Maradona foi fominha em gol antológico. Valdano comemora até hoje
Paulo Passos
Do UOL, em São Paulo
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FOTO: JULIAN DE DOMINGO. ABC SEVILHA
Valdano foi campeão do Mundo com a Argentina em 1986
Ao entrar na área da Inglaterra, já com o goleiro Peter Shilton vindo em sua direção, Diego Maradona tinha três opções para escolher: passar a bola para Burruchaga livre, tocar para Valdano na cara do gol ou entrar para a história.
"Até hoje penso: ainda bem que Maradona não me deu aquela bola", comemora o ex-atacante, que se define como um "observador privilegiado" do gol marcante da conquista da Copa do Mundo de 1986. Jorge Valdano era um dos jogadores mais próximos do capitão e craque da equipe. Hoje a dupla se separou, após desavenças em 2010.
Lembrar-se dele apenas como coadjuvante é uma grande injustiça. Goleador, técnico, dirigente e até escritor, Valdano hoje trabalha como comentarista na Espanha, onde é respeitado como um especialista em futebol e suas coisas.
Em entrevista ao UOL Esporte, o argentino falou sobre a Copa do Mundo, definiu o Brasil como um dos favoritos, mas sem protagonismo, e disse que vê Neymar intimidado com Messi no Barcelona.
UOL Esporte: A Copa de 2010 foi o triunfo do modelo do Barcelona, que também é da seleção espanhola. Desde então surgiram antídotos, como Brasil na Copa das Confederações, o Bayern de Munique e até o Atlético de Madri. Que estilo você acha que vai influenciar neste Mundial?
Jorge Valdano: Eu acredito que nos últimos anos, a única seleção que criou uma tendência foi a espanhola. Itália com a sua obsessão tática e a Alemanha com a obsessão física se abriram com futebol. Existem antídotos a esse tipo de jogo, mas para mim, o que fez a Espanha no último Mundial representa algo muito valioso. A Espanha levantou uma bandeira que durante muitas décadas pertencia ao Brasil.
Hoje não pertence mais?
Pertence em nível individual, mas não no coletivo. Porque a seleção, que é o seu maior expoente, segue compensando o trauma de 1982, com defesas mais fechadas, com meio-campistas menos criativos e aproveitando o enorme talento que eles têm nos últimos metros do campo, perto da área rival, que às vezes se chama Bebeto, Romário, Ronaldo e agora Neymar. Mas que segue dando ao Brasil uma enorme eficácia, mas uma menor fascinação.
EFE/Alberto Estévez Acho que Neymar respeitou em excesso a figura de Messi. Entre chutar no gol e dar a bola para Messi, prefere o passe Ex-atacante da Argentina
O que você acha da seleção brasileira atual?
É um time muito competitivo, com uma defesa que é uma das mais potentes do mundo e com alto nível de agressividade. Não podemos esquecer que na Copa das Confederações cometeu um número de faltas excessivo. Foram 25 em média. Mas tem personalidade. Muito necessário para a enorme pressão que vão sofrer no Mundial e também mostrou que consegue ganhar jogos com uma enorme autoridade, como aconteceu contra a Espanha, na final da Copa das Confederações.
Vê o Brasil entre os favoritos?
Desde a Copa das Confederações, Brasil aparece como seleção favorita. Amparado pela atuação da Copa das Confederações, por jogar em casa, por uma história rica e pelo talento de sempre, que existe no futebol brasileiro. Me parece que existem dois elementos que levantam muito a expectativa do Mundial. Primeiro porque o último campeão foi a Espanha, que teve um nível técnico muito bom. Outra coisa é que se joga no Brasil, que sabe apreciar o futebol. Espero que isso tenha influencia nos países participantes. Como influenciou a Itália na Copa de 90, que foi o torneio com menos gols. Espero que o contágio seja positivo.
Na seleção Argentina, Alejandro Sabella resolveu o problema do Messi, que nunca repetia o mesmo desempenho do Barcelona?
Messi nunca pode ser nem nunca foi um problema. E mais, se a Argentina está entre os candidatos a razão é por ter Messi. Entendo que nunca o melhor jogador do mundo pode ser um problema para um time. A equipe pode ser um problema para o melhor jogador do mundo, mas nunca o contrário. O Sabella trabalhou muito bem com a confiança do Messi na seleção. É uma equipe com muitas variáveis ofensivas. Faz falta agora equilibrar o time da metade para trás.
Falta uma Copa do Mundo para Messi poder ser comparado a Maradona?
Olha, Houve jogadores como Di Stefano e Cruyff que chegaram ao topo sem ganhar um Mundial. Por outro lado, não podemos esquecer que o Messi com 26 anos conseguiu quatro Bolas de Ouro da Fifa. Acho que na formulação da pergunta já há uma vantagem para Messi: ser comparado a Pele e Maradona quando está na metade da sua carreira. Estamos falando de um jogador extraordinário.
Você acha a comparação injusta?
Digamos que dá uma sensação de que Messi tem que vencer Maradona e isso só pode acontecer com um Mundial. Uma Copa é uma conquista coletiva. Não só individual. Acho injusto colocar isso como condição para a genialidade de Messi. Acredito que é muito difícil ocupar sentimentalmente o lugar de Maradona com os argentinos. Porque naquela ocasião digamos que havia questões de tipo político, sociológicos que tiveram um papel no mito Maradona. Fala-se mais do jogo contra a Inglaterra do que da final com a Alemanha. É muito difícil ultrapassar, igualar isso. Nem a conquista de uma Copa. Eu brinco que para que Messi ocupe o mesmo papel que Maradona no imaginário coletivo argentino, o Brasil deveria ganhar uma guerra da Argentina e depois Messi fazer o que Maradona fez em uma partida no Mundial contra o Brasil. Não vai acontecer e a culpa não é do Messi.
Como você analisa a primeira temporada de Neymar na Europa?
Ele foi vitima de certa decadência coletiva do Barcelona e de um processo de adaptação que num jogador tão jovem não resulta fácil. Temos que ter em conta que na primeira vez na sua vida que abandona a sua cidade, seu clube seu país. Não é fácil que lidar com isso. Trata-se de um jogador com condições fantásticas. É criativo, técnico, veloz. Tem uma conexão com o torcedor. Todo isso o transforma num grande jogador. Ele não alcançou o nível esperado ainda. Primeiro porque o mecanismo de jogo do Barcelona precisa de um certo tempo de adaptação. Acho que respeitou em excesso a figura de Messi. Entre chutar no gol e dar a bola para Messi, prefere dar a Messi. Também isso tem a ver com a estratégia de um jogador inteligente para não chocar com a grande lenda do Barcelona.
Acredita ser possível os dois jogarem juntos?
Sim, são perfeitamente complementários. Os grandes jogadores se atraem. Não imagino porque deve ter qualquer motivo para eles terem problemas.
Neymar é criticado na Europa por se jogar demais no chão. Você compartilha dessa opinião?
Não, ele é um jogador rápido, leve, valente. Só pela diferença de peso entre ele e os marcadores e dá a sensação que voa quando tocam nele. Tem mais a ver com a sua estrutura física que com algo de simulação. A diferença com Messi é física, muscular. Custa muito mais para derrubá-lo, por exemplo. E psicologicamente, ele resiste mais a cair. Neymar tem outro papel de jogo e outro físico. Mas sobre Neymar, acho que tem gente que lida com muito preconceito sobre o tema.
Pode chegar ao mesmo nível de Messi e Ronaldo?
Acredito que, neste momento, Messi e Ronaldo comem numa mesa a parte, como dizemos na Argentina. São de outro nível.
Você viu de perto o gol de Maradona contra a Inglaterra. No lance, esta na área quando ele entrou driblando. Imaginou que ele poderia tocar para você?
Digamos que eu comecei a jogada sendo um companheiro e terminei sendo um torcedor. Fui um observador. Foi tão fascinante que a medida que ele ia progredindo eu fui para a área. Olha, ainda bem que ele não me deu a bola. Quando vi que a bola entrar, na hora pensei que aquilo o colocava na condição de lenda ao lado de Pelé.
Isso é uma discussão eterna, não? Quem foi melhor: Maradona ou Pelé?
Me nego a entrar nesse jogo. São dois grandes, fascinantes e extraordinários. Vejo até como falta de respeito com os dois tentar comparar.
E o Gol com a mão?
Minha sensação foi de que era impossível chegar com a cabeça.. Mas digo que não vi a mão.
Nem pela TV?
Não...(risos)