Ex-comentarista de arbitragem da Globo vira ícone cult inglês após 24 anos

Fernando Duarte

Do UOL, em Londres (Inglaterra)

  • Adi Leite/Folhapress

A cena é repetida à exaustão em qualquer programa ligado a futebol na Inglaterra. Em meio à prorrogação na Copa de Mundo, em uma épica semifinal e, ainda por cima, contra seu maior rival no futebol, o principal jogador da Inglaterra, Paul Gascoigne, acerta uma entrada por trás no alemão Thomas Berthold. Leva o cartão amarelo, que o tira da possível final num momento em que ingleses empatavam em 1 a 1 com a Alemanha.

Começa a chorar copiosamente, numa exibição de emoção que, mesmo com a derrota inglesa nos pênaltis, resgatou a paixão pelo futebol num país assolado por tragédias em estádios e vandalismos nos anos 80. Berthold foi acusado pela mídia inglesa de exagerar na reação à entrada. Mas o lance teve, também, um vilão brasileiro: o árbitro José Roberto Wright.

Ex-comentarista de arbitragem da Globo, foi de seu bolso que saiu o cartão que fez "Gazza" e os ingleses irem às lágrimas. Quase um quarto de século depois, Wright está sendo redescoberto pela Inglaterra. Com atenção digna de ícone cult.

Nesta semana, ele deu sua primeira entrevista para um jornal inglês, o "Guardian", e relembrou os incidentes de Turim com bom humor. Sobretudo a implicância com o penteado do atacante Chris Waddle, que cobrou para fora o pênalti que decidiu aquela partida.

"Eu estava cotado para apitar a final, mas sabia que precisaria que os ingleses vencessem. A Alemanha tinha perdido as duas últimas finais de Copa com árbitros brasileiros (Arnaldo Cesar Coelho, em 1982, e Romualdo Arpi Filho, em 1986) e certamente iriam vetar um terceiro. Aí o cara com aquele cabelo horrível não apenas me perde o pênalti, mas chuta a bola quase fora do estádio", lamenta o árbitro, em conversa com o UOL Esporte. O cabelo de Waddle, na época, era no estilo sertanejo, com direito a mullets e franja espetada (você pode ver na foto ao final do texto).

"Aquela semifinal foi a partida mais importante da minha carreira, mais até do que o jogo entre Itália e Áustria, em que o estádio inteiro começou a me vaiar depois que o (centroavante italiano) Toto Schilacci se jogou na área e eu não dei o pênalti", relembra.

Wright conta que não viu as lágrimas de Gazza no momento do cartão amarelo. Estava mais preocupado em evitar que a semifinal descambasse para mais entradas duras. O jogador inglês ainda tentou argumentar com Wright antes de perder a linha em frente às câmeras. "Foi uma entrada dura que hoje poderia até ser vermelho. O Gascoigne tinha um sotaque difícil de entender, mas eu fui logo dizendo para ele que não havia margem para reclamação. Se eu não dou cartão ali, o jogo ia ficar complicado".

David Cannon/Getty Images
Gascoigne deixa o campo chorando, em imagem-símbolo, na Inglaterra, da Copa de 90
Já aposentado, Wright, que em setembro completa 70 anos, está prestes a sacar o cartão mais uma vez: no início do ano, foi procurado pela equipe do National Football Museum, que pediu ao brasileiro a doação da única lembrança que ele guardou daquela partida.

"Vou mandar para eles. É um prazer ter feito parte de um momento histórico para os ingleses. Foi uma grande partida e tenho orgulho do trabalho que fiz no Mundial de 90, em que me tornei o primeiro árbitro a apitar quatro jogos no mesmo torneio", contou. Se dependesse dele, o árbitro teria outro suvenir em sua coleção: a bola da partida. Infelizmente, acabou perdida em meio à multidão no estádio Delle Alpi, em Turim, quando o Waddle isolou o pênalti que determinou a desclassificação dos ingleses (e indiretamente encurtou a participação de Wright no torneio).

Simon Bruty/Allsport/Getty Images
Os mullets do inglês Chris Waddle, que ficaram guardados na memória de Wright

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