Copa 2014 dá mais uma chance para Inglaterra cair na real sobre sua força

Fernando Duarte

Do UOL, no Rio de Janeiro

Uma espiadela nas casas de apostas da Inglaterra, que colocavam a seleção de seu país atrás de Bélgica, Portugal e França, já mostrava uma redução radical do notório otimismo inglês em ano de Copa do Mundo. Mas nem os pessimistas esperavam que a autópsia de mais uma campanha fracassada da equipe fosse começar antes mesmo do último jogo em terras brasileiras. Até terça-feira os ingleses farão mais do que lamber as feridas: a eliminação depois de apenas duas partidas promete levar a questionamentos um pouco mais profundos que as derrotas para Itália e Uruguai no Grupo D.

Embora tenha sido a primeira vez desde 1958 que a Inglaterra não passou para a segunda fase de um Mundial, o fracasso no Brasil parece ter doído mais que a surra de 4 a 1 aplicada pela Alemanha nas oitavas-de-final na África do Sul, em 2010. O sentimento no país é uma mistura de resignação e desânimo. Acostumados com o sucesso de sua liga profissional, o torneio mais rico do mundo e que concentra o maior número de jogadores estrangeiros atuando por suas seleções, os ingleses não conseguiram transferir este sucesso para sua seleção.

Já houve momentos piores em termos de resultados: desde que começou a participar das Copas, em 1950, quando também não passou da primeira fase, a Inglaterra ficou pelo caminho ainda nas eliminatórias de 1974, 78 e 94. Foi campeã em casa em 66, em circunstâncias polêmicas envolvendo a arbitragem,  e desde então apenas uma vez (90) chegou às semifinais. Pouco para justificar as expectativas infladas que marcaram outras campanhas. E dessa vez mesmo vozes mais patrióticas arrefeceram o ritmo: o governo, por exemplo, previu num estudo sobre um possível relaxamento dos horários das vendas de álcool em lugares públicos que a seleção não passaria do "grupo da morte" com Itália, Uruguai e Costa Rica.

Por que a Inglaterra perde?

Um dos maiores ídolos do futebol inglês, o ex-capitão da seleção Alan Shearer, não escondeu sua frustração ao comentar a eliminação num encontro com o UOL Esporte. "Estamos cometendo sempre os mesmos erros em campo. Num momento em que o futebol está num nível tão alto e com pouca margem para falhas, nós simplesmente não estamos jogando bem o suficiente para superar outros times", afirma Shearer.

O realismo irritado da declaração do ex-jogador, hoje um dos principais comentaristas de futebol da Inglaterra, condiz com análises mais frias do jejum inglês. Em 2009, o jornalista holandês Simon Kuper e o economista inglês Stephan Szymanski lançaram um livro que no Brasil ficou conhecido como "Soccernomics", mas cuja edição original em inglês tinha o título "Porque a Inglaterra Perde". Nele, os dois não mediram as palavras: em se tratando de Copa do Mundo, a Inglaterra estava fazendo o que podia de acordo com seu histórico de vitórias no futebol e com o fato de a prosperidade econômica no país ter reduzido o número de jovens dispostos a tentar a carreira no esporte em vez de buscar estudos numa nação com população três vezes menor que a do Brasil.

"Na verdade, os ingleses têm um desempenho que corresponde ao histórico no campo e de um país com uma base de talentos menor que o de seus principais concorrentes. E também precisamos lembrar que durante anos a Inglaterra agiu de forma isolada do resto da Europa tanto em termos políticos como esportivos", explica Szymanski.

Difícil é os ingleses aceitarem. Afinal, é deles o crédito pela invenção do futebol em sua versão moderna. Mas o papel coadjuvante no esporte se soma à perda da relevância econômica e política da Inglaterra num mundo dominado pela China e pelos EUA. E confunde os torcedores quando os clubes ingleses fazem sucesso e ocupam mais espaço que representantes de qualquer outro país nas listas de equipes mais ricas do mundo.

O problema é que o dinheiro apenas recentemente começou a ser investido com mais robustez nas categorias de base – o novo centro de treinamento da Federação Inglesa custou mais de US$ 200 milhões - e de forma mais sistematizada, como forma de equilibrar a proporção de jogadores ingleses na divisão de elite de seu futebol. Atualmente, a Premier League inglesa tem 62% de seus jogadores nascidos fora do país, percentual muito mais alto que em vizinhos e adversários como Alemanha (49,5%), Itália (47,8%) e Espanha (37,5%), por exemplo.

Treinadores ingleses perderam espaço no mercado local e nenhum dos grandes clubes hoje tem um "doméstico" no comando, o que também prejudica técnicos em busca de experiência para um dia assumir a seleção. E depois de duas experiências fracassadas com profissionais estrangeiros, a Federação Inglesa parece disposta a investir em nomes nacionais. Isso, além do fato de que uma seleção salpicada de jogadores jovens em meio a veteranos como Steven Gerrard fez boas partidas contra a Itália e o Uruguai, explica porque o atual treinador, Roy Hodgson, deverá sobreviver ao fracasso no Brasil. Desde que os ingleses deixem de lado uma megalomania cada vez menos justificada.

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