Jogadores e cartolas da Argélia quebram rigidez islâmica e mostram simpatia
Adriano Wilkson
Do UOL, em Sorocaba (SP)
Ao descer do avião, o diretor da federação arriscou uma sambadinha ao som de "Aquarela do Brasil". O presidente da federação desceu do trono e, no meio dos jornalistas, desatou a contar piadas. Depois do treino, um dos jogadores foi lançado ao alto e festejado pelos colegas. Um torcedor deu um jeito de entrar na área reservada à imprensa e, enrolado em uma bandeira, cantou e tocou tambor. "O Brasil é lindo, está tudo lindo", decretou o repórter Rachid Belarbi, do jornal Liberté, de Argel.
Pela segunda vez consecutiva em uma Copa do Mundo, o futebol argelino está em festa em Sorocaba, onde os africanos se preparam para tentar abocanhar uma das vagas à segunda fase no grupo H.
Em um treino aberto ao público no estádio municipal, crianças da região foram convocadas para saudar os africanos, que viraram estrelas do dia pra noite, mesmo sendo completamente desconhecidos no Brasil.
Funcionários brasileiros responsáveis por lidar com eles estavam receosos de encontrar jogadores e dirigentes sisudos, engessados por uma cultura permeada pela tradição religiosa – o país é majoritariamente mulçumano.
Mas, uma vez no Brasil, os estrangeiros - jogadores, dirigentes e jornalistas - se mostraram risonhos, simpáticos e bem-humorados.
"Você conhece o grande jornalista argelino Djamel Ouaglal?", me pergunta Belarbi, que havia se apresentado primeiro como "o Barba Negra". "Não", respondo.
"Pois eu te apresento a este grande jornalista", ele anuncia puxando pelo braço um sujeito sem barba, meio careca e com uma credencial da Fifa pendurada no pescoço. "Aqui está ele!"
"Quer um autógrafo?", Oliaglal me pergunta. Os dois caem na gargalhada. E jogam os braços ao céu como se dissessem "graças a Ala". "Finalmente", explica Oliaglal, "você é o primeiro brasileiro com quem conseguimos conversar desde que chegamos!"
O presidente
Em um canto da sala de imprensa, um senhor de cabelos brancos, usando terno e gravata, conversa animadamente com outro de roupas esportivas da seleção argelina. Os jornalistas que acompanhavam o treino começam a rodeiar os dois e entram na conversa.
O engravatado é Mohamed Raouraoua, o presidente da Federação Argelina de Futebol. O outro é um torcedor comum. Eles conversam em árabe. Belarbi tenta me traduzir os melhores momentos da "resenha". Acho que muito da graça se perdeu na tradução. Pergunto a Belarbi se Raouraoua fala inglês. Ele diz que sim.
Abro caminho no meio dos jornalistas africanos e abordo o cartola. "Senhor presidente, sou jornalista brasileiro, posso lhe fazer algumas perguntas?"
Ele abre um sorriso e responde em espanhol fluente: "Desculpe, não falo inglês muito bem."
"Podemos conversar em espanhol", eu insisto. "Desculpe, mas não falo com jornalistas."
"Mas todos aqui são jornalistas, e o senhor estava falando com eles…"
"Mas é que eu só falo em francês e árabe, desculpe, fica para uma próxima", ele diz, sem tirar o sorriso do rosto, apertando a minha mão e indo embora.
"Ele só fala com quem o bajula", esclarece Belarbi. "Tem feito um bom trabalho na federação e é muito popular por ter conseguido classificar a seleção pela segunda vez consecutiva a um Mundial. Mas é como todo dirigente de futebol, vocês no Brasil devem saber como é."
O time
Há uma esperança muito grande entre os analistas locais sobre as possibilidades do time argelino na Copa. Em um grupo relativamente equilibrado (com Bélgica, Coreia do Sul e Rússia), a maioria dos jornalistas do país acredita que são grandes as chances da equipe avançar à segunda fase, o que seria considerado quase um título para o futebol de lá.
"O primeiro jogo [contra a Bélgica] é fundamental", pontua o "grande jornalista argelino" Ouaglal, que trabalha para o site Infosoir. "Mas o que posso garantir é que essa é a melhor seleção que temos na Argélia em muitos anos."
Os africanos estream contra os belgas na próxima terça-feira, em Belo Horizonte. Ainda enfrentarão a Coreia do Sul em Porto Alegre e Rússia em Curitiba.