogação, certo? Errado. O silêncio no estádio fez os chilenos tomarem conta, com cantoria, pulos e bandeiras tremulando na parte que lhes cabia no estádio.

A seleção sentiu. Experiente, Júlio César percebeu o momento desfavorável e pediu mais apoio. Apontou para a torcida chilena como quem diz: "Olha o que eles estão fazendo. Vocês vão deixar?". A torcida reagiu cantando o hino. Sim, na falta de um canto vai o hino mesmo, até a hora de dizer que a pátria é amada, Brasil.

A prorrogação, então, foi toda na base da reação. A tensão por uma jogada mal feita, o desespero com a bola na trave de Pinilla e a irritação com os seguidos erros da seleção tomaram o lugar de qualquer disputa. Quando a vaga foi para os pênaltis, de novo, a seleção, Júlio César em especial, carregou o estádio, que finalmente venceu a batalha contra os esforçados chilenos, em campo e fora dele.

Veja também



Shopping UOL

UOL Cursos Online

Todos os cursos