Livro revisita mistérios de doping de Maradona e mostra ajuda de Blatter
Bruno Freitas
Do UOL, em São Paulo
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Folhapress/AP
1994: Maradona faz golaço contra Grécia e depois é escoltado por enfermeira do antidoping, contra Nigéria
Boston, 25 de junho de 1994. Diego Maradona deixa o gramado do Foxboro Stadium de mãos dadas com uma enfermeira loira, que fora buscar o camisa 10 da Argentina para conduzi-lo ao exame antidoping. O melhor jogador do mundo de sua geração acabara de liderar sua seleção em uma vitória sobre a Nigéria, com futebol ofensivo e exuberante. Sorridente, o ídolo não sabia naquele instante, mas esta era sua última cena como um atleta em uma Copa.
A história é mais do que conhecida: Maradona foi excluído do Mundial de 1994 por doping, logo após a segunda rodada. Mas um livro lançado na última semana na Argentina se debruça sobre uma série de perguntas não respondidas no episódio, levantando teorias da conspiração em potencial. Na mais intrigante delas, o governo dos Estados Unidos teria se envolvido na pressão para que o gênio canhoto fosse alijado do Mundial.
Os autores de "El último Maradona: cuando a Diego le cortaron las piernas" (O último Maradona: quando cortaram as pernas de Diego) ouviram um relato e tanto de um dirigente da Associação de Futebol da Argentina. Basicamente, ele dizia que os americanos emitiram uma carta "não timbrada" pedindo que a entidade tirasse Maradona de ação.
"Existem um monte de mitos", disse Andrés Burgos, que escreveu o livro ao lado de Alejandro Wall, rebatendo a versão. "O próprio Julio Grondona nos desmentiu este", acrescentou, em menção ao veterano presidente da AFA.
Em entrevista ao UOL Esporte, no entanto, o autor do livro afirma que o então secretário-geral da Fifa, Joseph Blatter, suspeitava de um complô americano para afastar Maradona da Copa e que tentou contornar o escândalo. Inclusive, o dirigente suíço acionou um laboratório de confiança em Zurique para confrontar o exame oficial, feito em uma universidade da Califórnia, com os medicamentos que Maradona supostamente tomava na época. Tudo isso antes de o caso estourar publicamente. No entanto, o esforço "por fora" não conseguiu evitar que a bomba explodisse, com o Mundial em pleno andamento.
Quatro dias após a partida contra os nigerianos, depois de muita agitação nos bastidores de Fifa e AFA, Maradona foi oficialmente excluído da Copa, quando a entidade então presidida pelo brasileiro João Havelange comunicou que o argentino testou positivo para efedrina. Outras quatro substâncias proibidas foram encontradas no exame de urina do jogador.
"Maradona corre muito nos últimos cinco minutos contra a Nigéria, não se cansa. É o período em que mais tem a bola na partida. Quando seu teste dá positivo, Blatter então procura um dirigente argentino e pede todos os medicamentos que Maradona está tomando no Mundial. Ele só estava tomando um antidepressivo (...) Blatter desconfiava disso, de que os EUA queriam prejudicar Maradona. Ele queria confrontar os resultados do antidoping com esses medicamentos, mandou a um laboratório na Suíça em que confiava. Ele depois disse: 'vimos Maradona correr até o minuto 94, contradiz os medicamentos que me passaram. Ele teria que estar mais tranquilo, mas correu muito'", relata Burgos.
O livro foi lançado na última semana em Buenos Aires e já é um sucesso imediato, pois retoma um tema que intriga os argentinos há vinte anos. Cada um tem sua teoria da conspiração própria, inspirada em episódios como a "batida" de policiais no hotel que hospedava a delegação em Boston na véspera da partida com a Nigéria. Ao todo foram três visitas em toda a Copa. Nesta em particular, os oficiais chegaram acompanhados de cães farejadores, anotaram os medicamentos usados por Maradona e enfim foram embora.
Maradona jurou pelas duas filhas que não tinha se drogado, com um desabafo dramático que entraria para a história das Copas. "Cortaram as minhas pernas", proferiu o campeão mundial de 1986 e vice em 1990. No entanto, o ídolo sabia que havia confiado demais no preparador físico particular que levou para os Estados Unidos, profissional que desenvolveu um plano específico para o meia, recheado de complexos vitamínicos e com detalhes obscuros [detalhes no fim da matéria].
Antes do anúncio oficial da Fifa sobre o doping, Maradona foi afastado preventivamente da Copa pela AFA. De acordo com a investigação do livro, a medida atendeu à pressão que João Havelange exercia sobre Julio Grondona, presidente da entidade argentina e vice na Fifa.
"Havelange disse uma frase muito sugestiva naquele momento, pressionou Grondona para que a AFA excluísse Maradona do Mundial. Usou uma justificativa estranha. Disse que o governo dos Estados Unidos estava se esforçando muito para combater a droga. Mas não existia nenhum tipo de relação com o caso. Maradona tomou efedrina, uma substância presente em complexos vitamínicos, que era doping, mas que tinha venda livre nos Estados Unidos. Não era uma droga social", declara Burgos, um dos autores do livro.
Antes de ter "as pernas cortadas", Maradona comandou a vitória da Argentina por 4 a 0 sobre a Grécia na estreia, com direito a um golaço seu, que motivou a célebre comemoração encarando a câmera de TV. Depois veio o triunfo sobre a Nigéria, com Diego participando dos dois gols. Neste momento sua seleção já era apontada como a principal força da Copa. Mas tudo isso, claro, antes do "escândalo efedrina".
Instantes antes do fim da partida com a Nigéria pelo grupo D, Maradona foi sorteado para passar pelo antidoping, junto com o reserva Sergio Vasquez [a bolinha foi tirada por Roberto Peidró, então o segundo médico da seleção argentina]. Ainda dentro de campo, aos 40 minutos do segundo tempo, o meia foi avisado pelo técnico Alfio Basile sobre o teste. Mesmo assim, deixou o estádio tranquilo. Neste dia, disse à Folha de S. Paulo em depoimento na área de entrevistas: "estou muito feliz. Vou comemorar jantando bem. Em Boston existem lagostas sensacionais. Vou comer uma, inteirinha, com minha mulher e filhas".
A imagem clássica do doping do argentino é a saída de campo de mãos dadas com a enfermeira americana. Mas, segundo o autor de "El último Maradona" este foi um procedimento padrão na Copa dos EUA, e não um evidência de qualquer complô: "a figura da enfermeira estava em todas as partidas do Mundial. Sempre quatro enfermeiras iam buscar os jogadores sorteados. Elas não faziam parte de uma organização secreta".
MARADONA CONFIOU EM FISICULTURISTA DESCONHECIDO
Em 1993, depois de levar uma surra da Colômbia em casa, derrotada por 5 a 0 em Buenos Aires nas eliminatórias, a Argentina foi encaminhada à repescagem mundial contra a Austrália. Neste instante de desespero, temendo o fracasso de não ir à Copa, o técnico Alfio Basile sucumbe à pressão popular e recorre a Maradona. Diego acabara de acertar para ser jogador do Newell's Old Boys e vinha de um fracasso na Espanha com o Sevilla.
Pouco antes, também em 1993, Maradona havia sido apresentado a Daniel Cerrini, um ex-fisiculturista que não tinha nenhuma relação com o futebol. Com a ajuda deste profissional, o ídolo consegue emagrecer rapidamente, em façanha que intriga os médicos da seleção.
"Ele não pertencia ao futebol. Não tinha relação com o futebol. Era um ex-fisiculturista, não uma figura pública. Chegou a Maradona por intermédio de conhecidos. Tem uma academia hoje em dia em Buenos Aires. Tinham amigos em comum. Nesta época Maradona queria baixar de peso. Passou por um tratamento como se fosse um fisiculturista, não como um jogador de futebol. Passava muito tempo na academia, tomava muitos complexos vitamínicos. E de repente começa a perder de peso, de maneira milagrosa", relata Burgos.
Na repescagem, a Argentina vai à Austrália e empata por 1 a 1 com um gol de Balbo após jogada espetacular de Maradona. Na partida de volta, Batistuta garantiu a classificação com um gol "chorado". O time de Dieguito, Redondo, Simeone e companhia iria à Copa.
"Ele confiava em Cerrini, tomava dez comprimidos por dia. Não perguntava o que tinham. Muitos não confiavam em Cerrini dentro da seleção, pediam que Maradona passasse por um controle antes do Mundial, mas Grondona disse que não. Foi um erro de Maradona não ter escutado os conselhos para que não desse tanta confiança a Cerrini", argumenta o autor do livro sobre o doping de 1994.