Após promover a paz no seu país, Drogba vai a campo para fazer história

Vinícius Segalla

Do UOL, em São Paulo

  • EFE/EPA/YOURI KOCHETKOV

    Didier Drogba: este homem já parou uma guerra usando o futebol como arma de paz

    Didier Drogba: este homem já parou uma guerra usando o futebol como arma de paz

A equipe da Costa do Marfim entra em campo nesta terça, às 17h, em Fortaleza, contra a Grécia, com boas chances de se classificar à oitavas de final. Até um empate, a depender do resultado de Colômbia e Japão, pode ser suficiente para a seleção africana. Se os Elefantes se encontram em tais condições, muito se deve à sua maior estrela, o veterano Didier Drogba, de 36 anos, a quem se deveu a primeira vitória em estreias na Copa da Costa do Marfim.  

Em sua terceira Copa, Drogba já fez história no futebol marfinense. É o maior jogador da história do país. Mas o astro que viveu a maior parte da sua vida na França (nação que colonizou a Costa do Marfim) tem uma importância que extrapola o contexto futebolístico. Em uma nação dividida por guerras e conflitos étnicos, Didier Drogba é um embaixador da boa vontade, um construtor de canais de diálogo e silenciador dos canhões. Didier Drogba utiliza sua arte de jogar bola como arma em favor da paz.

Em dezembro de 1999, um golpe de Estado destituiu o então presidente eleito da Costa do Marfim, dando início a um período de instabilidade que acabou por eclodir em uma guerra civil declarada em setembro de 2002. À época, o país praticamente se dividiu em dois, com o norte do território, cuja principal cidade é Bouaké, sendo controlado por rebeldes, que se puseram em armas contra o governo oficial, cuja capital é Abdijam.

Até 2005, o conflito já havia deixado mais de 3.000 mortos e 700 mil refugiados. As conversações para a paz estavam congeladas e o país estava dividido. À época, Drogba tinha 28 anos e estava em sua segunda temporada no Chelsea, time de Londres. Seu sucesso no futebol europeu era motivo de orgulho e autoestima para os marfinenses. 

Atento aos acontecimentos políticos em seu país, Drogba sentia-se em condições de agir em favor da paz. Em outubro de 2005, após uma vitória no Sudão que garantiu a classificação da Costa do Marfim para a Copa do Mundo de 2006, na Alemanha, Drogba e seus colegas resolveram gravar um vídeo dentro do vestiário, com uma mensagem para todos os marfinenses. 

Em meio a cânticos de alegria e banhado nas glórias da vitória, Drogba tomou de um microfone e assim discursou: 

"Homens e mulheres da Costa do Marfim. Do norte, do sul, leste e oeste. Nós provamos hoje que todos os marfinenses podem co-existir e jogar juntos com um objetivo em comum: se classificar para a Copa do Mundo.

Nós prometemos a vocês que a celebração iria unir o povo. Hoje, nós imploramos a vocês, de joelhos (e todos os jogadores se ajoelham diante da câmera): perdoem! Perdoem!

Um país tão cheio de riquezas na África não pode se acabar em guerra. Por favor, deponham suas armas, organizem eleições, e as coisas vão melhorar. Nós queremos nos divertir, então parem de disparar suas armas. Queremos jogar futebol, então parem de disparar suas armas". O discurso termina com os jogadores cantando mensagens de paz e união.

Reprodução
De joelhos, Drogba e seus companheiros imploraram por paz em 2005. Sua súplica foi atendida

O vídeo caiu como uma bomba às avessas na Costa do Marfim. A partir daquele momento, o país ganhara um embaixador da paz, alguém de fora do mundo político, capaz de carregar uma mensagem de diálogo e reconciliação. A partir dali, políticos deram início a conversações em que um armistício passou a ser cogitado. 

No ano seguinte, Drogba ganhou a Bola de Ouro da África, prêmio concedido ao melhor jogador africano da temporada. Ele, então, levou a taça à capital da Costa do Marfim, Abdijam. Em um evento no palácio presidencial, ele mostrou o troféu ao então presidente do país, Laurent Gbagbo. Disse que estava comprometido em trazer a paz de volta ao país, e convidou Gbagbo a abraçar esta missão: "Eu te convido, senhor presidente, a ir comigo mostrar esta taça ao povo de Bouaké (capital do norte, controlada por rebeldes)". 

Para a surpresa de todos, o presidente aceitou o desafio, e com Drogba desembarcou no aeroporto de Bouaké, diante de uma multidão que não estava ali para hostilizá-lo, mas sim para aplaudir o gesto de paz. Era a primeira vez que uma autoridade do governo central pisava na capital rebelde desde 2002.

O caminho do terminal aéreo ao centro da cidade costuma demorar 20 minutos, mas neste dia a comitiva presidencial, Drogba e sua taça levaram quase duas horas, em carro aberto em meio à multidão eufórica, rindo e chorando. A taça de Drogba se tornara uma ponte entre Bouaké e Abdijam.

Em março de 2007, um acordo de cessar fogo foi assinado pelas forças em conflito. Drogba literalmente havia parado uma guerra. Em Bouaké, em uma praça, ao lado do presidente, ele avisou:

"Isso não vai parar por aqui. Toda a seleção virá aqui, iremos jogar aqui". Há anos a Costa do Marfim não disputava uma partida oficial na capital rebelde. Mas, em junho de 2007, eles jogaram, contra Madagascar, pelas eliminatórias da Copa Africana das Nações. E venceram, por 5 a 0, sendo o último gol uma pintura de Drogba.

O chefe dos rebeldes do norte, Guillaume Soro, estava lá. A convite de Drogba, ele discursou: "Por trás dessa festa do futebol, estamos aqui para celebrar a paz e a reconciliação de todos os marfinenses. Obrigado, senhor Didier Drogba". 

Os jornais de todo o país felicitaram a vitória. As manchetes: "Cinco gols para apagar cinco anos de guerra"; "Missão cumprida em nome da paz"; "A vitória na unidade encontrada"; "A reconciliação por meio do futebol".

A partida foi acompanhada, de dentro do estádio, por políticos e pessoas comuns do país todo. Foi o primeiro grande encontro pela paz da Costa do Marfim. Ali tiveram início as negociações para a realização de eleições livres, que ocorreram três anos depois. 

Quando a Costa do Marfim entrar em campo nesta terça-feira, poderá ser o último jogo de Drogba em uma Copa do Mundo. Poderá também ser o jogo em que o atleta ajudará o futebol de seu país a conquistar mais um feito histórico, o de passar para as oitavas de final do torneio pela primeira vez. De uma forma ou de outra, é um jogo que vale a pena assistir. Drogba estará no banco, deverá entrar no segundo tempo, para mais uma vez - talvez a última - escrever história com uma bola nos pés.

Veja também



Shopping UOL

UOL Cursos Online

Todos os cursos