Sem dinheiro da Fifa, ONG usa pelúcia 'original' do Fuleco para salvar tatu

José Ricardo Leite*

Do UOL, em Fortaleza (CE)

A ONG Associação Caatinga, responsável pela idealização do tatu-bola como mascote da Copa do Mundo, busca novas alternativas para angariar recursos após alegar não ter tido ajuda da Fifa (Federação Internacional de Futebol). Os brasileiros entendem que, como a entidade que controla o futebol usou o animal para criar o Fuleco, ela deveria pagar por isso, ideia essa rechaçada por Joseph Blatter e cia.

A ONG formalizou em janeiro de 2012 um dossiê de 20 páginas propondo o tatu-bola como mascote. A entidade máxima do futebol gostou da ideia e aprovou o Fuleco sete meses depois. Não ficou estabelecido, no entanto, nenhum contrato ou vínculo oficial de ajuda financeira da Fifa para o uso do tatu-bola. Mesmo assim, a associação cobrou um compromisso moral de ajuda financeira para seu projeto de preservação por se tratar de um animal em extinção.

A Fifa disse ter oferecido US$ 300 mil, enquanto a Associação Caatinga declara que o valor oferecido foi de R$ 300 mil. Os brasileiros afirmam que negaram a ajuda por entenderem que o valor é insignificante perto do que a Fifa poderia dar e pelo custo de seu projeto de preservação.

"Esse recurso está muito aquém de qualquer impacto positivo na questão. A resposta foi de não aceitar porque a quantia não ajuda de forma significativa na sobrevivência do tatu-bola. Acreditamos que a Fifa deveria contribuir com um valor diferente", falou Rodrigo Castro, líder da Associação.

Fuleco se multiplica na Copa, enquanto tatu bola desaparece na natureza

"Achamos que a Fifa deveria apoiar com um valor de 15% do custo de dez anos do projeto, o que equivale a US$ 1,4 milhão (cerca de R$ 3,1 milhões), em dez anos do nosso projeto de preservação, que inclui pesquisas e mapeamentos. Você explora a imagem do animal e não destina o que é justo para a causa? Qual é o compromisso da Fifa com a sustentabilidade?", questionou.

"Tivemos duas alegações da Fifa do porquê eles ofereceram só R$ 300 mil: 'não temos recursos, é tudo que temos e o tatu-bola é uma decisão recente da Fifa no plano de sustentabilidade, no plano feito em 2010 isso não estava previsto sobre o mascote, se seria ambiental´", prosseguiu.

A Fifa já encerrou as negociações. Sem o dinheiro que considera justo para a entidade, a ONG tenta outras maneiras de captar verba em prol da preservação do animal e aproveitar a exposição do Fuleco no Mundial para ajudar o projeto. Uma delas é a de doações voluntárias pela causa. Outras são vendas de produtos internos sobre preservação da caatinga e de seus animais. A linha conta com bonés, camisetas e livros infantis que falam sobre o tatu-bola.

Um dos destaques, no entanto, é um bicho de pelúcia. Diferentemente do Fuleco, que é colorido, o brinquedo oferecido pela ONG é marrom e vira uma bola, assim como o animal que o inspira. Além disso, tem o tamanho verdadeiro do animal e pode ser adquirido por R$ 50 pelo site. Já foram vendidas aproximadamente 100 unidades dele.

"Não estamos dando conta, produzimos e acaba, produzimos e acaba. E ele é feito por artesãos de Fortaleza. Todo o dinheiro é destinado para o projeto de preservação do animal. Vamos ter de correr atrás para produzir mais", falou Rodrigo.

Além disso, há outros tipos de mobilização voluntária para tentar conseguir ajudar a causa do tatu-bola. O núcleo de "ecojornalistas" do Rio Grande do Sul e a ONG Change.Org criaram petições na internet para mobilizar pessoas na tentativa de pressionar a Fifa por uma ajuda financeira maior na causa. Esta segunda mobilização foi até destaque do jornal inglês "The Guardian", falando sobre a realidade do tatu-bola no Brasil. Além disso, a Associação Caatinga disse ter sido procurada por pessoas ao redor do mundo se colocando à disposição para ajudar.

"Uma dona de casa da Suíça pegou o telefone e ligou pra cá e falou ´quero ajudar vocês, acho inadmissível não terem ajuda´. Hoje ela montou um comitê em Zurique em prol do tatu-bola. Ela está arrecadando dinheiro na Suíça com pessoas que ela conhece. É uma mobilização pessoal, tem um cara nos EUA, duas pessoas na Alemanha e duas na República Tcheca. O tatu-bola é do Brasil, mas a preocupação é que a maior entidade do mundo saia dessa brincadeira sem assumir compromisso; as pessoas estão indignadas com isso", falou o líder da ONG.

Na apresentação do Fuleco ao mundo, há dois anos, o secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke, disse que o tatu-bola era "perfeito" como mascote. "Um dos objetivos principais é usar a Copa como plataforma para comunicar a importância do meio ambiente e da ecologia", disse à época.

A Associação Caatinga contesta a opinião da entidade máxima e entende que a questão ecológica foi deixada completamente de lado e sequer informações sobre a realidade do tatu-bola são passadas para as pessoas.

"Não está sendo bem aproveitado. Se o Fuleco é um tatu-bola, por que ele não fala mais sobre ele mesmo? 'Sou um tatu bola, moro na caatinga, estou ameaçado, quer me ajudar, pode me ajudar, saiba quais instituições me ajudam a salvar da extinção'. O Fuleco não foi utilizado como porta-voz da questão ambiental, mesmo que o Valcke tenha dito no anúncio em 2012 que a plataforma do futebol estava a serviço da ecologia e das questões ambientais do animal. Mas, de concreto, falar que o Fuleco foi porta-voz da espécie? Não foi. Só foi usado em eventos promocionais e de patrocinadores. Nem falam da especialidade dele, que é virar uma bola."

O habitat exclusivo do tatu-bola é a caatinga nordestina, que hoje só tem protegido 1% de sua extensão original com reservas. Hoje em dia, por exemplo, não se sabe a população total desse tatu e a distribuição dela, e faltam muitos dados sobre seus hábitos. Até sua criação e reprodução em cativeiro são um desafio, afinal, nenhum exemplar da caatinga foi parar em um zoológico – só o mataco, o tatu-bola do cerrado, é visto em alguns zoos pelo mundo. Muita pesquisa e muito dinheiro são necessários para isso. A ONG aproveita para explicar as dificuldades do tatu-bola.

"Existem dois que viram bola, do Pantanal e do Nordeste, e que são exclusivamente brasileiros. Precisamos de um grupo de 14 ou 15 pesquisadores pra mapear no Brasil e são dados que estamos levantando. Há muitos na região do Piauí, em áreas de caatinga preservada. Ela reduziu mais de 50% por desmatamento e queimadas. Um dos motivos da extinção é a destruição da caatinga. O segundo é a caça, pois os caçadores fazem isso por uma questão recreativa, cultural e de comercialização. E o tatu-bola é um animal que, quando se sente acuado, fica imobilizado. Aí o caçador vai e pega ele com a mão", finalizou.

*Colaborou Rodrigo Mattos, do Rio de Janeiro

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