Não é só dentro de campo que Neymar destoa do resto da seleção
Gustavo Franceschini e Ricardo Perrone
Do UOL, em Belo Horizonte
Dia de folga. A arquibancada de madeira acostumada a receber mais de uma centena de jornalistas não chega a ter duas dezenas deles, a maioria de cinegrafistas que encaram o frio à espera de uma imagem que pode salvar o dia (e o telejornal da noite). Sem aviso prévio, um helicóptero barulhento pousa em uma casa luxuosa ao lado da Granja Comary, no condomínio fechado onde está concentrada a seleção brasileira, ignorando o espaço aberto que costuma ser usado, por exemplo, pelos cartolas da CBF. Basta um cinegrafista notar a logomarca NJR na cauda do helicóptero para a monotonia ser quebrada.
O dono da aeronave, de onde saem garotos que despertam atenção só por estarem nela, chama a atenção mesmo sem dar o ar da graça. Acostumado, Neymar atrai holofotes com a mesma naturalidade com que dribla seus marcadores.
A saída dos convidados do camisa 10 do helicóptero foi só o primeiro ato. Não demorou muito e um quadriciclo apareceu em volta de um dos prédios da Granja. De longe, era difícil reconhecer o piloto, mas uma aposta seca em Neymar acertaria na mosca.
Nenhum dos colegas do atacante havia dado passeio semelhante. Tampouco receberam amigos de helicóptero ou namoraram uma atriz global, como Bruna Marquezine, diante de uma imprensa em alvoroço e perto de Luiz Felipe Scolari e Carlos Alberto Parreira. Isso em plena concentração da seleção brasileira.
Dentro e fora de campo Neymar tem sido assim, um ponto fora da curva. Exceção feita ao cabelo tingido de loiro, fruto de uma experiência conjunta com o amigo Daniel Alves, o ex-jogador do Santos faz quase tudo de um jeito diferente dos seus companheiros.
Até nas atitudes mais banais ele é diferente. Quando os titulares tinham apenas de dar uma corrida de leve em volta do campo, ele ficou para trás dos demais, pegou uma bola e fez o exercício dando dribles imaginários, conduzindo a redonda e executando malabarismos com os pés, ombros e cabeça.
Neymar incrementava os truques principalmente quando passava diante da arquibancada em que estavam convidados e vítimas da enchente que atingiu Teresópolis em 2011. Era como se o craque quisesse recompensar as pessoas que estavam ali com um fiapo de seu talento.
Com certeza não foi sacrifício. Neymar não larga a bola. Ele nunca está sozinho, é verdade, mas sempre é o último a sair do gramado, seja em um treino mais intenso ou em uma brincadeira que se prolonga. Quando o apito soa e a maioria sobe, o camisa 10 aproveita o momento de folga para disputar partidas de futevôlei ou jogar "altinho".
E nada de brincadeira. Quando fica na caixa de areia, Neymar faz questão de ele mesmo montar o cenário, medindo o tamanho dos lados pela fita que demarca o fim da quadra. No campo, levantando e firulando com a bola e os amigos, quem perde leva peteleco na orelha, uma tradição da era Neymar na seleção brasileira.
Enquanto espera sua vez de bater uma falta nos treinamentos, o dono da bola também brinca, inventando, demonstrando uma intimidade que não parece passível de imitação por um simples mortal.
O comportamento, no entanto, é de alguém de carne e osso. Neymar até tenta, mas nem sempre consegue esconder suas reações mais naturais. Em campo, ele responde aos estímulos de forma quase primitiva. Um empurrão que o joga para as lentes dos fotógrafos, por exemplo, desperta uma vontade diferente.
Contra Camarões, Neymar não parecia satisfeito em ganhar. Um chapéu, um drible de efeito, um passe mais açucarado. Tudo parecia feito sob medida para mostrar aos rivais a superioridade iminente. Nada que lembrasse o time operário em que joga, onde os centroavante marcam gols deitados, os meias lideram em desarmes e os galãs são tímidos. Neymar não é Fred, Oscar ou Hulk.
Neymar é o artilheiro da Copa, o homem que coleciona prêmios de melhor em campo, que passa pela zona mista alheios a questões mais mundanas. Enquanto seus colegas respondem sobre o próximo jogo, a evolução do time e a "Neymardependência", ele passa com o prêmio por ter decidido o jogo nas mãos. Sem falar, fisga todos de uma vez, e quando abre a boca não precisa, necessariamente, falar de futebol: "Perguntem ao David Luiz se ele lava o cabelo", dispara, ofuscando por alguns segundos a entrevista do zagueiro.